sexta-feira, 17 de abril de 2020

Belchior e o humaníssimo gemido. Notas sobre uma canção



Por Romero Venâncio – 17/4/2020

Em 1978, Belchior emplacava seu quarto álbum em estúdio: Todos os sentidos. São 10 composições marcantes. Sabemos que “A divina comédia humana” e “Hora do almoço” se destacaram do trabalho como um todo e tornaram-se duas composições clássicas e bem mais tocadas em rádio e televisão do que as outras. Um importante trabalho do compositor cearense que ficou um pouco a margem dentro da história de seus trabalhos posteriores ou anteriores a 1978…
Dentre as 10 composições do álbum, destaco uma pela sua qualidade lirica e por uma forma singular de Belchior falar de amor. Trata-se de “Sensual” (gravada também por Ney Matogrosso). Essa canção pode ser colocada dentro de uma linhagem de lirismo do século XX que busca desesperadamente não mais separar corpo e alma; paixão e amor; espírito e carne… Pra mim, uma marca das canções de Belchior. Não há nada demais em o corpo desejar corpo… Carne-a-carne… Em nada o “espírito” fica diminuído.
Já o titulo indica essa nítida busca de não dicotomizar o que se sente em profundidade por outro ser. “Sensual” é sentimento & desejo em Belchior. E não há hierarquia e nada que ajuíze o que é “certo”. Correto é amar com o corpo todo sem separação ou confusão. Percebamos:
Quero ver você ser inteiramente tocada // Pelo licor da saliva, a língua, o beijo, a palavra…“. A inteireza do toque precede a tudo e o que segue é o desdobramento… saliva, língua, beijo e palavra. Todo corpo é ele mesmo e sua fantasia. Alma alguma fica de fora quando se trepa. E segue: “Outro corpo, a pele nua, carne, músculo e suor
Vemos já de imediato nas palavras escolhidas, a marca das influências de 1968 e o direito ao prazer sem culpa ou medo. O compositor aqui nos coloca a necessária “inteireza do Ser” e a oposição a uma dicotomia que só faz sentido em discursos religiosos recheados de metafísica a serviço da mais grosseira repressão.
Lembremos: Belchior tinha plena consciência de que estávamos numa ditadura militar e moralista (e hipocritamente cristã). O “sensual” aqui tem endereço certo a quem atingir: o moralismo tolo que confunde gozo com pecado. Alegria com promiscuidade; prazer com vergonha. O compositor toma um outro e diverso caminho nesse campo:

Quando eu cantar quero lhe deixar molhada de amor
E por favor não vá pensar que é só a noite ou o calor
Quero ver você ser inteiramente tocada…
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