Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 225, abril de 2020.
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 225, abril de 2020.
Possíveis efeitos do invisível (...)
1. Os possíveis efeitos do novo coronavírus se anunciam como medidas de economia, política, segurança em saúde, climáticas, de desenvolvimento sustentável capitalista e modulações nas condutas de todos e cada um. Efeitos surpreendentes de resistências podem emergir...
2. O saber estatístico encontra-se em uma encruzilhada. Ficou explicitado que aos números de casos contabilizados, devem ser acrescentadas as subnotificações. E há também as não notificações de contaminações e mortes...
3. Constata-se que os poucos resultados obtidos em escassos exames realizados até agora, se deve não só à falta de laboratórios equipados. Não há testes suficientes para o novo coronavírus. O Brasil ocupa o último lugar do ranking dos países que aplicam testes... E por aqui, também faltam máscaras, insumos para a farmacologia, respiradores, médicos, equipes de enfermagem...
4. Em alta: produção caseira de máscaras de pano (preferencialmente algodão), com instruções sobre uso, higiene e devido acondicionamento. Populações chamadas de vulneráveis (pobres e miseráveis que habitam periferias e favelas) estão convocadas à nova ocupação e ao novo ramo do empreendedorismo.
5. Em altíssima: a chamada disputa pela verdade entre, de um lado, o executivo na figura do homem que senta no trono do palácio, com ou sem a cordata condução do seu Ministro da Saúde e, de outro lado, certos governadores, OMS e o Ministro da Saúde (quando se intitula técnico), além de uma parte considerável da imprensa.
6. O chefe do executivo faz pronunciamentos preparados para que sua imagem repercuta como governante moderador. O pronunciamento oficial semanal (que, geralmente, é contradito em lives diárias), em suas linhas e entrelinhas não altera a obstinação do homem que senta no trono do palácio em intimar a volta ao trabalho porque todos precisam retomar o labor diário para o bem da economia e do sustento de sua família. Enfatiza que seu governo está muito envolvido com cuidados na defesa da saúde da população. Com isso a volta ao trabalho funciona como a devida retribuição de seus súditos.
7. Dizem haver uma “junta militar” que verdadeiramente governa o país; que ela pretende fazer do homem que senta no trono do palácio uma Rainha da Inglaterra. Faltam evidências, sobram suspeitas e especulações. É sempre bom lembrar que o homem que senta no trono do palácio foi eleito pelo sufrágio; que provém de uma patente militar subalterna da mais disciplinar das instituições. Mesmo aposentado, nunca esqueceu que aprendeu a sempre obedecer aos seus superiores. E o seu governo está cercado pelos superiores da patente dele. Ele diz obedecer ao seu povo que o elegeu, aos superiores de patente, à pátria e a Deus.
8. Hoje, o chefe do executivo e os empresários próximos querem que a economia “não quebre”. O chefe do executivo comanda seu subordinado no Ministério da Saúde, que se diz técnico e segue a OMS. O homem que senta no trono do palácio declara que o médico não abandona o paciente; que é o paciente que substitui o médico. Faltou dizer que isso ocorre no seguro saúde privado. No público é uma excepcionalidade.
9. A oposição entre o discurso técnico e científico e o discurso político é falsa, mas funciona como verdadeira produção da verdade para os interesses do executivo. O discurso oficial é político, eleitoral, econômico, de gestão de uma frágil segurança da saúde. A disputa sobre a cloroquina é somente a ponta do iceberg. O discurso de certos governadores, que não se pretende oficial, também é, estrategicamente, um discurso de produção de verdade. Nesta luta, quem sairá vencedor?
10. A flexibilidade do isolamento social é recomendada pelo executivo e por certos governadores. Há uma coalizão de forças se formando.
11. As pessoas começaram a sair de suas habitações (há um tanto de gente que permanece sobrevivendo nas ruas). Uns creditam o aumento de circulação de pessoas às palavras e lives do homem que senta no trono do palácio. Outros lembram que as pessoas pagam contas no início do mês e têm que ir às ruas. Alguns falam que os mais pobres sairão mais ainda no decorrer da semana em busca do benefício quase insignificante ofertado pelo governo... E há os que compreendem o aumento da circulação fundado na liberdade constitucional de cada um, à sua consciência e que Deus protege a pátria e cada um. Conduta que incrementa o sensível abalo ao isolamento pessoal e social. E há um tanto de comércio livre que reabre suas portas, ambulantes vendendo algo. É como se atestassem a ilusão de que ‘o pior já passou’.
12. Por aqui, ainda não houve o esperado pico, sempre anunciado para semana seguinte. Mas ele virá. Não há testes nem máscaras suficientes (sequer para os seletivamente escolhidos pelo governo: equipes médicas e a chamada segurança pública), não há força política no exterior para se obter equipamentos e insumos. A subserviência aos estadunidenses e as besteiras ditas contra a China colocaram o Brasil no final da fila. Há ministro de relações exteriores? O governo Trump intercepta compras brasileiras para a saúde pública negociando a preços mais vantajosos com a China; a China parece, neste caso, desconhecer quem é o Brasil e que aqui tem gente também. A China já acena a possibilidade de nova venda para alguns estados brasileiros com novas regras, incluindo pagamento adiantado e preço dobrado. Ambos os governos querem lucros, equacionamento do problema internamente; enquanto o governo Trump mira a reeleição, o chinês mira o controle do saber sobre o novo coronavírus...
13. Muitas outras doenças não tiraram férias, não foram para o isolamento, e batem à porta do sistema de saúde.
14. As crianças já descobriram que as férias extraordinárias viraram uma rotina entediante e começam a perturbar seus pais trabalhando em home office ou atordoados com efeitos de redução de salários, desemprego e na busca pelo salário desemprego. E ainda há os desempregados e pobres com seus filhos sem a comida que a escola serve. Pouco importa o que a escola ensina... E isso não é de hoje. Se a instrução escolar está na bancarrota há muito tempo, a sociabilidade obediente permanecerá eficiente e eficaz até quando?
15. Há pedintes pelas ruas: querem dinheiro, comida, comida, dinheiro, dinheiro, comida... O número cresce. As estatísticas não dão conta, nem a caridade. É a parte visível que independe da invisibilidade do vírus. Não há guerra. Somente a guerra permanente que o capital e o Estado declara aos súditos. Hoje, ela expõe a miséria destas pessoas que aceitam a sujeição por dinheiro, comida e, quem sabe, um álcool gel!
16. Falam que os velhos morrem abandonados em asilos. É o morto-vivo que a produtividade dispensa; que a família se livra; que a sociedade se despede.
17. Os estratos superiores introduziram o novo coronavírus e julgam estar cercados de garantias para sua vida biológica. Será que os hospitais de excelência que os receberam no início da epidemia possuem todos seus leitos de UTI ocupados por contaminados?
18. Nos estratos inferiores, majoritariamente, eles acreditam no condutor laico e religioso (devem trabalhar para si e para o Brasil!) e fortalecem empresários e as forças políticas que apoiam o homem que senta no trono do palácio.
19. Os estratos intermediários, como sempre, permanecem atônitos e oscilam. Há os que apoiam o governo com ou sem o atual Ministro da Saúde e o seu discurso fragmentado, ora fundado na OMS, ora apenas declarando haver “um só comandante”, ou seja, o presidente. Há os que batem panelas. Há jornalistas de muitos lados e muitas empresas. Nada noticiam que escape à posição política de sua empresa.
20. O homem que senta no trono do palácio vai às ruas. Quer mostrar que é o escolhido, não pega esta “gripezinha”, é livre, um novo Superman? Usa do discurso técnico submetido ao político para sua vontade e a dos empresários que o sustentam; usa de Deus e do Brasil como o que está acima de todos e de tudo; sinaliza que qualquer substituto eventual no Ministério da Saúde será seu subalterno; que os militares são uma de suas bases, juntamente com o povo trabalhador.
21. E, segue o jogo... Diante do invisível, as visibilidades.
22. Mais de 25 mil presos foram colocados fora das prisões após decisão do Conselho Nacional de Justiça (Recomendação 62 do CNJ de 17/03/2020) e da presidência do STF. Pelo artigo 2º. Os jovens internados devem ter seus prontuários reexaminados para receberem medidas socioeducativas a ser cumpridas em meio aberto e que as medidas de internação provisória sejam evitadas. O Ministro da Justiça e da Cidadania foi contra. Até mesmo essa medida excepcional de equacionamento do contingente encarcerado nas prisões é contestada pelo governo atual. Simplesmente porque a prevenção da infecção não deve passar pela vida dos mortos-vivos encarcerados.
23. Por que não transformar as prisões em hospitais? A gestão compartilhada da prisão passa pelos devidos acertos entre o sistema penal, penitenciário e organizações ilegais. Isto é, lucro econômico e político. Se a prisão não serve para o que se propõe, que tal a experimentação de transformá-la em hospital? Corre-se o risco de ter que aceitar sua falência constatada por todos os técnicos, mas nunca reconhecida politicamente.
24. A matança que se avizinha indica que lá na frente, provavelmente a taxa de desemprego aparecerá reduzida nas estatísticas, assim como o uso do dinheiro público para cobrir os rombos empresariais será enaltecido como a medida certa de sempre. Funcionará, também, como complemento à reforma da previdência?
25. O sistema de saúde é pouco equipado, a economia política depende do dinheiro do Estado, e este não falta para sanar problemas de liquidez, de capital de giro...
26. O isolamento social pelo planeta mostra as melhorias no ar que se respira com a queda dos índices de poluição, o desaparecimento de neblinas poluentes nas cidades chinesas, o reaparecimento do Himalaia, o ar melhor em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nos EUA...
27. A questão climática, escanteada por Trump e seus asseclas, abalará o presente? É imediata para um capitalismo que levará adiante a sustentabilidade depois do novo coronavírus? Está explicitada a questão do clima: a arrogância do lucro! A defesa da sustentabilidade vem por forças que pretendem civilizar o capital e o capitalismo, assim como os sujeitados em geral. Após a pandemia tremerá a mesa resiliente de negociações? Ou ela estremecerá com as práticas resistentes? Nada é fixo, constante e imutável!
28. ...
covid-19: afirmações da vida
Excelente e lúcida explanação sobre a crise política-econômica desencadeada pela pandemia Coronavirus...
(Legendas traduzidas em português podem ser ligadas no YouTube, na catraquinha abaixo à direita)
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George Monbiot é um jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian.
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