UMA NOTA SOBRE VITAL FARIAS
"Deixe o índio no seu canto
Que eu canto um acalanto
Faço outra canção
Deixe o peixe, deixe o rio
Que o rio é um fio de inspiração..."
Morreu nesta semana o cantor/compositor paraibano Vital Farias autor de perolas do cancioneiro brasileiro como: "Sete cantigas para voar". Tanta coisa que nos inspira algo assim que ficamos pensando o que seria da poesia musical se algo assim não fosse inventada. Desde que ouvi a primeira vez esta canção na voz singular de Elba Ramalho, três coisas retive para a memória que sempre volta em ocasiões propícias em nosso itinerário...
"A gente bem sente com precisão". Um sentimento paradoxal me vem em primeiro lugar. Sentir é não ter precisão. Sentir não é reta euclidiana. Vital Farias nos fala de um sentimento que tem sua particularidade e que fica gravado na parede da memória. Esse, tem precisão, tem necessidade. Tem lugar de moradia certa. Do lirismo e sua dialética.
"Pra alegria e festa do meu coração". O paraibano capta num verso aquilo que nos faz sentido e que ilumina uma existência. A canção libera a memória para aquele evento inicial que nos ocorre e nos vem sempre carregado de sentido. Sentir aquilo que foi alegria e festa num coração é falar de algo manteve um frescor único do que se amou. O compositor nos remete às origens do lirismo ocidental com Safo de Lesbos. As duas palavras que perfazem a frase é mais cristalina sensação de alteridade. Há um outro/outra sempre em um passado sentimental.
"Voa, voa, azulão/Voa, voa, azulão." Azulão no cancioneiro brasileiro sempre indica melancolia num canto maravilhoso. paradoxo de se ouvir o bonito que tem sempre fim. Um pássaro singular em todos os sentidos. Recorre a ele é sempre recorrer a uma beleza eu se esvai... Vital Farias era um compositor que entendia dos versos da natureza. A sinfônica-canção "Saga da Amazônia" é síntese disto que afirmamos antes.
Vital não foi "apenas" um compositor que o lirismo predominava em suas canções. Viveu num período nefasto de um Brasil. Respirou o ar miserável de uma ditadura que em tudo empobrecia o país dos mais pobres. Cantou as dores, os sofrimentos, as pequenas resistências e a bravas lutas populares. A música brasileira deverá muito a este sertanejo paraibano. Soube do xaxado. Soube do pé rachado. Fez sua Páscoa.
Romero Venâncio (UFS)
Vital Farias morreu nesta quinta (6), aos 82 anos. Na Coleção da Zuza, a Batuta disponibilizou na íntegra o primeiro LP do cantor e compositor paraibano, lançado em 1978.
https://radiobatuta.ims.com.br/colecao-do-zuza/vital-farias
VITAL FARIAS NO PROGRAMA SR BRASIL COM ROLANDO BOLDRIN-Parte 01
Nenhum comentário:
Postar um comentário