quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Kizomba da raça: Martinho da Vila, Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Sergipe

 Fonte: https://jlpolitica.com.br/colunas/aparte/posts/apos-declaracoes-acidas-de-nitinho-pdt-sai-em-defesa-de-edvaldo-nogueira/notas/opiniao-kizomba-da-raca-martinho-da-vila-doutor-honoris-causa-da-universidade-federal-de-sergipe

[*] Mário Resende

Um dos elementos mais potentes da cultura brasileira é a sua música. Cantada de diversas formas e tonalidades, a música brasileira expressa, há muito tempo - através dos seus instrumentos, letras, vozes, poesia -, a forte presença africana. 

A musicalidade afro está presente na nossa formação cultural desde o período colonial, sendo atestada por diversos cronistas e viajantes da época. Sergipe não foge à regra. 

É reconhecido um conjunto de cartas escritas em Sergipe, precisamente onde hoje se encontra a cidade de Maruim, onde a alemã Adolphine Schramm, que lá viveu na época, registrou batuques e cânticos, além da presença africana nas festas de final de ano e ano novo, circunstâncias em que, entre maravilhada e afetada pelo choque cultural, teceu variados comentários críticos.

A construção da alma do povo brasileiro leva um baobá africano nas suas raízes, cuja aceitação, como valor e riqueza da nossa diversidade, ainda não foi plenamente entendida. 

Uma nação amadurece quando reconhece, nos filhos do seu povo, a capacidade de produzir arte e cultura do mais alto nível, de fazer obras sínteses da cultura nacional, obras norteadoras da identidade do povo brasileiro, que é um amálgama de africanias. 

A obra de Martinho da Vila se inscreve nesse patamar. Artista, intelectual, escritor, acadêmico, segundo a escritora Helena Theodoro (2019), “a obra de Martinho da Vila nos permite mergulhar profundamente na realidade brasileira, em seu imaginário social, principalmente no que tange a nossas bases africanas e sua capacidade e transformar, criar e valorizar a cultura do nosso povo”.

Martinho da Vila será laureado com o título de Doutor Honoris Causa da UFS, nessa quarta-feira, 23. Filho de lavradores negros do Rio de Janeiro, Martinho da Vila foi químico industrial, militar do Exército Brasileiro, contador, para posteriormente, ser músico profissional. 

Artista profícuo, há mais de meio século, embala as almas brasileiras com músicas, poemas, textos diversos e canções. Uma das inúmeras músicas interpretadas pelo Martinho, lembramos de “Kizomba, Festa da Raça”, samba enredo ímpar do Centenário da Abolição, em 1988.

Que magia

Reza ageum e Orixá

Tem a força da cultura

Tem a arte e a bravura

E um bom jogo de cintura

Faz valer seus ideais

E a beleza pura dos seus rituais

Vem a Lua de Luanda

Para iluminar a rua

Nossa sede é nossa sede

De que o Apartheid se destrua!

Nesse momento histórico em que, a duras penas, o Brasil avalia, a conta-gotas, sua obrigação de reparar uma dívida histórica para com o povo negro do país, reconhecer e contemplar Martinho da Vila como Doutor Honoris Causa da UFS também é estender esse título como símbolo de possibilidade ao povo negro sergipano e brasileiro, como pilar de referência para crianças, jovens e adultos, na busca pela edificação da equidade racial e social que almejamos e merecemos. 

A UFS e Sergipe, doravante, se orgulharão de ter, entre seus doutores, uma das maiores referências da cultura musical do país.

Deixou-nos registrado Marcelo Déda (2011), em um dos seus mais belos discursos, que “Nenhum povo pode ser medido pelos quilômetros do seu território, mas pela amplitude da sua alma, pela grandeza do seu talento, pela significação da sua coragem. Sergipe é o menor Estado da Federação. Mas nesta tribuna amada, nesta Casa querida, diante do Brasil, eu lhes digo que o povo de Sergipe é do exato tamanho do Brasil, nem menor nem maior. A alma sergipana é gigante quanto gigante é a nação brasileira. Se foi assim no passado, é assim no presente e nos anos mais próximos”.

A partir de quarta-feira, o Doutor Honoris Causa da UFS Martinho da Vila leva a alma da UFS e de Sergipe, nos retribuindo com a grandeza do seu talento, com o significado da sua história e da sua coragem, com o brilho da sua ancestralidade, a nos irmanar com a festa Kizomba da raça negra, aquela que, sendo construtora dessa nação e sustentáculo do país, é sangue e talento, alicerce que precisa ser reconhecido plenamente como o ouro da alma do povo brasileiro.

[*] É professor da UFS e assessor para Políticas de Ações Afirmativas da UFS.

https://www.youtube.com/watch?v=Xbsp6i4JoVI





2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente destaque para quem sempre cantou e exaltou a raça negra.

AÇÃO CULTURAL disse...

V I V A !!!!