quinta-feira, 7 de março de 2024

Um olhar critico e propositivo sobre a preparação e realização da Conferência Nacional da Cultura 2024

 CONFERÊNCIA NACIONAL DE CULTURA - O MinC e o sal da cultura em doses de placebo




Pontão de Cultura Viola de Bolso – Arte e Memória Cultural - Eunapólis  – BA.

A quarta(IV) Conferência nacional de Cultura começa insossa tardia e condescendente. É que não foram realizadas as tarefas de antes, da força e da potência que os movimentos culturais no Brasil teriam que ter feito e validado, da intensidade dos anseios nos quatro cantos do país, para encontrar de novo o caminho, após o obscurantismo imposto pelo governo fascista.

É como se retornássemos da tempestade, seguros que voltamos a pisar no chão de nossa terra, e, na volta, dispersássemos. As tarefas de antes, a ampla mobilização dos movimentos culturais em torno das políticas públicas de cultura, políticas estruturantes para além dos programas LPG e PNAB, ficaram para depois.

Quem sabe, depois da Conferência poderemos retomar o caminho, passada a distração da LPG e da PNAB.

Quem estiver lendo essa carta e se estiver na ‘plateia’ da Conferência, repare nos rostos das pessoas: em sua grande parte, são contingentes dos órgãos do poder público ou vinculados às secretarias estaduais de cultura, que vieram como delegados, ganhando um contorno de um evento “quase chapa branca”.

Por sua vez, são pessoas também que aguardam a aprovação de projetos de cultura em editais da LPG e, claro, sem contar que, muitos não vieram por justamente, em muitas das cidades, talvez na maioria, é zero a execução dos recursos da LPG; não executaram nem tem interesse em executar; Além de estados em que a execução caminha a passos de tartaruga, cujos editais não foram pagos, caso da Bahia.

Já os participantes intitulados como “observadores” na IV Conferência, talvez tenham um papel preponderante, vez que a sua observação deva ser crítica, provocativa autônoma, sem vínculos com nenhum ente federado e que viajou ao evento na marra, contando o dinheiro para poder participar.

As Conferências municipais em 2023 estavam esvaziadas e mal feitas, por descaso do poder público, propositalmente; Assim como as municipais, as Conferências estaduais serviram para afirmar e legitimar tão somente as secretarias estaduais e a garantia do dinheiro da LPG, todas feitas às pressas.

Por mais que os movimentos culturais tenham tentado puxar um coro de descontentamento nesses espaços, eles se encontraram frágeis e sem uma pauta comum, reféns de programas de apoio com recursos da LPG que até hoje não saiu. Alguma manifestação(um ato público ou carta direcionada ou ação judicial) até o momento não surtiu o efeito desejado.

Nem a utilização das redes sociais foi bastante para a mobilização necessária. Somente a judicialização – caso de São Paulo – repercutiu e deu um tom mais aguerrido. De fato, a situação financeira dos coletivos, grupos ou instituições culturais com um perfil mais social e comunitários não tiveram muita força para pressionar politicamente, mesmo sabendo que a luta pontual era para garantir o dinheiro da Lei Paulo Gustavo.

Até o movimento dos Pontos de cultura quedou paralisado, ‘comeu mosca’ , como dizemos por aqui: não tomou pra si o protagonismo que busca alcançar e, na espera,descansou na sombra da propaganda enganosa do MinC. Um MinC, que tem falado no microfone do outro, cuja voz parece , mas não é, imitando a voz dos Pontos de Cultura, dizendo retoricamente que “O Cultura Viva voltou”. O artigo “O” engana, porque Cultura Viva não é “O programa” e sim, A Lei Cultura Viva, portanto, estruturante e potente na perspectiva da cidadania e da democracia das comunidades em sua total diversidade.

Assim parece e tem se repetido também com a noção de ‘certificação’, em que o MinC toma pra si a decisão de quem é ou não Ponto ou Pontão de Cultura, ou, no mínimo, quem ela quer que seja/esteja do outro lado do diálogo, sequestrando a decisão e ameaçando o princípio da autonomia que rege os movimentos culturais no Brasil.

A Certificação pode até ter uma razão de ser, se ela servir para incluir e não para excluir, como tem sido os casos e que ficou deslavadamente visível na prévia de divulgação dos editais de premiação citados acima. Mesmo assim, a ideia de uma certificação é por si, uma tentativa, um arremedo da burocracia para encaixotar e engessar identidades diversas, próprias das culturas. E elas não vão se submeter a isso, mesmo porque as culturas são anti-sistêmicas e não aceitam isso.

PAGAR OS PRÊMIOS ANTES DA CONFERÊNCIA SERIA UM BOM EXEMPLO

E o MinC, nem o dinheiro dos Editais de premiação repassou às instituições e coletivos contemplados, o que seria – além do reconhecimento -, uma boa forma de financiamento da vinda de participantes na IV Conferência nacional.

Os prêmios dos Pontos de Leitura e do Chamamento Público Sérgio Mamberti, mais parece uma fila do INSS, que nunca chega, emperrados na burocracia da máquina estatal, com um atraso terrível e angustiante, cria uma condição constrangedora para quem foi selecionado, porque a todo o momento busca a informação diante do inexplicável.

A cultura sem sal nem salada.

Por que a Conferência não se ligou na necessidade de conectar com o que vinha acontecendo? Por que não ouviu o grito ensurdecedor dos coletivos e grupos culturais, pedindo agilidade nos processos de pagamentos, sobretudo para estarem presentes na Conferência?

Quem leu e quem não leu as Cartilhas e documentos que registram os longos anos de caminhada na construção das políticas públicas de cultura no Brasil?

Assim saberia o que aconteceu com o movimento dos Pontos de Cultura; assim veria a Ação Griô como exemplo de um movimento que se fortaleceu a partir das Conferências nacionais de cultura e depois sofreu com o descaso e o declínio da política nacional de cultura e testemunhou o esvaziamento dos fóruns de participação e controle social;

Poderiam também fazer repercutir a luta do Conselho Nacional de Cineclubes empurrando, forçando a barra para demonstrar a importância do cineclubismo como ação estratégica e sócio educativo no Brasil;

O movimento nacional de Pontos de Cultura ainda está em silêncio, mas este silêncio pode e deve ser quebrado na IV Conferência Nacional de Cultura, quem sabe retomando o seu protagonismo.

Já as prefeituras estão longe de compreender a importância da política pública de cultura e por isso, deve ser permanentemente convocadas a participar da formação e capacitação que o MinC deve promover, sob pena de ver tudo que tem sido pensado e construído, ir por água abaixo, nos rios sepultados das cidades.

IV Conferência Nacional de Cultura, por mais ‘chapa branca’ que seja, deve fazer um esforço de

redirecionar o caminho e a diversidade, a participação e a orientação política, baseados nas realidades comunitárias, ponto a ponto, aldeia a aldeia, quilombo a quilombo, coletivo a coletivo, unidos pelo seu fazer e saber culturais, dando a liga da massa da democracia e da cidadania.

Viva a Cultura Viva!

https://violadebolso.org.br/2024/03/04/conferencia-nacional-de-cultura/

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