domingo, 29 de março de 2020

PROSTITUTAS – MULHERES DE VIDA ALEGRE E AMARGA VIDA – Parte 2


Caruaru antiga.
fonte: canal da Jailma Barbosa no youtube



ABILIO NETO
No tempo em que o Coronavírus se tornou uma pandemia é bem propício escolher para orar não somente pelos nossos familiares e profissionais de saúde, mas também por aqueles que estão impedidos de ganhar o pão de cada dia. Eu decidi orar pelas putas porque elas também são filhas de Deus e resolvi escrever uma crônica, dividida em três partes, dedicada a elas. Se a doença me pegar, talvez seja meu último trabalho. 

E havia ali também na Capital do Agreste, o Night Club de Caruaru, o saudoso palácio da perdição, imponente e desafiador porque instalado em pleno centro da cidade. Todo aquele imenso monumento à putaria que era a Rua Almirante Barroso foi desocupado, aos poucos, desde o início de 1972 e demolido definitivamente no final de 1973, em nome da limpeza social, higienização, ordem e progresso. Hoje, no lugar dele, existe uma praça e nos corações boêmios sobreviventes ao tempo, resiste ainda uma imensa saudade das luzes coloridas do prazer, das radiolas de ficha, do perfume Gardênia das meretrizes e das orquestras que animavam os famosos bailes da Zona. Waldick Soriano era freguês de lá quando fazia shows em Caruaru. Fui testemunha disso uma vez, depois de fazer show no auditório da Rádio Difusora. Sua música A Carta, tocava demais no Baixo, assim como a versão de ANGÚSTIA. Carlos Fernando, saudoso poeta e compositor de Caruaru, era outro entusiasmado fã da Zona desde os tempos de Maria Pequena, dançarina e prostituta do bordel A Matança. Onildo Almeida, o grande compositor de Caruaru, autor de A Feira de Caruaru, era louco pela Zona até se casar. Quem se destacava também por gostar muito da putaria do Night era Abdias, afamado sanfoneiro de oito baixos e marido da cantora Marinês. Acho que ela nem sabia, coitada, mas levava um chifre do K7 das moças da vida. Nelson Barbalho, historiador, escritor e parceiro de Luiz Gonzaga em A Morte do Vaqueiro, escreveu certa vez que, estando na Zona, sentia-se no Céu. 
  
Mas eu era invocado com aquela bendita radiola de ficha do Night quando tocava um lindo samba-canção de Adelino Moreira, gravado por Nelson Gonçalves, CHORE COMIGO, cuja letra eu detestava, porque no final dizia assim: “acostume-se a derrota, pois a vitória não pertence ao infeliz”. Nunca fui fã das letras do tipo autoajuda, mas essa que enterrava na lama a cara de quem ia à Zona porque estava com dor de corno, para mim era exagerada demais. Não precisava lascar tanto a pessoa sofrida. Dei graças a Deus quando Los Panchos estiveram no Brasil em 1964 e gravaram uma versão de Alfredo Gil para Chore Comigo, LLORE CONMIGO, que ficou uma beleza. Se antes se dançava no Night aquele samba-canção bem lento de Nelson, agora podia-se ouvir a mesma bela música em espanhol e em ritmo abolerado. Não devemos esquecer que, certa vez, o diplomata, compositor e poeta Vinícius de Moraes (que falava fluentemente seis idiomas) disse que se periquita falasse, certamente seria em castelhano. 
  
Com a triste demolição da Zona do centro da cidade, todas as raparigas se instalaram compulsoriamente na Mocolândia, um lugar distante, ermo, sem as mínimas condições de habitação e nenhum lugar decente para dançar e depois afogar o ganso. Era tão longe que só podia se chegar lá indo de carro ou lambreta. Lá não existia palácio luxuoso como o Night Club porque aquele tinha sido construído por um empresário que era dono do extinto Cinema Santa Rosa. Ele queria que seu cabaré fosse frequentado por gente chique da cidade. E conseguiu porque até o general Aguinaldo Fagundes, reconhecido em Caruaru por cultivar roseiras e ser um católico fervoroso, era assíduo frequentador do Night. No Mocó o que existia era uma imensa pobreza!  
  
O jornal diocesano A DEFESA, pasmem, em artigo do meu saudoso professor de Geografia do Colégio Estadual, Agostinho Batista, foi o único veículo da imprensa falada e escrita que saiu em defesa de condições dignas para as quengas. Disse ele no citado jornal de 14 de julho de 1973:  
  
“O Mocó não tem a mínima condição para receber de uma só vez as mulheres que moram na rua Almirante Barroso e adjacências. O local um tanto deserto e habitado nos arredores por pobres agricultores, possui apenas umas três casas que podem ser chamadas de casas. As restantes, quase quarenta, são umas taperas, verdadeiros quixós sem piso, sem água, sem luz, sem saneamento, muitas delas quase caindo sem condições reais de habitabilidade”.   
  
A retirada dos cabarés da Rua Almirante Barroso e alguns becos vizinhos, foi por determinação do delegado major Fernando Veras, em consonância com o dr. Plácido de Souza, juiz da 1ª Vara de Caruaru, para quem a referida rua era um “palco de desordens, criminalidades, deboches e arruaças”, informações estas contidas em um ofício que enviou às autoridades policiais do município.  
  
Conheci pessoalmente o Dr. Plácido, homem muito maneiroso e com cara de santo. Vários frequentadores dos prostíbulos diziam no Café Rio Branco que ele não gostava muito de mulher, ou se gostasse, seria somente por obrigação. Hoje ele é nome de um presídio em Caruaru.  
  
Depois da retirada à força das putas, o vereador Fernando Soares apresentou um projeto à Câmara para que todas as ruas de Caruaru que tivessem abrigado puteiros pudessem trocar os nomes. Quando eu soube disso, estranhei muito o fato porque Fernando Soares foi dentista de várias colegas de trabalho minhas do extinto INPS. Na cidade ele era conhecido como boa gente, porém tinha o apelido de “Fernando Safadeza”, por ser notório raparigueiro e esquerdista, ainda sendo apontado por várias putas da Zona como detentor da maior rola de Caruaru: mais de 30 cm em vigília, conforme mediu com trena uma vez a quenga Margarida, conhecida de mim, moça de bons modos, esbelta, de cabelos castanhos cacheados e muito bonita. Conhecedora da sua fama, ela se recusava a ter relações com ele para não ser arrombada, segundo palavras dela. Fernando, em época de carnaval, enchia o seu Jeep (sem capota) de raparigas e a cara de cachaça e saía a desfilar pelas ruas do centro da cidade e às vezes forçava a barra para entrar nos clubes sociais das famílias caruaruenses dizendo que aquelas eram putas de verdade e as que estavam dentro do clube eram suspeitas. Nunca pensei que a tentativa de soterramento da memória dos puteiros caruaruenses partisse de um ativo frequentador deles. A isso se dá o nome de hipocrisia! 







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