domingo, 3 de fevereiro de 2019

Cultura em tempos de cólera: a música dos afetos



O músico e compositor Maurício Pereira fala sobre resistência cultural e a arte dos afetos como instrumento político.


Mauricio Pereira - Pra Marte

Mauricio Pereira - Florida




Zé Celso Martinez Corrêa: 'Esse governo não tem nem pé nem cabeça'


"É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo. Estão fazendo uma coisa fora de época, essa coisa de globalismo marxista. Não têm a menor ideia do que é Marx”

por Eduardo Maretti, da RBA publicado 13/01/2019 09h05

Jaime Oliveira/Wikimedia Commons
entrevista ze celso
"O que a gente tem que fazer é ridicularizar ao máximo"


São Paulo – "Eu digo menos pelas palavras e mais pela encenação. Tudo o que eu tenho a dizer está na encenação de Roda Viva", diz o diretor, ator e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, resumindo o que tem a dizer sobre a atual conjuntura política do país. Ele se refere à peça em cartaz no Teatro Oficina até "antes do Carnaval", como enfatiza. A montagem é baseada no célebre texto de Chico Buarque de Holanda de 1967.
Diretor da histórica montagem de O Rei da Vela (1967), a partir do original do modernista Oswald de Andrade, Zé Celso não se faz de rogado, como é de seu estilo, ao falar do governo de Jair Bolsonaro e a extinção do Ministério da Cultura, criado em 1985 pelo governo de José Sarney.
"Acho que não é uma questão de pedir a esse governo um ministro da Cultura, porque eles vão colocar um idiota qualquer. Porque eles são imbecis." A opinião do diretor é semelhante à do próprio Chico Buarque, que, ao jornal El País, declarou: "Com esses ministros, é preferível que A Cultura não tenha ministério".
Na opinião de Zé Celso, o governo de Jair Bolsonaro é, de fato, "imbecil". "Não é um governo de direita moderna, mas de direita arcaica. Botar a embaixada em Jerusalém, esse alinhamento com Trump, que está para ter um impeachment... É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo. Eles estão fazendo uma coisa totalmente fora de época, essa coisa de globalismo marxista. Não têm a menor ideia do que é Marx", diz o dramaturgo, em entrevista à RBA.
O que você tem a dizer sobre a extinção do Ministério da Cultura?

Só o Ministério da Cultura que foi extinto? Ele já declarou o fim da reforma agrária, entregou tudo nas mãos da ministra da Agricultura (Tereza Cristina). Se tivesse Ministério da Cultura, ele ia botar um desses caras, como o do Itamaraty (Ernesto Araújo), ou o da Educação (Ricardo Vélez Rodriguez). Eu sou a favor do Ministério da Cultura, sim. Mas não na mão desse cara. 

Muitas pessoas da área artística e cultural estão pessimistas...
Eu não estou pessimista, não. Roda Viva é o maior sucesso de todos os tempos. A gente exprime tudo o que está acontecendo agora, é atualíssimo, maravilhoso. Eu acredito muito mais no teatro, no cinema, nas artes todas, na mídia... Os jornais estão ótimos. Acho que não é uma questão de pedir a esse governo um ministro da Cultura porque eles vão colocar um idiota qualquer. Porque eles são imbecis. A gente conseguiu apoio para ensaiar a peça, conseguiu o Sesc, que está correndo risco também, e o público está lotando, está bancando, está sendo o nosso Ministério da Cultura.
Mas não estou pessimista porque, num certo sentido, a cultura está muito forte, a imprensa está forte, a Globo não está compartilhando totalmente com ele (Bolsonaro).  O próprio Faustão desmentiu, mas falou que ele é um imbecil. A gente quer o combate pela própria arte que a gente faz.
Acredita que a democracia está ameaçada?
Super ameaçada! Mas se você quiser entregar um ministério da Cultura a esses fascistas, vai ser um horror. Eles vão ter, aliás, uma secretaria de Cultura para substituir o ministério. Talvez até mantenham a Lei Rouanet. Mas eu acho que a atual situação está fascista mesmo, péssima. Quem não votou nele, que não foram só os que votaram no Haddad, mas também quem votou em branco, nulo, todo esse povo está insatisfeito. Mesmo as pessoas que votaram nele, talvez, estão vendo as loucuras que ele está fazendo. Está a maior confusão, esse governo.
O ministro das Relações Exteriores está em luta com o (Paulo) Guedes, que é o cara mais objetivo, na economia, porque com essa coisa de embaixada em Jerusalém vai fuder com a economia brasileira. Não está dando certo esse governo. A única esperança que eles têm é na economia, o neoliberalismo.
Minha posição é a seguinte: diante do movimento de oposição, dos jornalistas, dos artistas de teatro, de cinema, de música, da grande arte popular brasileira, tudo isso dá uma força enorme agora, porque a maioria do povo brasileiro, inclusive talvez os que votaram nele, agora estão vendo o que acontece.
O que é pior para a cultura, o regime militar ou agora?
Muito pior agora! Fui até torturado no regime militar, mas agora é muito pior. A cultura estava ótima, inclusive. Foi no período militar que surgiu a Tropicália, Rei da Vela, Terra em Transe, Hélio Oiticica, Caetano. A gente conseguiu trabalhar até um determinado momento, depois foi ficando pior, depois do AI-5. Mas a gente conseguiu trabalhar até fazer As Três Irmãs (1972), nosso último espetáculo. Depois a pressão era muito forte, não tinha mais condições de fazer. Mas a cultura não fica fraca nesses momentos. Ela fica forte, mas sem o patrocínio do governo.
E a Cultura hoje?
A cultura está ótima agora. Os teatros estão cheios, estão fazendo filmes ótimos, músicas ótimas, os artistas fazendo memes na internet, ridicularizando. O que a gente tem que fazer é ridicularizar ao máximo.
Seria como no poema de Carlos Drummond, "e o humor"?
Muito humor, cara! O festival de besteira do Stanislaw Ponte Preta. É um absurdo esse governo, não tem pé nem cabeça. O estadual também. Aqui em São Paulo nem sei ainda, mas no Rio de Janeiro aquele cara (Wilson Witzel) está fazendo loucura, a própria Globo está contra ele. O cara quer matar as pessoas. Hoje eu vi na própria Globo que o cara enlouqueceu.
Nesse contexto o que você espera para o futuro da nova geração?
A nova geração não vai embarcar muito nessa, não. Uma parte embarca, mas outra não, se a gente continuar trabalhando na cultura, fazendo o que estamos fazendo, de uma maneira mais satírica, mais paródica, como é o caso de Rei da Vela, de Roda Viva, no meu caso. Mas no caso de outras peças em cartaz, tá todo mundo mandando o pau, a não ser os grupos que são alienados mesmo. Mas a cultura está muito forte.
O que acha do fato de o povo ter elegido esse governo?
O povo não elegeu esse governo, porque além do Haddad ter tido 47 milhões de votos, somando tudo, com os votos brancos e nulos, é muito maior do que os votos no Bolsonaro. O povo elegeu porque foi feita uma campanha de WhatSapp. Além da esquerda, tem muita gente que nem é de esquerda que já tá curtindo na cara desse governo. Não é só esquerda. A esquerda não está sozinha. Acho que nesse momento a gente tem que continuar criando, provocando.
E o teatro é muito importante, porque é uma aglutinação de pessoas juntas, então passa a ter uma força muito grande nesses momentos de crise. Tem muitos teatros com coisas muito boas, cheios. Tem os que ficam ali fazendo teatrão, mas a maior parte dos melhores teatros está em combate, como o cinema também, as artes plásticas, a literatura, a música. É um momento forte no Brasil. Se você assistir Roda Viva você vai ficar pasmo.
Não tem pé nem cabeça, esse governo. Não é um governo de direita moderna, mas de direita arcaica. Botar a embaixada em Jerusalém, esse alinhamento com Trump, que está para ter um impeachment.  É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo. Eles estão fazendo uma coisa totalmente fora de época, essa coisa de globalismo marxista. Não têm a menor ideia do que é Marx. É ignorância sobre o que é globalização, que é uma coisa do capitalismo. E aquele cara então, Olavo de Carvalho? Não é filósofo nem aqui nem em lugar nenhum. Ele diz palavrão de uma maneira tão nojenta. Ele xinga como se fosse uma criança analfabeta. Xinga grandes artistas, como xingou o Caetano, xinga todo mundo.
Estão dizendo agora até que a Terra é plana. Estão negando Galileu Galilei. Estão negando que a Terra é redonda. Os astronautas viram a Terra redonda. Então, é um regime que eu tenho a impressão de que não vai muito adiante, não.  Ele é totalmente irracional, além de ser fascista, mas é um fascismo totalmente ignorante – acho que todo fascismo deve ser assim, não sei. Não tem fundamentação científica, filosófica, nada. É inacreditável. Eu não acredito no que eu tô vendo. É surreal. É um governo totalmente ideológico, abstrato – eu não tenho ideologia, acredito no aqui e agora. É um governo messiânico, acredita em messias. É um retrógrado que vai para a Idade Média. É uma coisa anticientífica, antitudo.
Eu digo menos pelas palavras e mais pela encenação. Tudo o que eu tenho a dizer está na encenação de Roda Viva.
Serviço:
Roda Viva
Teatro Oficina, Rua Jaceguai, 520, tel. (11) 3106-2818
Horários: sexta e sábado às 20h e domingo às 19h. Ingressos: de R$15 a R$ 60. Duração: 3h30. Classificação: 18 anos. Temporada: até 10 de fevereiro de 2019.



Chico Buarque: “Com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”

Artistas e intelectuais comentam a aterrissagem de Bolsonaro em Brasília. Temor maior é corte no Sistema S









Chico Buarque
O cantor Chico Buarque em São Paulo.



"Com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”. A frase dita pelo cantor Chico Buarque ao EL PAÍS ilustra o mal-estar que aflige boa parte da classe artística sobre os rumos do setor no Governo Bolsonaro. As políticas culturais, que ano após ano não chegam perto de 1% do orçamento geral, são uma incógnita até mesmo para os artistas e produtores brasileiros, que têm opiniões divergentes sobre os efeitos da perda de um ministério exclusivo para o assunto. De um lado, há reações bem menos enérgicas contra a extinção da pasta que as de 2016, quando o então presidente Temer recuou da proposta pela pressão de agentes culturais. De outro, o temor de que os cortes pretendidos pela equipe econômica de Paulo Guedes no Sistema S e o enxugamento nos bancos públicos inviabilizem ações que preenchem lacunas deixadas pelo poder público na produção e no acesso à cultura brasileira.

O presidente Jair Bolsonaro não dedicou muito espaço à Cultura em seu programa eleitoral. Só começou a se referir diretamente ao tema durante a campanha depois que um enorme incêndio destruiu completamente o Museu Nacional em setembro, o que chocou o país. Na ocasião, prometeu eliminar o Ministério da Cultura e concentrar as políticas do setor em uma secretaria específica como parte de seu plano de encolher a Administração pública e economizar. Bolsonaro cumpriu a promessa no seu segundo dia de mandato. Agora, a Cultura está acomodada no mesmo ministério que o Esporte e a Cidadania.
O cantor Chico Buarque, que nunca escondeu sua afinidade com o Partido dos Trabalhadores (PT), é um dos mais contundentes ao comentar a aterrissagem do novo presidente em Brasília. “Só posso dizer o seguinte: em vista da qualidade dos ministros deste Governo, acho que é preferível que a cultura não tenha ministério”, disse ao EL PAÍS. Nem todos concordam que as mudanças promovidas pela extrema direita causarão riscos à cultura brasileira. O presidente da Ancine (órgão público que regula e promove o cinema), Christian de Castro, afirma que o setor não sofrerá nenhum impacto, que a produção é sólida e está amparada por uma legislação que existe há 20 anos. No entanto, enfatiza que a liberdade criativa é necessária para fazer filmes e vendê-los. “Sempre que há censura, perdemos dinheiro”, diz. O cinema brasileiro movimentou mais de 2,7 bilhões de reais em 2017.



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Alguns anúncios feitos pela equipe do presidente, no entanto, já vinham causando preocupação a agentes culturais antes mesmo do início desta gestão. Ainda no período de transição, o ministro de Economia, Paulo Guedes, defendeu que é preciso "meter a faca" no Sistema S e cortar verbas públicas que sustentam nove entidades privadas responsáveis por promover educação e cultura no país. Entre elas, está o Sesc, que tem uma das maiores redes de promoção de atividades artísticas no Brasil. A entidade promove ações em distintas linguagens culturais em todos os estados brasileiros, que estabelecem uma agenda conforme a realidade regional, mas é também responsável por grandes ações nacionais. Entre elas, o maior circuito nacional de artes cênicas, Palco Giratório.

Sem especificar de quanto será o corte no Sistema S, Guedes argumentou que há um suposto desvio de finalidade com o investimento em "patrocínios" e não só em capacitação profissional. As declarações motivaram uma resposta do diretor estadual do Sesc de São Paulo, Danilo Miranda, em vídeo publicado nas redes sociais. Nele, alega que o Sistema S tem um caráter sociocultural, com ações voltadas para vários campos.

O diretor estadual do Sesc de São Paulo em exercício, Luiz Galina, diz que a possibilidade de cortes é preocupante, mas que até agora o Governo não fez nenhum movimento formal para efetivá-los. "Se houver redução dos recursos, não há outras entidades que possam cumprir o papel que o Sesc tem hoje. A nossa preocupação é democratizar o acesso, fazer com que pessoas de menor renda possam usufruir dessas atividades, que muitas vezes são gratuitas", defende. Também há preocupação de que os cortes de gastos pretendidos pelos novos presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal afetem as ações dos centros cultuais mantidos por estas instituições, que em algumas cidades brasileiras são responsáveis por grande parte da agenda cultural disponibilizada para a população.

Lei Rouanet


No centro do furacão das políticas culturais sob Bolsonaro, ainda está a chamada Lei Rouanet, uma controvertida normativa que oferece isenções fiscais às empresas em troca do pagamento de projetos culturais. Aprovada pelo presidente Fernando Collor de Mello em 1991, foi constantemente criticada, mas é o principal meio de financiamento cultural no Brasil. Grande parte dos teatros e museus depende dela. Graças a esta lei, cinco projetos são concretizados por dia desde que entrou em vigor.
A principal crítica é que, embora o Governo deva aprovar os projetos a serem financiados, são os empresários que escolhem o que apoiar. Bolsonaro costuma insistir que essa regra foi usada pelo PT de Lula para “comprar apoio” de artistas famosos. “Vamos eliminar o Ministério da Cultura e teremos apenas um secretário para tratar do assunto. Hoje, o Ministério da Cultura é apenas um centro de negociações da Lei Rouanet”, proclamou Bolsonaro na campanha. Apesar das críticas do presidente, dados do extinto Ministério da Cultura indicam que a Lei Rouanet representa apenas 0,3% das isenções fiscais brasileiras, mas tem um impacto importante na economia: para cada real investido, é gerado 1,59 real.
A atriz Fernanda Montenegro está convencida de que o desaparecimento do ministério prejudicará a produção teatral em particular. E está irritada, tanto que fez uma declaração no Domingão do Faustão: “Eles nos tratam como se fôssemos fora da lei”, disse em um dos programas de domingo de maior audiência da televisão brasileira. “Não somos ladrões da Lei Rouanet. Que procurem os verdadeiros corruptos deste país!”. A atriz sustenta que o presidente “acusou de maneira violenta” o pessoal do teatro porque a criticada lei é sua principal fonte de financiamento.

O cantor Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura em um dos Governos Lula, lamenta o fechamento do ministério, porque acredita que o Brasil “teria mais condições de responder às demandas da cultura”, mas pondera que a política cultural sob Bolsonaro ainda é uma incógnita. “Vamos ver como a política cultural chegará ao Governo, qual será o grau de prestígio”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo. Apesar de suas críticas e discursos, o presidente anunciou que manterá a polêmica Lei Rouanet, mas submetida a auditorias.

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