Marcelo Barros
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Hoje, no céu, você não nos escreve mais suas circulares noturnas comentando acontecimentos, partilhando atividades ou leituras e reunindo as pessoas que recebiam suas palavras na caminhada da espiritualidade sócio-política libertadora que muita gente, mesmo dentro da nossa Igreja nunca compreendeu e até hoje não compreende.
E se, nesse aniversário de 110 anos do seu nascimento, você nos escrevesse hoje ao menos uma de suas circulares? O que você nos diria sobre a realidade brasileira, sobre o que se passa pelo mundo e como você vê a sua sempre querida arquidiocese de Olinda e Recife?
Possivelmente, do jeito que você sempre foi e viveu, sua primeira palavra seria assim:
Meus queridos amigos e amigas,
Pura graça divina, alegria imensa o fato de ter nascido em um 07 de fevereiro, mesma data na qual, no sul do Brasil, os gaúchos celebram o aniversário do cacique guarani Sepé Tiaraju. Em 1776, esse índio conduziu o seu povo na luta contra os exércitos de Portugal e de Espanha juntos, defendendo o território livre das missões e gritando: Esta terra tem dono!. Agora, não quero me pronunciar sobre o processo de canonização que fazem com o meu nome, mas quero sim dizer minha alegria de saber que o papa Francisco aceitou iniciar o processo de canonização do índio Sepé Tiaraju, São Sepé, que, salvo engano, nem era propriamente cristão e sim um mártir da justiça do seu povo. Que alegria essa universalidade da salvação.
A respeito da realidade brasileira, é triste ver o Brasil transformado em terra arrasada, atolada na lama tóxica dos resíduos de Mariana e Brumadinho e em um lamaçal ainda mais cruel e deletério da insensibilidade social e do ódio tomado como política contra jovens das periferias urbanas, a cada dia assassinados em um genocídio sem fim, política contra lavradores sem-terra, povos indígenas e todos os pobres, preferidos de Deus.
É uma realidade que se espalha por toda a América Latina onde as garras do império podem alcançar. Os analistas políticos atuais falam em “guerra híbrida”, ou “guerras de baixa intensidade”, às vezes, nem tão baixas assim como ocorrem hoje no ataque do Império contra o povo e o governo da Venezuela.
Diante disso, o que posso pedir a vocês são duas coisas:
A primeira recomendação é a seguinte: em toda a minha vida, sempre propus que olhássemos a história a partir dos pobres e das causas dos pequenos. Quando vocês tiverem dúvidas sobre o que pensar dos acontecimentos políticos ou não souberem bem de que lado se situar, procurem saber de que lado está a maioria dos movimentos sociais, de que lado estão as pastorais sociais, da Igreja Católica e de outras Igrejas. Aí vocês podem ter certeza de que lado está o nosso Deus. Sim, meus queridos irmãos, Deus toma posição, tem um lado e é do lado da libertação e da vida. Deus não é de direita e sua proposta é de um mundo transformado.
A segunda coisa que lhes quero pedir é que não aceitem nunca se resignar. Jamais aceitem pensar e menos ainda dizer que não há nada a fazer e que tudo está perdido. Nós que acreditamos na força da ressurreição, nunca podemos nos conformar com uma realidade opressiva e nem nos deixar tomar pelo ódio. Vamos nos manter de mãos dadas e corações unidos e responder ao ódio com amor e com a certeza de que somos invencíveis porque não renunciamos aos nossos sonhos e a tudo aquilo em que acreditamos. Em 1994, já bastante limitado em minhas forças e meus movimentos, enviei ao movimento Mani Tese na Itália a seguinte mensagem:
“…Não estamos sós. Por isso, não aceito a resignação e a perda da esperança. A fome será vencida e no fim a paz reinará para todos. A última palavra jamais poderá ser a morte. Será a vida. Não será o ódio e sim o amor. Nunca as mãos endurecidas e fechadas pelo ódio. Mãos estendidas (é o nome do vosso movimento Mani Tese). Mãos unidas na solidariedade e no amor a todos e todas”. Agora, ouço vocês dizerem: Ninguém larga a mão de ninguém. É isso.
Sobre a nossa querida arquidiocese, que Deus abençoe os nossos pastores Dom Fernando e Dom Limacedo. Deus os fortaleça e os torne cada vez mais profetas da liberdade do Espírito. Quanto a vocês, deixem que lhes conte um segredo. Deixando de lado as estatísticas quantitativas, posso lhes garantir que, preto no branco, naquela época em que fui arcebispo de Olinda e Recife, também não contávamos com um grupo de padres e de religiosos e religiosas assim tão grande, não. Sempre fomos minorias abraâmicas. Perguntem a quem viveu os acontecimentos daquela época. Eles dirão como, exatamente há 50 anos, foi a minha luta para fundar a Ação Justiça e Paz. E como eu me virava para todos os lados e não encontrava apoio de quase ninguém, nem do clero nem de outros bispos... E naquela época eu dizia: “É verdade que uma andorinha só não faz verão, mas anuncia!”. Sejam hoje vocês, estas poucas andorinhas que, mesmo que não consigam fazer já e agora o verão, mas em nome de Deus, o anunciam... Deus os/as abençoe.
Obrigado, Dom Helder, por essa circular. Hoje, mais do que nunca, nós precisamos de você!
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Hoje, no céu, você não nos escreve mais suas circulares noturnas comentando acontecimentos, partilhando atividades ou leituras e reunindo as pessoas que recebiam suas palavras na caminhada da espiritualidade sócio-política libertadora que muita gente, mesmo dentro da nossa Igreja nunca compreendeu e até hoje não compreende.
E se, nesse aniversário de 110 anos do seu nascimento, você nos escrevesse hoje ao menos uma de suas circulares? O que você nos diria sobre a realidade brasileira, sobre o que se passa pelo mundo e como você vê a sua sempre querida arquidiocese de Olinda e Recife?
Possivelmente, do jeito que você sempre foi e viveu, sua primeira palavra seria assim:
Meus queridos amigos e amigas,
Pura graça divina, alegria imensa o fato de ter nascido em um 07 de fevereiro, mesma data na qual, no sul do Brasil, os gaúchos celebram o aniversário do cacique guarani Sepé Tiaraju. Em 1776, esse índio conduziu o seu povo na luta contra os exércitos de Portugal e de Espanha juntos, defendendo o território livre das missões e gritando: Esta terra tem dono!. Agora, não quero me pronunciar sobre o processo de canonização que fazem com o meu nome, mas quero sim dizer minha alegria de saber que o papa Francisco aceitou iniciar o processo de canonização do índio Sepé Tiaraju, São Sepé, que, salvo engano, nem era propriamente cristão e sim um mártir da justiça do seu povo. Que alegria essa universalidade da salvação.
A respeito da realidade brasileira, é triste ver o Brasil transformado em terra arrasada, atolada na lama tóxica dos resíduos de Mariana e Brumadinho e em um lamaçal ainda mais cruel e deletério da insensibilidade social e do ódio tomado como política contra jovens das periferias urbanas, a cada dia assassinados em um genocídio sem fim, política contra lavradores sem-terra, povos indígenas e todos os pobres, preferidos de Deus.
É uma realidade que se espalha por toda a América Latina onde as garras do império podem alcançar. Os analistas políticos atuais falam em “guerra híbrida”, ou “guerras de baixa intensidade”, às vezes, nem tão baixas assim como ocorrem hoje no ataque do Império contra o povo e o governo da Venezuela.
Diante disso, o que posso pedir a vocês são duas coisas:
A primeira recomendação é a seguinte: em toda a minha vida, sempre propus que olhássemos a história a partir dos pobres e das causas dos pequenos. Quando vocês tiverem dúvidas sobre o que pensar dos acontecimentos políticos ou não souberem bem de que lado se situar, procurem saber de que lado está a maioria dos movimentos sociais, de que lado estão as pastorais sociais, da Igreja Católica e de outras Igrejas. Aí vocês podem ter certeza de que lado está o nosso Deus. Sim, meus queridos irmãos, Deus toma posição, tem um lado e é do lado da libertação e da vida. Deus não é de direita e sua proposta é de um mundo transformado.
A segunda coisa que lhes quero pedir é que não aceitem nunca se resignar. Jamais aceitem pensar e menos ainda dizer que não há nada a fazer e que tudo está perdido. Nós que acreditamos na força da ressurreição, nunca podemos nos conformar com uma realidade opressiva e nem nos deixar tomar pelo ódio. Vamos nos manter de mãos dadas e corações unidos e responder ao ódio com amor e com a certeza de que somos invencíveis porque não renunciamos aos nossos sonhos e a tudo aquilo em que acreditamos. Em 1994, já bastante limitado em minhas forças e meus movimentos, enviei ao movimento Mani Tese na Itália a seguinte mensagem:
“…Não estamos sós. Por isso, não aceito a resignação e a perda da esperança. A fome será vencida e no fim a paz reinará para todos. A última palavra jamais poderá ser a morte. Será a vida. Não será o ódio e sim o amor. Nunca as mãos endurecidas e fechadas pelo ódio. Mãos estendidas (é o nome do vosso movimento Mani Tese). Mãos unidas na solidariedade e no amor a todos e todas”. Agora, ouço vocês dizerem: Ninguém larga a mão de ninguém. É isso.
Sobre a nossa querida arquidiocese, que Deus abençoe os nossos pastores Dom Fernando e Dom Limacedo. Deus os fortaleça e os torne cada vez mais profetas da liberdade do Espírito. Quanto a vocês, deixem que lhes conte um segredo. Deixando de lado as estatísticas quantitativas, posso lhes garantir que, preto no branco, naquela época em que fui arcebispo de Olinda e Recife, também não contávamos com um grupo de padres e de religiosos e religiosas assim tão grande, não. Sempre fomos minorias abraâmicas. Perguntem a quem viveu os acontecimentos daquela época. Eles dirão como, exatamente há 50 anos, foi a minha luta para fundar a Ação Justiça e Paz. E como eu me virava para todos os lados e não encontrava apoio de quase ninguém, nem do clero nem de outros bispos... E naquela época eu dizia: “É verdade que uma andorinha só não faz verão, mas anuncia!”. Sejam hoje vocês, estas poucas andorinhas que, mesmo que não consigam fazer já e agora o verão, mas em nome de Deus, o anunciam... Deus os/as abençoe.
Obrigado, Dom Helder, por essa circular. Hoje, mais do que nunca, nós precisamos de você!
marcelobarros.com
Leia esse e outros texto no blog do autor
www.marcelobarros.com
"Para além, muito além dos egoísmos individuais, dos egoísmos de classe, dos nacionais, é preciso abraçar, sorrir, trabalhar."
(† Helder Câmara)
"Para além, muito além dos egoísmos individuais, dos egoísmos de classe, dos nacionais, é preciso abraçar, sorrir, trabalhar."
(† Helder Câmara)
Mas é importante lembrar: Para isso precisamos nos convencer de duas questões:
"O Brasil a partir de 2019 sob o signo da tragédia. Não fica impune quem agride tanto o bom senso. a justiça, a solidariedade, a verdade."
"A gente colhe o que planta
O que fala o que lê.
O que ouve o que canta."
"A gente colhe o que planta
O que fala o que lê.
O que ouve o que canta."
youtube.com
Que Hélder e outros pais e mães fundadores, inventores e/ou intérpretes da nação, possam ser fontes de inspiração e de esperança. Afinal, também viveram buscando superar as mesmas dificuldades que enfrentamos.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019
Salve Hélder o bispo dos pobres. O DOM da paz, da justiça, da beleza e da ternura.
Para lembrar, para nunca mais acontecer:
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