Parece que a “turma Marechal Castello Branco” que se formou em 1971 na Academia de Agulhas Negras, instituição que já foi referência nos estudos geopolíticos e de estratégias de guerra, mergulha em uma visão de mundo que não apenas ficou para trás como também sequer representa um mínimo fiapo de futuro. Ou esses oficiais da reserva acreditam mesmo que o “comunismo” é o inimigo a ser vencido? Tamanha visão simplista só pode ser encontrada na mente daqueles que jamais toleraram a democracia e as regras do Estado de Direito.
Manifesto de oficiais da reserva sinaliza que o país caminha para uma 'guerra civil'
Marco Piva*
O chamado “poder” numa democracia se refere ao funcionamento das estruturas que garantem a solidez e o funcionamento do Estado. E o Estado é, por sua vez, a garantia do convívio civilizado da sociedade que dele se serve. O Estado de Direito ampara as regras que determinam a convivência entre todos. Essa simples lição básica, facilmente localizável em qualquer manual de ciência política cuja base seja a liberdade, aponta que o Brasil ingressa velozmente em um cenário perigoso.
A frágil e jovem democracia brasileira, consubstanciada na Constituição de 1988, está sofrendo abalos que colocam em xeque a sua capacidade de tolerar e, ao mesmo tempo, impor restrições àqueles que dela querem se aproveitar para a defesa de seus próprios interesses.
Esse é o caso do manifesto de oficiais da reserva do Exército em defesa do ministro do Gabinete da Segurança Institucional, Augusto Heleno. Eivada de ironias ameaçadoras, como por exemplo a referência em letras minúsculas ao STF, o texto sinaliza que o país poderá vir a ter uma “guerra civil”, caso a imprensa e setores das instituições do Estado sigam em uma jornada do que consideram “ataques” ao presidente Jair Bolsonaro.
A tradição militar no Brasil não confere à nota o benefício da dúvida. Esses oficiais da reserva, certamente estimulados pela sensação de poder acima de tudo e de todos, condicionam o funcionamento da democracia aos desígnios de um governo que eles apoiam, como se o fato de alguém ser eleito presidente da República significasse um passaporte para liberalidades que ferem, inclusive, a liturgia do cargo, como se pode assistir no vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, em pleno Palácio do Planalto.
De onde essas pessoas retiram sua certeza de que o “caos” é evidente e que, tal qual na extinta Guerra Fria, a “esquerda” tem culpa no cartório? Quais são as referências teóricas a sustentar tais afirmações? Uma vez mais, a história do “partido militar” brasileiro remete a um positivismo de aluguel e a um sentido corporativo que se distancia da realidade para criar uma “realidade virtual” xom o objetivo de justificar uma demanda moralizadora exigida pelo “povo”.
Parece que a “turma Marechal Castello Branco” que se formou em 1971 na Academia das Agulhas Negras, instituição que já foi referência nos estudos geopolíticos e de estratégias de guerra, mergulha em uma visão de mundo que não apenas ficou para trás como também sequer representa um mínimo fiapo de futuro. Ou esses oficiais da reserva acreditam mesmo que o “comunismo” é o inimigo a ser vencido? Tamanha visão simplista só pode ser encontrada na mente daqueles que jamais toleraram a democracia e as regras do Estado de Direito.
Ao divulgarem um manifesto ameaçador sob a fachada de apoio ao ministro Augusto Heleno, os autores remetem o país a um cenário imprevisível, com potencial explosivo para alimentar uma crise social sem precedente, exatamente no momento que o Brasil é um dos líderes da tragédia sanitária que ceifa a vida de dezenas de milhares pelo mundo.
É chegado o momento de um basta, sim. Mas não o “basta” do manifesto que convoca a um imaginário de conflito que desemboque em uma guerra civil. É chegada a hora de se recuperar o bom senso e o equilíbrio pelo fortalecimento da democracia e da Constituição. Jamais o contrário. Esse papel cabe a todos aqueles que defendem a cidadania e o futuro da nação. O abismo se aproxima e é bom não fazer de conta que ele não existe.
*Marco Piva é jornalista, diretor de redação do canal youtube O Planeta Azul e apresentador do programa Brasil Latino, na Rádio USP.
Sylvio Frota foi o general que mais se opôs ao fim da ditadura. Foi expulso do governo militar quando tentou dar um golpe em Geisel. Na época, um certo Augusto Heleno era nada menos que seu ajudante de ordens. Um país que não acerta contas com o passado compromete o seu futuro.
Guilherme Boulos @GuilhermeBoulos
Sylvio Frota foi o general que mais se opôs ao fim da ditadura. Foi expulso do governo militar quando tentou dar um golpe em Geisel. Na época, um certo Augusto Heleno era nada menos que seu ajudante de ordens. Um país que não acerta contas com o passado compromete o seu futuro.
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