O cantor das  CEBs afirma: "A música mostra a relação com o mistério de Deus"
"Graças a Deus o Papa Francisco é maior que a igreja católica. É uma referência para toda a humanidade." Cantar uma canção que fala de nossa esperança, da nossa ecologia, dos nossos direitos, da nossa alegria e da nossa união, dos nossos defeitos, do nosso grito, do nosso clamor, é exatamente cantar a nossa alma com o povo. Essa é a minha concepção da minha esperança ao povo.
Zé Vicente é alguém que fez da música uma maneira de expressar toda a 
vida que tem dentro, porque ele mesmo reconhece que sua vida está ligada
 à música. Sempre muito próximo do povo, da região Nordeste onde nasceu e
 mora, sente-se próximo ao povo nordestino, lutador e sofredor, mas que 
mantém a esperança.
Ele canta desde uma experiência de fé, 
uma experiência mística, de um Deus que o inspira. Ele sabe que hoje os 
caminhos da música católica no Brasil são diferentes, deixando-se 
influenciar pela lógica do mercado, de onde sempre esteve distante.
Muitos o definiram como o cantor das 
comunidades eclesiais de base, um rótulo com o qual ele não se sente à 
vontade, porque sua experiência eclesial e social é muito mais ampla. A 
este respeito, salienta a importância que teve e tem em sua vida 
Monsenhor Antônio Fragoso, um dos Padres conciliares que assinaram o 
Pacto das Catacumbas, que defendeu uma Igreja pobre e para os pobres, 
que quer fazer realidade o Papa Francisco, a quem ele define como 
referência para toda a humanidade.
Sempre preocupado com a questão 
ecológica, Zé Vicente acompanha com interesse o desenvolvimento do 
Sínodo para a Amazônia, região sobre a que se abate a cobiça dos 
poderosos do mundo.
O que significa a música em sua vida?
Eu acho que significa a vida, a minha 
vida ligada à música, mas é a música não só que eu sonho, mas que eu 
verbalizo, que eu toco, que eu componho, mas é a música que eu guardo na
 alma, desde as canções da infância da minha mamãe, do meu papai, até as
 músicas dos passarinhos que eu escutei desde criança, esse é o meu 
alimento de cada dia.
Nas suas letras sempre aparece a
 vida do povo, o que significa essa vida? Quem cantam desde um 
sentimento de fé, deve reproduzir essa vida do povo?
É que é a minha vida, imaginar a vida do
 povo como se fosse fora de mim, seria um equívoco, não é. Eu que venho 
da roça, filho de agricultor, que desde pequeno eu volto lá cada mês e 
eu tento manter esse laço, então eu sou esse povo. Cantar uma canção que
 fala de nossa esperança, da nossa ecologia, dos nossos direitos, da 
nossa alegria e da nossa união, dos nossos defeitos, do nosso grito, do 
nosso clamor, é exatamente cantar a nossa alma com o povo, a nossa 
essência com o povo, porque a esse povo que eu pertenço, o povo 
sertanejo, nordestino, das periferias, o povo que luta, lutador e 
sofredor, mas que guarda esperança. Essa é a minha concepção da minha 
esperança ao povo.
Na Bíblia, sobretudo nos Salmos,
 aparecem essas músicas e essas letras que surgem da vida do povo. A 
gente poderia dizer que você tenta trazer para hoje aqueles salmos 
escritos muitos séculos atrás, os novos salmos de hoje em dia?
Eu sigo toda uma unidade, eu tento ser 
porta-voz, a Bíblia me alimenta, os salmos me alimentam, mas eu acho que
 a gente é porta-voz da hora presente, da humanidade e do povo. Se essa 
minha experiência de fé, se essa minha experiência mística, de cantante,
 de cantador, de salmista, for realmente entendida assim, vivenciada 
assim, ótimo. A minha intenção é que seja exatamente um alimento de 
esperança, uma veia de mística, da nossa relação com o Mistério profundo
 de Deus que nos move com seu sopro cada dia, com suas rações mais 
inexplicáveis e misteriosas. Então, eu tenho que ser sério comigo e com 
as inspirações que me vem.
Depois do Concilio Vaticano II, 
nas décadas de setenta a noventa, nem só você como outro músicos aqui no
 Brasil, tentaram fazer uma música de baixo para cima. Hoje a música 
católica voltou a ser de cima para baixo, por que foi se perdendo essa 
música que nasce do povo, da realidade, uma música mais profética, mais 
comprometida?
Eu não diria que ela se perdeu, ela está
 um pouco invisível, porque a mídia centrada no Sudeste do Brasil é uma 
mídia porta-voz de certos setores da classe média, é uma música ligada 
ao mercado. Mas isso, não só na música católica, a música popular 
brasileira no geral. Eu estou muito ligado, eu moro em Fortaleza, onde 
tem o grande mercado da música do forró, mas como a música sertaneja são
 ondas que o mercado cria, e é muito complicado investir numa música que
 abre a consciência, que critica, que faz uma crítica social, que 
critica inclusive os senhores do mercado, transformar essa música em um 
produto do mercado, para eles não é interessante, mas é interessante uma
 música, religiosa ou não, que cultive as relações intimistas, 
individualistas e egoístas. Isso dá cada vez mais dinheiro no mercado e 
um ego doentio, que es espalha cada dia, que é o estrelismo.
Na mídia brasileira dos artistas, dos atores, de todos aqueles que tem esse apelo da comunicação social. Isso vai criando uma demanda, no me u entendimento, de consumo e ao mesmo tempo de consumirmos uns aos outros, pelas figuras que são, pela idolatria que se faz. Eu não uso a palavra show, eu uso a palavra encontro musical, para diferençiar um pouco dessa coisa de mercado mesmo, onde o artista é dono do palco, tem um produto para vender. Sempre escorreguei um pouco dessa visão que não condiz com a visão profunda que eu tenho de fé, mas também de cidadania. Eu acho que todo momento que você centraliza e vende os produtos daquelas estrelas, daqueles figurões, não tem futuro nem como Igreja, nem como sociedade, nem como política, nem como cultura.
Na mídia brasileira dos artistas, dos atores, de todos aqueles que tem esse apelo da comunicação social. Isso vai criando uma demanda, no me u entendimento, de consumo e ao mesmo tempo de consumirmos uns aos outros, pelas figuras que são, pela idolatria que se faz. Eu não uso a palavra show, eu uso a palavra encontro musical, para diferençiar um pouco dessa coisa de mercado mesmo, onde o artista é dono do palco, tem um produto para vender. Sempre escorreguei um pouco dessa visão que não condiz com a visão profunda que eu tenho de fé, mas também de cidadania. Eu acho que todo momento que você centraliza e vende os produtos daquelas estrelas, daqueles figurões, não tem futuro nem como Igreja, nem como sociedade, nem como política, nem como cultura.
Você é considerado como um dos 
grandes cantores das comunidades eclesiais de base, o que tem 
representado na sua vida de fé, na sua vida como cantor, como artista, 
essas comunidades?
A minha experiência original não é 
bem na comunidade, é um pouco nesse catolicismo ainda familiar, mas já 
muito alegre, porque era de uma família que fazia ponte entre o cordel, a
 poesia nordestina, e as devoções populares. Depois eu vou e minha 
primeira experiência é com o grupo de jovens de arte, de teatro, já foi 
nesse campo. Quando eu fui viver na diocese de Crateús por dez anos, uma
 diocese com uma experiência profunda de comunidades eclesiais de base, 
então eu mergulho profundo nessa experiência, que alí, naquela diocese 
tinha um rosto social, comprometido, de luta de compromissos políticos, 
de tomada de posição, de luta pela terra, de sindicalismo, de 
associação, e tudo mais, e de comunicação. Então fui ligado a essa 
experiência de comunidade.
Me incomoda um pouco essa visão de que eu sou um cantor da CEBs. Eu sou um cantor nas CEBs, mas comecei na Pastoral da Juventude, nos movimentos populares e sociais, como o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, Sem Teto, dos povos indígenas. Onde eu chego, que essa canção encontra um eco, um respaldo, eu vou sinceramente e humildemente, e vou somando, vou somando. Agora, a experiência da comunidade, para mim, é fundamental para o cristão, porque sem comunidade, sem missão, o que é o cristianismo, me explica.
Você falou de Crateús, onde 
conviveu com Dom Fragoso, padre conciliar e um dos assinantes do Pacto 
das Catacumbas, um homem muito comprometido, que tentou vivenciar o 
Concilio numa época em que não era fácil levar tudo isso para frente, o 
que aprendeu com ele?
Eu estou aprendendo cada dia com ele, 
Fragoso para mim é um anjo vivo, profeta que me acompanha, e as vezes 
vejo que ele sopra no meu ouvido, aquilo que ele dizia para todos nós, 
no tempo de agentes de pastoral, na diocese, nas coordenações do serviço
 de rádio, onde eu ajudei, na coordenação da CPT (Comissão Pastoral da 
Terra), na animação das comunidades, bem no fundo daquelas coisas, ele 
dizia sempre, falem simples, quando vocês falam simples, os que não 
estudaram, vão todos entender, e os que estudaram também. Se vocês 
falarem complicado, só os que estudaram vão entender. Isso eu tenho como
 mandamento, que as vezes ele me sopra aqui no ouvido.
Está mais vivo hoje do que nunca, cada dia que passa eu sinto mais essa presença amorosa, mas ao mesmo tempo muito clara. Ele foi uma pessoa que se apaixonou logo desde o começo pela música que eu compus lá, e espalhou dizendo que essa coisa que estava vivendo ali, fazendo ali, o Zé Vicente com eles, ia dar o que falar. Isso me disseram depois em outros lugares, e eu acho que é assim, e cada vez eu agradeço a Deus por ter me colocado no caminho de Iguatu, com Dom Mauro, também bispo conciliar, de um diálogo mais manso e um profeta bravo e amoroso com o povo.
Está mais vivo hoje do que nunca, cada dia que passa eu sinto mais essa presença amorosa, mas ao mesmo tempo muito clara. Ele foi uma pessoa que se apaixonou logo desde o começo pela música que eu compus lá, e espalhou dizendo que essa coisa que estava vivendo ali, fazendo ali, o Zé Vicente com eles, ia dar o que falar. Isso me disseram depois em outros lugares, e eu acho que é assim, e cada vez eu agradeço a Deus por ter me colocado no caminho de Iguatu, com Dom Mauro, também bispo conciliar, de um diálogo mais manso e um profeta bravo e amoroso com o povo.
Você fala do Concilio, de 
simplicidade de vida, alguém que desde a simplicidade de vida tenta 
trazer de volta o Concilio é o Papa Francisco. O que é que o Papa 
Francisco representa para a Igreja e a sociedade do século XXI?
Graças a Deus, o Papa Francisco é maior 
do que a Igreja católica, do que o catolicismo, hoje ele é uma 
referência para a humanidade toda, em todos os setores, onde tiver 
alguém de bom coração, de boa vontade, vai saber que o que ele diz hoje,
 o testemunho deste homem, é um testemunho para todas as pessoas, os 
seres humanos de boa vontade que querem seguir o novo caminho e ter uma 
nesga de luz para o futuro do Planeta e da humanidade.
Então, eu vejo o Papa Francisco como essa figura, e eu acho que se a Igreja não entender isso, os setores da hierarquia, aqueles que tentam se aliar e estão na oposição ao Papa Francisco, é porque estão na oposição de Jesus de Nazaré, de Francisco de Assis e de outros que foram fundantes e mestres desse caminhar da humanidade ao encontro com seu Deus e seu Reino.
Então, eu vejo o Papa Francisco como essa figura, e eu acho que se a Igreja não entender isso, os setores da hierarquia, aqueles que tentam se aliar e estão na oposição ao Papa Francisco, é porque estão na oposição de Jesus de Nazaré, de Francisco de Assis e de outros que foram fundantes e mestres desse caminhar da humanidade ao encontro com seu Deus e seu Reino.
Você é leigo e o Papa Francisco 
insiste muito na importância do leigo na Igreja, e no ano passado foi 
celebrado no Brasil o Ano do Laicato. Como leigo, como você se sente 
dentro da estrutura eclesial? Realmente pensa que o Papa Francisco está 
ajudando a dar o valor que os leigos merecem, o valor que o Vaticano II 
enfatizou para o laicato, mas que depois se perdeu durante um tempo?
Eu acho que com certeza. No meu caso, eu
 sou leigo, mas eu sou um artista, e o artista circula um pouco por meio
 dos leigos, mas ao mesmo tempo eu me sinto consagrado, eu me sinto 
muito próximo dos religiosos. Muitas vezes recebo abraços e declarações 
de reconhecimento e amizade de muitos bispos e padres, de pastores. A 
arte vai levando a gente, como brincava o povo antigo, artista e doido 
tem passagem livre.
A gente está na Amazônia, que 
está dentro de um processo sinodal, que busca novos caminhos para a 
Igreja e para uma ecologia integral. Como pensa que isso pode repercutir
 na vida do Planeta e na vida da Igreja?
Eu quero acompanhar cada dia mais de 
perto esse processo do Sínodo para a Amazônia, porque eu penso que como 
no passado já teve um momento desses aqui, um grito dos profetas da 
Amazônia para toda a Igreja, tem um eco, uma repercussão importante. 
Hoje, nas minhas preocupações de quando eu vou dormir, a Amazônia é uma 
também, porque o que está acontecendo aqui, é um termômetro do Planeta 
na sua crise profunda, seja na parte humana, seja nas belezas naturais 
que têm aqui. A cobiça dos poderosos do mundo que se abate sobre esse 
coração do Planeta, sobre esse pulmão, como foi classificado, é uma 
coisa desenfreada, e é uma coisa muito mais grave do que a gente 
imagina. Eu acho que a Palavra do Papa, a experiência dessa reflexão, 
desse contemplar orante, clamante, e de compromisso com a memória da 
terra, das águas, e a sua importância para a vida humana e planetária 
aqui da Amazônia é uma coisa que eu quero acompanhar de perto, e que 
minha canção possa animar também.
Luis Miguel Modino
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