A filmografia pernambucana tem suas origens no início da década de 1920, com o chamado Ciclo do Recife. Nesse período, houve um movimento de incentivo à produção cinematográfica nacional nas principais cidades brasileiras, com a criação de salas de exibição e o surgimento de revistas especializadas. Assim, foram revelados nomes como Gentil Roiz, Edson Chagas, Ary Severo e Jota Soares. Empresas produtoras como Aurora Filmes, Vera Cruz e Olinda Filmes tomaram a frente dessas produções.
Já no Estado Novo (anos 1930-1940), embora o governo tenha demonstrado certa preocupação em incentivar a produção de cinema nacional, os filmes não eram usados apenas para retratar valores da cultura brasileira, mas como forma de propaganda política. Em Pernambuco, destacaram-se nesse período o cineasta Firmo Neto, responsável pelo primeiro longa-metragem com som produzido no estado, assim como Newton Paiva, outro precursor do cinema sonoro pernambucano.
No entanto, a competição com os filmes hollywoodianos, após o surgimento do cinema sonoro, encareceu as produções e fez com que, até o final dos anos 1960, muito pouco fosse produzido na região, a não ser alguns documentários. Foi apenas a partir da década de 1970, com a popularização dos filmes em Super-8, que se deu início a um novo ciclo da filmografia pernambucana, principalmente com foco em curtas-metragens. Entre os cineastas que se destacaram nessa época estão Fernando Spencer, Athos Cardoso, Celso Marconi e Jomar Muniz de Brito.
Conforme explica a realizadora pernambucana Dea Ferraz, depois do desmonte no cinema brasileiro durante o governo Collor, o marco de ascensão do cinema em Pernambuco se situa na chamada Retomada, com Baile Perfumado (1997), dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas. “A partir daí, a produção no estado cresceu bastante, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Sabemos que esse crescimento é resultado de um investimento das políticas públicas de apoio ao setor, que vieram sempre com muita organização e luta dos profissionais do audiovisual pernambucano”, ressalta.
Na década seguinte, a cinematografia pernambucana se consolidou em todo o Brasil graças ao trabalho de cineastas como Cláudio Assis (Amarelo Manga e A Febre do Rato) e Marcelo Gomes (Era uma Vez Eu, Verônica e Cinema, Aspirinas e Urubus). Esse movimento ficou ainda mais forte nos anos 2000, quando Pernambuco se tornou um dos polos produtores de cinema mais relevantes do país, com grande participação em festivais nacionais e internacionais. Entre os principais nomes que despontaram a partir dessa fase estão Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor e Aquarius), Gabriel Mascaro (Um Lugar ao Sol, Ventos de Agosto e Boi Neon), Marcelo Lordello (Eles Voltam), Daniel Aragão (Boa Sorte, Meu Amor), Hilton Lacerda (Tatuagem), Leonardo Lacca (Permanência), Marcelo Pedroso (Brasil S/A), Camilo Cavalcante (A História da Eternidade), Sergio Oliveira e Renata Pinheiro (Estradeiros).
Este ano, os cineastas Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles têm sido aclamados pelo longa-metragem Bacurau (2019), indicado à Palma de Ouro e vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, na França, além de ter recebido o ARRI/Osram Award (Best International Film) no Festival de Munique, na Alemanha. “Do ponto de vista da indústria e do mercado, da representação internacional, Kleber Mendonça, de Bacurau, sem dúvida surge como um grande nome. Além da participação em festivais importantes, seus filmes atingiram grandes bilheterias. Bacurau já passa dos 600 mil espectadores e isso é um fenômeno dentro do cinema brasileiro, sobretudo porque não se enquadra no perfil dos filmes de comédia, que normalmente são os que atingem esses números”, comenta Dea Ferraz.
Políticas públicas de incentivo à cultura
Segundo a cineasta, entre os principais incentivos governamentais que fomentaram esse recente despontar do mercado cinematográfico em Pernambuco está o Funcultura (um dos editais de maior suporte financeiro ao cinema no país e também um dos mais avançados no que diz respeito à equidade de gênero e raça). “No entanto, desde a posse do atual presidente, e com a crise instalada na Ancine, o Funcultura até agora não foi lançado e há um clima de grande insegurança e instabilidade no meio”, lamenta a diretora.
Dea Ferraz é sócia-diretora da Parêa Filmes. Seus longas mais recentes são Câmara de Espelhos e Modo de Produção, que circularam por festivais importantes como o Festival de Brasília, Janela de Cinema, ForumDoc, Olhar de Cinema e Tiradentes. “Atuo na área do cinema há mais de 15 anos e meu interesse na linguagem se localiza no campo do documentário, mas entendendo o documentário como construção e fabulação de mundos, mais do que verdades sobre o mundo”, afirma.
Acreditando no cinema e no audiovisual como ferramenta de luta e transformação social, a cineasta hoje integra dois movimentos políticos na cidade do Recife: O MAPE – Movimento Mulheres no Audiovisual PE, que promove ações para defender a equidade de gênero, raça e classe em todos os âmbitos da cadeia produtiva do cinema; e o MARSENAL, um movimento artístico político de resistência, composto por artistas de diversas áreas (cinema, música, dança, circo, teatro), que ocupa o centro histórico da cidade todas as quintas-feiras, criando um espaço de discussão política, resistência artística e reinvenção.
Características narrativas e estéticas
Discussões sobre o cenário político, autoralidade e experimentações no que diz respeito à linguagem são algumas das características marcantes do cinema pernambucano. Para a cineasta Dea Ferraz, outro elemento que chama a atenção nas produções do estado é a diversidade, o que aumenta ainda mais a potência dessa filmografia. “Para mim, os filmes de Marcelo Pedroso são importantes; mas eu ficaria ainda mais atenta às mulheres que fazem cinema aqui. Alguns nomes como Cecília da Fonte, Mariana Porto, Tila Chitunda, Yane Mendes, Tuca Siqueira, Mariana Lacerda e Milena Times são mais do que necessários”, observa.
De acordo com Dea, o maior diferencial dos filmes pernambucanos está no fato de que eles já são pensados e produzidos por pessoas fora do eixo Rio-São Paulo. “Essa característica, por si só, já seria suficiente para demarcar um olhar diferenciado de mundo. Eu acredito que pensar cinema e construir imagens é pensar e construir subjetividades, então não dá para desconsiderar quem somos ou de onde viemos, enquanto realizadores e realizadoras”, declara. Para a cineasta, não há um único olhar que demarca a região do Nordeste, mas a localização das produções certamente interfere na forma como os artistas veem o mundo e refletem sobre ele, imprimindo nos filmes uma identidade autoral e experimental.
*Texto Katia Kreutz e foto em destaque do filme Tatuagem, dirigido pelo pernambucano Hilton Lacerda
Leia pelo link original e veja outras fotos
https://www.aicinema.com.br/cinema-pernambucano-especial-nordeste/?amp=1
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