Janine defende educação sem currículos rígidos
Josias de Souza
 
Escolhido
 por Dilma Rousseff para comandar o Ministério da Educação, o filósofo 
Renato Janine Ribeiro tem ideias avançadas para o setor. Ele discorreu 
sobre elas num artigo veiculado há quatro meses na coluna semanal que mantém no jornal ‘Valor Econômico’.
 Defendeu, por exemplo, a tese segunda a qual a educação deveria deixar 
de seguir currículos rígidos, tornando-se mais prazerosa e criativa.
Para
 o novo ministro, não se pode entender o mundo moderno sem levar em 
conta o seguinte: “a educação não termina no último dia do ensino 
profissional ou do curso superior —nem nunca.” Janine avalia que certos 
diplomas, como o de médico, poderiam ser “concedidos com exigência de 
atualização” em prazos pré-determinados. Ministradas em “cursos 
avaliados”, essas atualizações seriam “obrigatórias, previstas em lei”.
Janine
 defende também a criação de “um crescente leque de cursos abertos, sem 
definição profissional, que aumentarão incrivelmente a qualidade da vida
 dos alunos.” Ele explicou: “Para cada curso de atualização em genoma 
para profissionais de saúde, haverá dezenas sobre filmes de conflitos 
entre pais e filhos, de aprendizado com religiões distantes, de arte em 
videogames, destinados a cidadãos em geral, de qualquer profissão —e a 
lista não acaba.”
O escolhido de Dilma deu exemplos do que pode 
suceder num sistema educacional que inclua os cursos abertos: “Quem 
cresceu num meio limitado pode descobrir que o sentido de sua vida é a 
fotografia (como o jovem favelado que é o narrador do filme ‘Cidade de 
Deus’): um artista se revela. Ou um menino sensível, alvo de ‘bullying’ 
na escola, descobre que é homossexual e que não está sozinho no mundo: 
um ser humano se liberta da ignorância que o prendia. Assim, a cultura 
aumenta seu próprio contingente – com a descoberta de novos artistas – 
mas, acima de tudo, amplia a liberdade humana.”
Noutros tempos, 
anotou Janine, a identificação da vocação das pessoas seguia padrões 
engessados. “Cada pessoa vivia num pacote identitário: por exemplo, 
homem branco abonado, casado, filhos, advogado ou médico ou engenheiro. 
Tudo isso vinha junto.” Hoje, avalia o novo titular da Educação, os 
horizontes alargaram-se.
“Há milhares de profissões”, escreveu 
Janine. “No limite, cada um cria a sua. Profissão, emprego, orientação 
sexual, estado civil, crenças políticas e religiosas, tudo isso se 
combina como um arco-íris felizmente enlouquecido. Ninguém é mais 
obrigado a se moldar a um pacote. Mas isso não é fácil, exige uma 
interminável descoberta de si e, por que não dizer, coragem pessoal.”
Janine
 esgrimiu no artigo um ponto de vista ousado sobre quais seriam os 
principais ministérios da Esplanada. Começou brincando com as palavras: 
“Qualquer um sabe responder quais são os principais ministérios do 
governo federal —aliás, de qualquer governo no mundo atual. São os da 
área econômica. Só que não”.
Depois, foi ao ponto: “Os ministérios
 que definem o futuro de um país, que deverão ser decisivos nos próximos
 anos, e em poucas décadas serão reconhecidos como os principais, são 
três: Cultura, Atividade Física (como eu chamaria a atual pasta dos 
Esportes) e Meio Ambiente.”
Tomado pelas palavras, Janine talvez 
preferisse que Dilma o tivesse convidado para chefiar a pasta da 
Cultura. No artigo, ele falou de educação como um complemento da 
cultura. Traçou um paralelo: “A cultura tem a ver com a educação. As 
duas pressupõem que o ser humano não nasce pronto, mas é continuamente 
construído pela descoberta dos segredos do mundo e pela invenção do 
novo.”
Prosseguiu: “Na educação como na cultura, não há limite: 
sempre se pode descobrir ou inventar mais. Nada é tão crucial quanto 
elas para uma sociedade em mudança rápida, como a nossa. A educação e a 
cultura, nas suas várias formas, fazem crescer a liberdade das pessoas.”
Janine
 recordou que, em artigo anterior, afirmara que “a cultura é a educação 
fora de ordem, livre e bagunçada.” Comparou: “Para cursos, há 
currículos. Para a cultura, não. Um curso sobre a abolição da 
escravatura é educação, o filme ‘Lincoln’ é cultura.”
Foi nesse 
ponto que o novo ministro revelou o que seria para ele o modelo ideal de
 educação: “Cada vez mais, a educação deverá se culturalizar: um, 
deixando de seguir currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; 
três, criativa.” Na opinião de Janine, deve-se conservar apenas “um 
currículo norteador, que leve da infância à idade adulta.” Sem perder de
 vista que a educação jamais termina.
Vai abaixo a íntegra do artigo de Renato Janine Ribeiro, datado de 1º de dezembro de 2014:
Os principais ministérios: Cultura
Só que não.
Os ministérios que definem o futuro 
de um país, que deverão ser decisivos nos próximos anos, e em poucas 
décadas serão reconhecidos como os principais, são três: Cultura, 
Atividade Física (como eu chamaria a atual pasta dos Esportes) e Meio 
Ambiente.
Essa tese parece tão insensata que precisa ser 
justificada. Começo pela Cultura; nas próximas colunas falarei das 
outras duas áreas. Mas um artigo de Antonio Callado pode ilustrar esta 
questão inteira: em abril de 1994, quando Rubens Ricupero deixou o 
Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal para assumir a Fazenda, 
Callado lamentou o que ele, só ele, chamou de rebaixamento: Ricupero 
deixava uma pasta que portava o futuro do mundo, para cuidar de algo sem
 a mesma relevância estratégica. É nesta linha que vamos argumentar.
É
 claro que a economia é decisiva para um país, um governo. Mas ela 
geralmente trata de meios, mais que de fins. O próprio nome de 
‘infraestrutura’, usado para agrupar algumas de suas pastas, já indica 
isso: infra, não super. O solo que pisamos, não o espaço entre zero e 
dois metros de altura em que nos movemos. Temos também ministérios para 
lidar com nossos déficits sociais, como saúde, direitos humanos, 
igualdade das mulheres e dos negros. Um dia que não deve demorar muito, a
 igualdade de direitos estará alcançada. Mas, desde já, há setores da 
administração que devem apontar fins – não de forma autoritária, 
vertical, mas fazendo a riqueza criativa da sociedade impactar a 
administração.
A cultura tem a ver com a educação. As duas 
pressupõem que o ser humano não nasce pronto, mas é continuamente 
construído pela descoberta dos segredos do mundo e pela invenção do 
novo. Na educação como na cultura, não há limite: sempre se pode 
descobrir ou inventar mais. Nada é tão crucial quanto elas para uma 
sociedade em mudança rápida, como a nossa.
A educação e a cultura,
 nas suas várias formas, fazem crescer a liberdade das pessoas. A 
cultura, já afirmei aqui, é a educação fora de ordem, livre e bagunçada.
 Para cursos, há currículos. Para a cultura, não. Um curso sobre a 
abolição da escravatura é educação, o filme “Lincoln'' é cultura. Cada 
vez mais, a educação deverá se culturalizar: um, deixando de seguir 
currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; três, criativa.
A
 Cultura deixará de ser o sobrinho menor da Educação. O próprio caráter 
imprevisível da ação cultural e a dificuldade de planejá-la fazem dela 
um dos modelos para o que deve ser a educação numa sociedade criativa. 
Deve-se conservar na educação um currículo norteador, que leve da 
infância à idade adulta. Mas para entender o mundo que hoje desponta é 
bom ter claro o seguinte: a educação não termina no último dia do ensino
 profissional ou do curso superior – nem nunca.
Alguns diplomas, 
como o de médico, até poderão ser concedidos com exigência de 
atualização, a cada tantos anos. Essa atualização será dada por cursos 
avaliados e fará parte da área da Educação. Mas além das atualizações 
obrigatórias, previstas em lei, será necessário – e demandado – um 
crescente leque de cursos abertos, sem definição profissional, que 
aumentarão incrivelmente a qualidade da vida dos alunos. Já temos 
iniciativas neste sentido, inclusive uma empresarial (a Casa do Saber), 
que têm dado certo. Enfatizo: esses cursos serão mais culturais, não 
estritamente educacionais. Para cada curso de atualização em genoma para
 profissionais de saúde, haverá dezenas sobre filmes de conflitos entre 
pais e filhos, de aprendizado com religiões distantes, de arte em 
videogames, destinados a cidadãos em geral, de qualquer profissão – e a 
lista não acaba.
A cultura é indutora de liberdade. Romances, 
filmes e mesmo novelas nos abrem para experiências com as quais, no 
mundinho em que cada um nasceu e cresce, nunca pudemos sonhar. (É 
inquietante como estamos voltando a viver em guetos; a própria 
dificuldade de tantos aceitarem que houve gente que votou diferente 
deles, na recente eleição, é sinal desse fechamento de cada grupo sobre 
si – o que pode limitar a capacidade de cada um se enriquecer com a 
compreensão do outro, do diferente).
Quem cresceu num meio 
limitado pode descobrir que o sentido de sua vida é a fotografia (como o
 jovem favelado que é o narrador do filme “Cidade de Deus''): um artista
 se revela. Ou um menino sensível, alvo de “bullying'' na escola, 
descobre que é homossexual e que não está sozinho no mundo: um ser 
humano se liberta da ignorância que o prendia. Assim, a cultura aumenta 
seu próprio contingente – com a descoberta de novos artistas – mas, 
acima de tudo, amplia a liberdade humana.
Hoje, pela primeira vez 
na história mundial, cada um de nós pode efetuar a sintonia mais fina 
possível de sua vocação. Antigamente, cada pessoa vivia num pacote 
identitário: por exemplo, homem branco abonado, casado, filhos, advogado
 ou médico ou engenheiro. Tudo isso vinha junto. Hoje, as possibilidades
 se ampliaram muitíssimo. Há milhares de profissões. No limite, cada um 
cria a sua. Profissão, emprego, orientação sexual, estado civil, crenças
 políticas e religiosas, tudo isso se combina como um arco-íris 
felizmente enlouquecido. Ninguém é mais obrigado a se moldar a um 
pacote. Mas isso não é fácil, exige uma interminável descoberta de si e,
 por que não dizer, coragem pessoal. A cultura ajuda aqui, porque nenhum
 setor da aventura humana nos capacita tanto para, cada um de nós, 
descobrir sua diversidade única.“
Novo ministro da Educação participou do programa Observatório da Imprensa, na TV Brasil
MinC cria nova Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural
19.3.2015 - 9:32   
 
| A nova secretaria consolida e amplia programas e ações já existentes no MinC. (Foto: Oliver Kornblihtt) | 
O Ministério da Cultura (MinC) está criando a Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural (Sefac). Quem
 assume a nova área é Juana Nunes, que coordenava esta pauta na 
Diretoria de Educação e Comunicação para a Cultura, da Secretaria de 
Políticas Culturais (SPC).
A Sefac 
nasce conectada com o desafio proposto pela presidenta Dilma Rousseff de
 uma "Pátria Educadora" (lema do governo federal a partir deste ano) e 
atenta à importância da inserção das práticas e saberes culturais nos 
processos educativos, como um caminho para a qualificação e a ampliação 
do repertório cultural de crianças e jovens de todo país e garantia de 
seus direitos culturais.
A nova secretaria 
consolida e amplia programas e ações já existentes no Ministério da 
Cultura. Desde 2011, são desenvolvidas, em parceria com o Ministério da 
Educação, iniciativas para as instituições públicas de ensino, como os 
Programas Mais Cultura nas Escolas, Mais Cultura nas Universidades e 
Pronatec Cultura. A Sefac também abrigará a pauta de formação e 
qualificação artística e cultural.
Com essas 
ações, o Ministério da Cultura reconhece a importância estratégica de 
ações intersetoriais para alcançar a democratização do conhecimento, a 
universalização do acesso à cultura e o desenvolvimento de uma 
sensibilidade estética crítica, comprometida com a diversidade cultural 
do país.
O maior objetivo da Secretaria será o
 desenvolvimento do Programa Nacional de Formação Artística e Cultural. A
 meta é fomentar o diálogo entre as diversas práticas culturais, 
populares e tradicionais, e a educação formal. Serão três frentes de 
atuação:
- formação de gestores e agentes culturais;
 - formação artística e profissional;
 - consolidação de uma política cultural voltada para instituições públicas de ensino.
 
Finlândia: o primeiro país do mundo a abolir a divisão do conteúdo escolar em matérias
Veja também
Por Renato Carvalho, do Rescola
A campainha toca, mas, em vez da aula de História, começa a aula de 
“Primeira Guerra Mundial”, planejada em conjunto pelos professores 
especialistas em História, Geografia, Línguas Estrangeiras e (por que 
não?) pelo professor de Física que achou que seria uma boa oportunidade 
para trabalhar os conceitos de Balística.
À tarde, outro sinal, mas os alunos não vão ter aula de Biologia. 
Hoje a aula é sobre “Ecossistema Polar Ártico”, ministrada pelos 
professores especializados em Biologia, Química, Geografia e o de 
Matemática, que percebeu que os dados sobre o derretimento das geleiras 
seriam úteis para o estudo de Estatística.
Em pouco tempo, cenários como esse, 
que já são comuns nas principais escolas da capital Helsinki, poderão 
ser encontrados em toda a rede de ensino do município e nas cidades do 
interior. O objetivo é claro:
A Finlândia quer ser o primeiro país do mundo a abolir completamente a tradicional divisão do conteúdo escolar em “Matérias” e adotar em todas as suas escolas o ensino por “Tópicos” multidisciplinares (ou “Fenômenos”, conforme a terminologia adotada pelos educadores finlandeses).
Há anos, a educação finlandesa vem sendo considerada a melhor do 
mundo. Com “segredos” como valorização dos professores, atenção especial
 aos alunos com mais dificuldades, valorização das artes e de diferentes
 formas de aprendizagem e uma radical redução no número de provas e 
testes, o país tem consistentemente dividido as mais altas posições nos rankings do PISA
 (Programme for International Student Assessment, ou Programa para 
Avaliação Internacional de Estudantes) com Cingapura, mas com as 
vantagens de oferecer uma educação universalmente gratuita e livre dos 
tremendos níveis de estresse aos quais os estudantes asiáticos são 
submetidos.
Apesar dos excelentes resultados (ou talvez por causa deles), a 
Finlândia pretende continuar repensando e aprimorando seu sistema 
educacional. “Não é apenas Helsinki, mas toda a Finlândia que irá abraçar a mudança”, afirma Marjo Kyllonen, gerente educacional de Helsinki. “Nós
 realmente precisamos repensar a educação e reprojetar nosso sistema, 
para que ele prepare nossas crianças para o futuro com as competências 
que são necessárias para o hoje e o amanhã. Nós ainda temos escolas 
ensinando à moda antiga, que foi proveitosa no início dos anos 1900 – 
mas as necessidades não são mais as mesmas e nós precisamos de algo 
adequado ao Século 21.”
Naturalmente, a ideia de substituir “Matérias” por “Fenômenos” como 
forma de dividir o conteúdo escolar e apresentá-lo aos alunos sofreu 
resistência inicial, principalmente dos professores e diretores que 
passaram suas vidas se especializando e se preparando para ensinar 
matérias. Mas com suporte do governo – inclusive incentivos financeiros 
através de bonificações para os professores que aderissem ao método – os
 professores foram gradualmente se envolvendo e hoje aproximadamente 70%
 dos professores das escolas de ensino médio da capital já estão 
treinados e adotando essa nova abordagem.
Atualmente, as escolas finlandesas já são obrigadas a oferecer ao 
menos um período de ensino multidisciplinar baseado em Fenômenos por 
ano. Na capital Helsinki, a reforma está sendo conduzida de forma mais 
acelerada, com as escolas sendo encorajadas a oferecer dois períodos. A 
previsão de Marjo Kyllonen é de que em 2020 a transição estará completa 
em todas as escolas do país.
Leia outros textos sobre a relação cultura e educação, aqui no blog.
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