quarta-feira, 20 de maio de 2020

Por que estamos errando tanto? A sociologia explica?

Por Rudá Ricci


Dias atrás, bateu um certo desânimo. Percebi que não havia reação social e política à altura para conter a onda de mortes que deve ocorrer até julho. Ontem, tivemos a confirmação: mais de 1.000 mortes em 24 horas. Vou insistir no dado projetado por pesquisa norte-americana que indica 90 mil brasileiros mortos por Covid19 até agosto. Tenho a impressão de que caminhamos para esta tragédia monstruosa. Mas, o que acontece conosco para chegarmos nisso? Se estávamos no caminho certo, por qual motivo, demos meia-volta-volver?
Por estas e por outras, devemos analisar mais o nosso comportamento social.
Na sociologia brasileira há ensaios nesta busca, como o clássico Sérgio Buarque de Holanda, para quem somos afetivos (cordi) e precisamos de contato físico. Há muita crítica a este conceito e muita confusão sobre o que de fato Sérgio Buarque estava sugerindo.
Há autores que trabalharam nossa rejeição às normas impositivas que vai da rejeição do Estado pelas classes abastadas ao jeitinho brasileiro das classes subalternas.
Roberto DaMatta trabalhou o nosso "jeitinho". Em "O Que Faz o Brasil, Brasil?", compara norte-americanos e brasileiros. Para os primeiros, haveria muito formalismo. Para o autor, no nosso caso, há violação de regras e rejeição às instituições. DaMatta sugere que o Estado brasileiro não foi construído para agregar, mas para coibir. Uma boa tese, mas há algo mais profundo nesse nosso negacionismo e misticismo.
Jessé tentou enveredar para este veio da análise do nosso caráter. Confesso que preferia William Reich (e seu Análise do Caráter), mas vamos de Jessé que procurou criar uma classificação social brasileira que estaria plasmada na ralé e nos batalhadores. Há problemas sociológicos nesta conceituação. Classe social é definida por um critério relacional onde podemos classificar a sociedade em gomos a partir de algo que as une: a propriedade dos meios de produção (Marx), poder aquisitivo (liberais) ou pelo consumo (mercado). Weber faz uma associação entre ocupação, consumo e estilo de vida para definir uma classe social. Em Jessé, qual seria o critério? Ralé vem de uma definição pejorativa que a Corte francesa dava às amantes do Rei (por serem oriundas dos mercados populares). Batalhador seria alguém esforçado? Então, qual o critério embutido nos batalhadores para os diferenciarem dos não batalhadores? Quantidade de ocupações ou suor ou energia despendida ao longo do dia? Ambição? Muito frágil em termos sociológicos. Mas, é louvável a tentativa.
Acredito que temos - e talvez esta é a avenida que Jessé usou - um ideário estamental no Brasil. Somos uma sociedade de classes (com possível mobilidade social), mas nossa mente funciona como se vivêssemos em castas, cada um fechado em comunidades marcadas por tradições.
Nossa classe média sulina tem pavor de ver na poltrona ao seu lado uma pessoa negra, de shorts e chinelos. Não tolera ver um pobre num shopping de classe média alta. Restaurantes, cinemas, shoppings centers são alguns dos templos que não podem ser conspurcados
E entre as classes subalternas? O que ocorreria? Este é um mistério e tanto. Pesquisas patrocinadas pela Central Única de Favelas (CUFA) revelam uma população mística, que gosta da ordem (não gosta que uma greve os impeça de trabalhar) e confiante no seu potencial.
A crença no sucesso chega a comover. Os laços com sua família se aproximam da formação de clãs afetivos. Aliás, esta relação com a família - e desconfiança até com amigos - já havia sido percebida em pesquisa do IBOPE que fundamentou um livro sobre classe média.
Há algo em nossa cultura de brasileiros que não se projeta como nação, como povo. Estamos segmentados em nossas crenças e identidades. O que coloca toda instituição e até a ciência em suspensão. Cientista, afinal, parece fechado em seu mundo e não viveria as mazelas.
Enfim, precisamos estudar mais o que somos como projeto social, como civilização. Darcy Ribeiro era otimista. Afirmava que nossa miscigenação nos levaria a um outro patamar civilizatório. Aguardo este resultado. Por enquanto, fazemos nossa parte aqui com nosso netinho.

Rudá Guedes Moisés Salerno Ricci (Tupã, 17 de outubro de 1962) é um cientista político formado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) na década de 80. Mestre em Representação Sindical no Brasil pela Unicamp e Doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Diretor-geral do Instituto Cultiva em Minas Gerais. Atualmente, Rudá mantém uma página pessoal na qual escreve suas opiniões e análises no âmbito da política nacional.

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