sábado, 4 de abril de 2020

PROSTITUTAS – MULHERES DE VIDA ALEGRE E AMARGA VIDA – Parte 3

Moça de Familia

 Prostituta

ABILIO NETO (*)

Em tempos de Coronavirus oremos pelas putas também.- Parte 1

PROSTITUTAS – MULHERES DE VIDA ALEGRE E AMARGA VIDA – Parte 2


Seis anos depois da transferência, por falta de clientes, as putas saíam do Mocó, para onde foram enviadas e vinham oferecer seus corpos nas ruas de Caruaru. O jornal falso-moralista Vanguarda, ainda hoje existente, publicou em 11/03/1979, em uma “notinha” como chamou o bispo diocesano, Dom Augusto Carvalho, àquela pequena notícia que dizia que a polícia da cidade havia realizado uma blitz durante toda a semana, à noite, prendendo “um grande número de mariposas”, maneira como se referiu, naquele escrito, às prostitutas daquela urbe. A metáfora usada, “mariposas”, era uma referência aos hábitos noturnos daquelas mulheres, que tal e qual insetos gostavam de sair às ruas da cidade tarde da noite, depois das 22 horas, de modo bem diferente da maioria das “borboletas” saudáveis que desfilavam pelas ruas em plena luz do dia.  

 Achando pouco, o Vanguarda continuou dizendo nas linhas de sua “notinha” que as mundanas não foram somente presas, mas advertidas de que se continuassem na desobediência de estar nas ruas do centro da cidade, seriam processadas, pois quase “todas elas são do baixo meretrício (Mocó) e que vem à cidade vender seu corpo, atentando contra o pudor abertamente”. Conforme a matéria, o delegado regional e o municipal, estavam empenhados num trabalho conjunto para afastar em tempo rápido todas as prostitutas das ruas centrais de Caruaru, a fim de que mulheres casadas e mocinhas pudessem trafegar livremente nas ruas centrais da cidade sem a inconveniência de serem confundidas com prostitutas.  

Eis o grande drama de Caruaru e da Humanidade não só naquele tempo como atualmente: uma mulher decente, casada ou solteira, ser confundida com uma prostituta. Fez até eu me lembrar da música da alagoana Clemilda, lançada anos depois: “você tem cara de Tuta/ você anda que nem Tuta/ você pode até não ser/ mas tem a cara de Tuta”. 

 O que não contava o jornal conservador Vanguarda, foi com a veemente defesa das prostitutas feitas pelo bispo Dom Augusto Carvalho em artigo escrito no jornal diocesano A DEFESA. O bispo achou o escrito “um tanto descaridoso e, porque não dizer, injusto”. Ele entendeu como descaridoso o modo como o jornal Vanguarda tratava aquelas “pobres criaturas” e se perguntava: “também elas não são pessoas humanas?” E como humanas, ele exigia “que fossem bem tratadas e respeitadas”. E ainda indagava no texto por que elas foram presas, se a prostituição era um problema social: “serão somente elas que faltam com o pudor e o respeito, de dia e de noite, nas avenidas, ruas, praças e jardins da nossa cidade? Está aí a injustiça. Quem as procura e explora? A quem servem elas de objeto de prazer?”  

Para Dom Augusto, as prostitutas caruaruenses eram o resultado de uma série de questões, como as propagandas exageradas do sexo feitas através dos meios de comunicação social e da exploração lucrativa de alguns homens, o que transformava as mundanas em vítimas do machismo. O machismo era destacado pelo bispo porque, segundo ele, “é o que leva o homem a iniciar-se logo cedo, nas zonas do baixo meretrício; que é a cultura machista que contribui para a permanência da prática da prostituição em nossa sociedade”. É interessante perceber como o machismo ganha destaque na análise do bispo e como ele atenta para o comportamento masculino daquela época, culpando-o também pela “vergonha” nos espaços públicos da cidade. Pela primeira vez na história pernambucana, de forma contundente, o machismo era apontado como um problema a contribuir para outros tantos, isso dito por um religioso muito sério e respeitado até no Vaticano.   

 As “mariposas”, para Dom Augusto, eram o resultado da “falta de instrução, da ausência da família, da carência afetiva, da miséria em que se encontravam muitas mocinhas”, e terminava aquele parágrafo dizendo: “a prostituição é problema, sobretudo, dos homens mal-educados sexualmente”. E antes de encerrar sua análise, o vigoroso bispo discordava profundamente do que disse o Vanguarda quanto ao modo de vida daquelas prostitutas, quando afirma que “vivem em zona alegre”. Para o bispo, “aquela era uma vida errada e sofrida e não uma vida de alegria”.    

 E conclui seu pensamento dizendo que “a mulher da vida, por ser uma pessoa, não deve ser rebaixada, ridicularizada, explorada e tratada por bicha, mas valorizada, porque também ela é filha de Deus”. E arremata: “a pessoa humana, seja ela quem for, é sagrada, pouco importando se ela é uma prostituta ou a mulher do prefeito”. Botou pra lascar e eu gostei porque a verdade sempre dói!  

 Conforme se pode perceber, o bispo entendia muito de machismo e muito pouco da solidão do homem que não tinha mulher, namorada, amante ou quebra-galho e se valia das putas. A sua religiosidade também o impedia de ter empatia por aqueles que gostavam dos prazeres mundanos e iam à Zona para dançar balançando o pepino ou o quiabo (conforme o dote de cada um) e depois enfiá-lo num buraco quente a fim de ter espasmos gozosos que os livrassem dos estresses e dissabores da vida. A frase “nóis sofre, mas nóis goza” é a demonstração de um estado de necessidade humana! 

 Conheci pessoalmente o saudoso Dom Augusto Carvalho. Homem de bem, cabra macho e avesso às ostentações. Os conservadores de Caruaru o taxavam de comunista porque não bajulava o regime ditatorial implantado em 1964. Sua ação pastoral, no seu longo bispado, sempre ajudou muito os mais pobres, perseguidos, oprimidos e desamparados socialmente. Que Deus o tenha!  

 E assim chego ao fim desta crônica pervertida, sob a ótica de alguns, justificando porque escolhi certas músicas para adorná-la: CORAÇÃO MATERNO, de Vicente Celestino, foi em homenagem as duas mães de Ciço Gato. CHORE COMIGO, samba-canção de Adelino Moreira, gravado por Nelson Gonçalves, porque era música de Zona de altíssima qualidade. A versão de Los Panchos, LLORE CONMIGO, eu gostava mais do que a original. CHÁ CUTUBA, de Humberto Teixeira, com Jair Rodrigues, foi um aceno àquele homem da rola mole que citei na parte 1 da crônica, xote gravado em 1984, que dá a receita para quem não deseja ficar no desagradável estado do “levanta, mas não trava”.  


 O órgão fálico do homem, assim como sua vida, se olharmos direitinho, nada mais é do que um constante levantar, cair e tentar se erguer novamente. A única broxa definitiva é a morte. PESCARIA EM BOQUEIRÃO ou A MINHOCA, de João Gonçalves, foi escolhida por motivos óbvios e também porque merengue se dançava na Zona. ANGÚSTIA é uma obra-prima da música latina e foi composta pelo compositor cubano Orlando Brito e gravada originalmente em 1951 pela orquestra cubana Sonora Matancera a qual tinha Bienvenido Granda como crooner. Os apreciadores do bolero nunca esquecerão deles, mas esta canção cantada por Waldick Soriano arrepia até os pentelhos. Quem não dançou nada disso com uma dama bem cheirosa em algum puteiro reluzente de Caruaru ou alhures não sabe o que perdeu.   

 Faço questão de repetir: se a única broxa definitiva é a morte, então vivamos alegres de verdade e não com aquela alegria triste das pobres, infelizes e necessárias prostitutas de amarga vida. Frouxo diante desse grande mal que é o Coronavírus, se o presente fosse o passado, correria para me esconder debaixo da saia de Margarida, abrigo quente para me guardar, fugir deste mundo hipócrita e depois morrer de porre em plena boemia. Isso é bem melhor do que a possibilidade de me transformar em estatística fria dessa terrível pandemia. Tenho medo, não de morrer, mas da falta de ar. Do ar da Zona! 

Às moças da Zona de Caruaru, de 1964 a 1971, Margarida em especial (nome de flor), expresso a minha gratidão pelos momentos felizes em que todas acenderam em nós, frequentadores da Rua Almirante Barroso, AS LUZES DO PRAZER. Deus sabe de tudo, porém Deus perdoa, então o resto é bobagem.  








Pra você gostar..." (Vital Farias)  


(*) Pernambucano, 70 anos, é memorialista e pesquisador musical, além de pequeno colecionador de discos. Seu arquivo contém algumas obras que se tornaram preciosas na música brasileira diante do mau gosto popular nessas duas primeiras décadas do século XXI. São frevos, sambas, maracatus, forrós, xotes, polcas, toadas, marchinhas, merengues e choros. Tem mais de 400 artigos escritos sobre música que foram publicados em sites da internet, ‘terreno’ que se notabiliza pela impermanência. Seus artigos provam que a História também se conta através da música.
Música e sociedade, música e política, música e afeto, amizade, alegria e prazer. Uma delícia quando lemos o texto de uma pessoa que sabe fazer essa combinação. É o que faz Abilio Neto, o qual conhecemos nos anos do Overmundo, entre 2006 e 2011, primeiro portal nacional de internet dedicado a difusão da cultura independente, das periferias, dos sertões, dos que mesmo produzindo com qualidade e compromisso, não conseguiam espaços para fazer divulgação nos cadernos culturais dos grandes jornais.
Ler o texto do Abilio Neto é como conversar ao cair da tarde em um alpendre de varanda das casas coloniais, cercados pela brisa suave que sopra das árvores, grandes e pequenas que cercam o redor da casa. Ou então, é como conversar em uma barraca de praia, sentindo o vento que vem do mar soprando em nossas caras, bebendo uma boa caipirinha, intercalando com água de coco.

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