terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

História e Poesia (célio turino)

 

O Vichama Teatro, no Peru, trabalha com alfabetização intercultural. Os espetáculos são construídos junto com a comunidade / Crédito: IberCultura Viva

Crédito: IberCultura Viva


História e Poesia

Nos primórdios, 
palavras sussurradas ao vento 
teciam histórias com poesia, 
eram memórias 
que abraçavam 
o ritual de eternidade.

Desde Homero, 
sob o sol grego, 
entre guerreiros e sereias, 
versos 
foram plantados 
no chão dos mares. 
O pai da história, 
Heródoto, 
atento, 
colheu relatos 
de povos distantes 
com a leveza de poeta 
que não teme misturar 
fato e encanto.

Na Índia dos Vedas 
versos entoaram
a vida que pulsa 
entre deuses e gentes, 
o Mahabharata canta guerras,
feitos heroicos, 
não apenas para celebrar, 
mas para entender
e não esquecer. 

Na China distante,
tão longe e tão perto,
o Império do Meio
fundiu ideogramas 
com dores da história 
e a poesia; 
Confúcio disse:
há sabedoria no canto das coisas simples.

E no Japão? 
Versos repousam 
nas margens do Kojiki,
o livro das coisas antigas, 
mescla de mito e verdade
a formar espelhos densos
-haikais- 
mostrando a face
do que apenas se sente.

Virgílio ergueu Roma em versos imortais, 
fez dos heróis a matéria dos sonhos;
escreveu história ou poesia? 

E os bardos?
Caminhavam pelas noites 
com harpas e vozes roucas 
cantando contos de cavalaria, 
amores que não morreram, 
canções partidas pelo tempo.

Em todo canto do mundo,
sob o sol do deserto,
a sombra das florestas,
nas ilhas e montanhas, 
nas cidades e no campo,
história é poesia,
poesia é história.

Almotanabi 
foi ao encontro dos ventos de areia
para afiar suas palavras
e contar histórias do Islã. 

Das vozes da África,
os Griôs
gritavam e gritaram
adentrando nos portos 
de Cachéu, Gorée...;
gritavam
para que os aprisionados
em holocausto
não se esquecessem
de segurar a memória 
pelas vozes que dançam 
de geração em geração.
 
Nos Andes,
Quipocamayocs
declamavam os segredos
da escrita matemática,
os Quipus,
cordões coloridos, 
em diversos tamanhos,
cheios de nós
e de vós.

Por aí, 
nessa nossa América 
crioula,
indígena,
mestiça,
os voceros,
os círculos da palavra 
e seu bastão,
não permitem que se esqueça:
história é poesia
poesia é história,
verdade que se fia
no sagrado
da palavra.

O luto indígena
do alto do Xingu,
com choro ao lado do tronco
da noite ao dia,
rememora histórias,
canta a vida e a morte
com assombro e respeito
àquele que renasce
pelo tronco do Quarup.

Quando se canta história e poesia,
sabe-se que o tempo não é linha reta, 
é espiral que respira.

Com a modernidade, 
história e poesia 
se separaram.
Sonho desfeito,
Miguel de Cervantes 
foi o último suspiro
a domar moinhos, 
brincou 
com o real e o inventado, 
fez 
da poesia 
um espelho quebrado
a refletir 
histórias partidas,
Quixotescas.

No canto popular
reside a força das 
classes esquecidas,
caminhando 
entre verso e memória
palavras derrubam 
moinhos de vento 
e de moer gente. 

A história caminha, 
mas não vai sozinha, 
a poesia segue ao lado, 
com seus silêncios e cantorias,
com elas
o passado nunca dorme 
em sonho profundo,
tem sonho leve
e espera 
quem o resgate.

Poesia e história 
são faces do mesmo rosto,
do mesmo sonho 
que desperta
com um convite ao recomeço.












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