segunda-feira, 20 de abril de 2020

SE A PANDEMIA DE CORONAVIRUS TIVESSE ACONTECIDO NOS TEMPOS DA AMABA, NA ARACAJU DOS ANOS DE 1980/1990?


"O historiador não é aquele que fala do passado. Ele se serve do que sabe do passado para falar do presente, para compreender o que se passa hoje". Marc Ferro

Por Zezito de Oliveira

Na semana passada,   uma noticia bem positiva com relação a forma como a periferia está  enfrentando o coronavirus nos  chamou a atenção.

O motivo principal foi a criação da figura dos “ presidentes de rua” , estratégia que o movimento comunitário em  Paraisopólis encontrou  para não depender do estado,  o que na prática significa evitar a morte  de  mais gente nas periferias por causa da pandemia.

Os presidentes de rua,  tem como função de acordo com a matéria que está no  link abaixo:


Logo após a leitura,  foram acionadas  lembranças  acerca de informações e documentos do período cronológico (1990 a 1993),  referente a pesquisa que  estamos realizando. Estas trazem a relação do trabalho de base realizado por meio da AMABA e,  inspirado  pela  forma descentralizada e colegiada  como a Arquidiocese de São Paulo organizava o trabalho pastoral,   isso refletiu na   adesão  a  ideia de dividir o bairro em regiões, com os representantes eleitos, chamados de conselheiros, escolhidos em eleições por moradores de cada região.

Vale ressaltar,   isso foi facilitado pela vitória da chapa 1, através do qual  fui eleito para presidente no ano de 1989. Em que pese algumas tentativas de  descentralização em anos anteriores, porém  sem êxito. Já essa tentativa  bem sucedida durou até o ano de 1993.  

Esses conselheiros reunidos depois de escolhidos nas regiões,  elegiam dentre eles o presidente, o secretário e o tesoureiro. Essa  proposta buscava  uma maneira de combater o personalismo na figura do presidente, a centralização, buscávamos fazer com que houvesse processo de organização que facilitasse o  trabalho com as bases e a participação dessas nas decisões da entidade.

Isso ajuda a explicar,  porque três pessoas com quem conversei recentemente tem boas recordações do trabalho da AMABA a partir de 1990, mas não se recordavam da minha pessoa como presidente. Dois por morarem nas imediações do bairro América e não participar do cotidiano da associação, e o outro por ter começado a participar da AMABA através  de atividades do Projeto Reculturarte. 

Acerca deste último, acontecia uma questão interessante e que confundia a cabeça de muitas crianças e adolescentes que participavam do Reculturarte, 

Tratava-se do  papel do coordenador do projeto e o papel de presidente da AMABA, o que para muitos eram a mesma pessoa,  já que somente o coordenador do projeto  podia ser   remunerado para ficar a disposição do projeto, logo,  permanecendo por mais tempo   na sede da entidade e circulando pelo bairro. O contrário do presidente da AMABA, que trabalhava e fazia universidade durante o dia, e que era  proibido de  receber remuneração   por conta da legislação da época, mesmo com  o trabalho especializado a serviço do projeto sociocultural que muitas vezes realizava. Trabalho que misturava competências de educador popular com assistente social. 

Quanto aos bons resultados das regiões e grupos de rua,  o experimento avançou muito mais na região do Campo do Vidro. Por coincidência,  área de nascimento da associação  e bastante abandonada pelo poder público.

Foram coordenadores dessas regiões os jovens, éramos todos jovens,  Luis Fernando e Antônio Wanderley, este último também artista plástico e desenhista. Todos os dois  prestaram inestimáveis contribuição a população do bairro América. 


Luiz Fernando - Em pé de óculos e bigode. De frente Aparecida e de costas Paulo Sérgio. Essa cena é uma dramatização, possivelmente como parte de um exercicio de psicodrama. A foto tem como local o Recanto Franciscano, casa de retiros localizada no bairro Mosqueiro em Aracaju. O ano é 1992.



Wanderley, de cocóras e Antônio Luiz, olhando para a câmera.

No capitulo do livro que dedicaremos a esse desenho ou redesenho  de gestão, traremos mais detalhes sobre o sucesso parcial da proposta e sobre as dificuldades para conseguirmos avançar, dificuldades que deita raízes em nosso passado colonial,  escravocrata, e  que nos deixou marcas profundas de autoritarismo, paternalismo, passividade, acomodação, conformismo, apego exagerado a tradição e ao estabelecido, falta de hábito pelo estudo, preguiça ou dificuldades em pensar, medo de inovar. 

Isso também ajuda a explicar o retrocesso violento que o nosso país está sofrendo na atualidade,  depois das avançadas gestões de Lula e primeiro governo da presidenta Dilma Roussef, mesmo com os limites e contradições que acabaram por provocar o colapso "programado" do seu segundo mandato, o  que contaminou os demais poderes da república, além de amplos  setores da iniciativa privada e da sociedade civil que embarcaram na canoa furada ou no titanic   do golpe de 2016, motivos do afundamento do Brasil desde então. 

E em se tratando de epidemia, entre os anos de 1990 a 1993, o país é sacudido por uma epidemia de varíola e a AIDS ainda uma doença recente,  estava levando muitas pessoas a óbito. A forma como a AMABA se engajou no esforço de educação preventiva também merece ser relembrado. Aqui vale ressaltar a participação de Antônio Luís, secretário executivo da AMABA, o qual visitava escolas e outras associações de moradores para levar filmes, slides e folhetos de orientação visando a proteção contra a coléra,  contra o vírus da AIDS e contra o uso de drogas, essa última campanha em parceria com o setor educativo  da policia federal, o qual liberava folhetos e às vezes um agente especializado para palestras. 

Antônio Luis também prestou inestimável contribuição para o desenvolvimento atual do Bairro América. Tendo a sua contribuição se ampliado, ainda no tempo da AMABA,  para a cidade de Aracaju como um todo. Considerando o seu engagamento posterior no movimento sindical dos aposentados e atualmente na federação dos conselhos comunitários de segurança.


Antônio Luis



Antônio Luis e o autor desse artigo. Sede da AMABA - foto de 1993.

Por último, voltando mais uma vez para a periferia de São Paulo encontro uma noticia negativa, aqui trata-se de uma área conhecida como Brasilândia, nessa região,  segundo o blog de uma rádio comunitária da região, a Cantareira, apesar de ser uma área com o  maior número de caso de coronavirus, a população residente, em sua maioria, não reage com os cuidados que a gravidade da situação requer.

Logo me lembrei de uma situação que essa  região viveu nas décadas de 1980 e 1990, quando teve como bispo D. Angélico Sandalo Bernardino. A esse respeito escrevi e  postei no facebook.

“A Brasilândia foi um território com grande quantidade de comunidades de base quando o Cardeal Arns foi arcebispo de SP. Em razão da  redivisão da arquidocese, politica do Vaticano visando enfraquecer esse trabalho, a região Brasilândia que continuou sob a jurisdição do Cardeal Arns, ganhou Dom Angelo Sandalo Bernardino como bispo auxiliar. Ele que foi bispo auxiliar da região episcopal de São Miguel Paulista. A pergunta que não quer calar.. Caso o trabalho com comunidades eclesais de base não tivesse sido enfraquecido pelo Papa João Paulo II, em favor do fortalecimento da renovação carismática entre outros tipos de movimentos neoconservadores, a Brasilandia não estaria em situação melhor? Quanto a essa e outras questões que requer mais consciência cidadã, compromisso social e solidariedade pró ativa.”

Uma das pessoas que comentou a minha postagem em um grupo  de adeptos  da teologia da libertação  fez uma afirmação e eu respondi. Essa resposta ajuda a entender um pouco mais como se deu a influência do pensamento e da ação pastoral de Dom Paulo Evaristo Arns, quando foi arcebispo  da maior arquidiocese da América Latina, inclusive por meio do jornal "O São Paulo", o qual chegou na sede da AMABA durante alguns anos por meio de assinatura anual.

 Afirmação : Você acertou na sua dissertiva sobre o bairro da brasilandia.

 Resposta: E só estive na região Brasilândia apenas uma vez. Mas acompanhei bastante o que aconteceu na periferia de SP nas décadas de 1980/1990, por meio da assinatura do Jornal "O SÃO PAULO" e do Jornal Grita Povo da Região Episcopal São Miguel Paulista. Além dos cursos de verão do CESEEP e dos materiais escritos, que alimentaram o meu trabalho de base nesse periodo, aqui em Aracaju.Estes eram distribuídos pelo então Centro de Pastoral Vergueiro (CPV). Aqui em Aracaju foi um trabalho pastoral e laico ao mesmo tempo. Depois explico com mais detalhes.

E para concluir: Fundamental pensarmos esse momento para fortalecermos  redes politicas de solidariedade, politicas porque não se faz solidariedade apenas prestando assistência ou alivio imediato. Mas pensando o agora e o depois. Bem na linha do que afirmou Dom Hélder: "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista."

P.S.: O trabalho social educativo com arte e cultura realizado pela AMABA, foi financiado  de forma permanente pela Visão Mundial, desde 1989 até 1999. E de forma intermitente pela Coordenadoria Ecumênica de Servico (CESE).  O Unicef fez repasse de pequeno repasse uma vez e o então deputado Renatinho Brandão (PT) fez repasse razoável uma ou duas vezes, não temos certeza.  O  Centro Sergipano de Educação Popular prestou assessoria fundamental nos dois primeiros anos e depois esporadicamente. O Centro Nordestino de Animação Popular , localizado em Pernambuco e especializado em arte-educação popular, prestou assessoria a distância, presencial e significativa, em especial de 1992 à 1995. O Centro Ecumênico de Serviços a Evangelização e a Educação  localizado em São Paulo,  colaborou de forma indireta por meio dos cursos de verão em 1990 e 1991. Inclusive por meio deste chegamos ao CENAP.
O serviço voluntário permanente  por parte de alguns dirigentes foi imprescindivel, assim como por parte de alguns sócios,  de forma esporádica.
A parceria com a Igreja São Judas Tadeu foi muito importante, em especial no período compreendido entre 1983 e  1991 na pessoa do Frei Florêncio Pecorari. Assim como a Escola Estadual Souza Porto, na pessoa do diretor Carlos, entre 1986 e 1991.
Alguns comerciantes do bairro foram parceiros importantes. 

A todos,  o nosso mais sincero e afetuoso agradecimento.


DOCUMENTOS SOBRE A REFORMA NO ESTATUTO QUE DESCENTRALIZOU E DEMOCRATIZOU A AMABA.





DOCUMENTOS SOBRE O TRABALHO EDUCATIVO E PREVENTIVO CONTRA A COLÉRA E CONTRA A AIDS.

Jornal Popular - Nº 19 - Junho de 1991




Jornal de Sergipe - 17 de julho de 1991




O texto a esquerda no recorte acima, foi extraído do Jornal "O São Paulo" da Arquidiocese de São Paulo. Não encontramos mais detalhes acerca da edição ou  ano de publicação. Provavelmente é do ano de 1991.



DOCUMENTOS RELATIVOS A PARTICIPAÇÃO DE REPRESENTANTES DA AMABA NO CURSO DE VERÃO PROMOVIDO PELO CESEEP NAS DEPENDENCIAS DA PUC-SP.

Jornal Popular - Nº 06 - Fevereiro de 1990






 Zezito de Oliveira e Paulo Sérgio no Curso de Verão de 1992 . Teatro da PUC/SP. Em destaque, saindo do palco por um dos corredores, após uma fala de boas vindas, o saudoso Arcebispo de São Pauo, Dom Paulo Evaristo Arns.
Cardeal Arns, personagem emblemático da história do Brasil contemporâneo se foi, mas o Curso de Verão prossegue.
Até uma parte do mesmo, pode ser visto aqui na net.. Vale a pena participar de maneira presencial..






Sugestões bibliográficas:


Livro conta a história do Bairro América


Dom Paulo Evaristo Arns – um homem amado e perseguido






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AMABA/PROJETO RECULTURARTE – O ESQUECIDO CÍRCULO DE CULTURA DA ARACAJU DOS ANOS DE 1980 E 1990
RESUMO
Este artigo apresenta o Projeto Reculturarte (Reeducação, Cultura e Arte), realizado nos anos de 1990 em Aracaju, proposta pioneira e inovadora de arte-educação popular, atual e necessária nestes tempos de fake news, individualismo exacerbado e falta de espaços para a socialização criativa e crítica de crianças, jovens e adultos. Os resultados preliminares da pesquisa iniciada em 2018 mostram avanços no campo da construção de sentido, protagonismo cidadão e preenchimento do tempo livre de forma construtiva.
Palavras-chave: adolescentes; arte; comunidade; cultura de paz; educação popular.
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Leia também: acrescido em 24/04/2020, às 22:00





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