terça-feira, 30 de janeiro de 2024

SOBRE EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA O BRASIL DAR CERTO COMO CIVILIZAÇÃO. Frei Betto , Pepe Mujica , Papa Francisco , Romero Venâncio e Alceu Valença

       


    Quem conhece a tradição da esquerda sabe que seus militantes habitualmente recebiam formação político-ideológica. Havia múltiplos cursos, seminários, fóruns e equipes de educação popular que assessoravam processos formativos em grupos e partidos. Incentivava-se a leitura de vasta bibliografia marxista e da história da esquerda. Popularizava-se como referência histórica os exemplos das revoluções russa, chinesa e cubana. 

    Em suma, havia um sistema de sentido que impregnava a subjetividade da militância, a ponto de inúmeras vítimas de torturas em mãos de tiranias demonstrarem uma inquebrantável resistência ideológica e preferirem morrer a delatar.

       O capitalismo também dissemina seu sistema de sentido, baseado na naturalização da desigualdade social, do racismo, da misoginia, da meritocracia e, sobretudo, do direito à apropriação privada da riqueza. Com a vantagem de o capitalismo ser hegemônico no mundo e possuir ampla rede de deseducação política que incute nas pessoas seus “valores” fundados na prevalência do capital sobre os direitos humanos. 

       Assim, multidões associam democracia e neoliberalismo, competitividade e liberdade, apropriação da mais-valia e prosperidade. Todo esse aparato ideológico tem por ferramentas desde o “catecismo” capitalista das produções Walt Disney até as poderosas plataformas digitais com seus robôs e algoritmos, agora turbinados pela inteligência artificial. 

       Foi o Cristianismo que inventou a publicidade e primeiro criou uma ampla rede de educação religiosa. As religiões surgiram há 8 mil anos como influentes sistemas de sentido. Dão respostas às indagações mais pertinentes do ser humano: por que há sofrimento? Quem criou o mundo? O que nos acontece após a morte? Aliadas ao poder, incutiram em seus fiéis a abnegação frente à pobreza e à opressão; o sentimento de culpa quando se violam leis e preceitos estabelecidos pela elite dominante; a esperança de alcançar na transcendência pós-morte a plenitude dos direitos negados nesta vida. Vide René Girard, Paul Ricouer, Max Weber, Feuerbach e outros. 

       As religiões criaram um sistema eficiente de atrair fiéis, dos quais o corpo hierárquico (padres e pastores) obtém recursos para se manter e ampliar suas estruturas. E o que os fiéis recebem em troca? Nenhum benefício material, ainda que vivam na miséria. Recebem em troca bens simbólicos, um sistema de sentido, uma razão de viver, uma esperança de recompensa divina. Como o marxismo do século XX, as religiões moldam a subjetividade humana. 

       Eis o ponto: o que, em última instância, motiva o ser humano são as convicções impregnadas em sua subjetividade. Não são as políticas sociais que o beneficiam ou o salário que recebe. Convicta, uma pessoa é capaz de renunciar a seus privilégios de classe para abraçar, em nome de uma causa, as mais duras adversidades (Francisco de Assis, Gandhi, Fidel, Guevara, irmã Dulce). É capaz de sacrificar a própria vida por uma causa, como foi o caso de frei Tito de Alencar Lima, preso em 1969 e reenviado à tortura, durante três dias, em fevereiro de 1970. Para evitar delatar seus companheiros, cortou a artéria do braço para guardar silêncio.

       Hoje, como é feita a educação política-ideológica dos militantes de esquerda? O que almejam os partidos progressistas, obter votos ou conquistar um novo modelo de sociedade alternativo ao capitalismo? 

       É inegável que políticas sociais trazem votos, mas não imprimem convicções. Estas resultam de sistemas de sentido introjetados no coração humano, como crenças religiosas ou princípios ideológicos. Onde as ferramentas da esquerda para promover educação política? 

É fato que alguns partidos progressistas e movimentos populares têm suas escolas de militância, como a Florestan Fernandes (MST) e a Paulo Freire (Levante Popular da Juventude). Isso, contudo, não é o mais importante. O mais importante é atingir amplas parcelas da população, e fazê-lo sem viés partidário e retórica ideológica.

       Como? O método é o proposto pelo professor Paulo Freire: indutivo, crítico, participativo, cujo protagonismo é exercido pelos educandos e não pelos educadores. As ferramentas, a capilaridade do governo federal, a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), as trincheiras digitais. 

Para tanto, é imprescindível que haja sincronia entre a Secretaria Geral da Presidência da República, responsável pelo contato com os movimentos sociais, a Secom (Secretaria de Comunicação Social), responsável pela poderosa máquina de publicidade e informação do governo, o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura. 

       Há quem alegue não ser papel do Estado promover educação política. Ora, a máquina estatal não é neutra. Sua atual estrutura foi montada para atender aos interesses da classe dominante. Foi manipulando essa estrutura que Bolsonaro sonegou vacinas, disseminou o ódio, liberou a importação e o comércio de armas, consolidou o apoio do fundamentalismo evangélico, nomeou para postos-chaves quem reza por sua cartilha, como o presidente do Banco Central e dois ministros do STF.

       No regime democrático, o Estado deve servir, prioritariamente, aos interesses do povo, ao fortalecimento da democracia, à defesa dos direitos humanos.

       O governo possui apenas duas pernas de sustentação: o Congresso e a mobilização popular. O Congresso atual é majoritariamente contrário ao governo, e este, seu refém. Lula se sente obrigado a ceder e conceder ao Centrão para levar adiante seu projeto de governo. E não há suficiente mobilização popular em seu apoio. A capacidade de mobilização popular foi perdida pela esquerda, com exceção do MST.

E só há um caminho para recuperá-la: a educação política, como outrora ocorria nos sindicatos, nas pastorais populares, nas ONGs, nos movimentos sociais. Visão crítica e dialética da realidade. Protagonismo popular. Caso contrário, não haveremos de deter o avanço das forças neofascistas e a progressiva morte da democracia.

 Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

Assine e receba todos os artigos do autor: mhgpal@gmail.com

Frei Betto: “Criar uma sociedade com consciência crítica exige educação política

https://educacaointegral.org.br/reportagens/frei-betto-criar-uma-sociedade-com-consciencia-critica-exige-educacao-politica/

Frei Betto

​"Há muito a fazer para conscientizar, organizar e mobilizar o povo brasileiro. Recursos existem.  ​E há vontade política por parte de Lula e da Secretaria Geral da Presidência da República, monitorada pelo ministro Márcio Macedo.   ​Faltam apenas maior empenho, produção de material para os veículos de comunicação social e verba para que o governo disponha de uma rede de educadores populares de, no mínimo, 50 mil pessoas!"


Pepe Mujica

BBC News Brasil - Como o Sr. avalia a expansão da direita na América Latina? A esquerda falhou? Como?José Mujica - Temos muita gente com fome, sem abrigo ou com casas miseráveis, e conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos - os processos são lentos demais, é mais fácil resolver de imediato o problema da (falta de) comida, porque é algo que fala de imediato à nossa consciência. Mas não conseguimos cortar a imensa dependência que temos deste mundo atual que se expande cada vez mais. Queremos consumir como o primeiro mundo enquanto ainda não resolvemos nossos problemas mais básicos. Isso resulta na criação de condições brutais de vida. O mundo desenvolvido começou a caminhar 200 anos antes de nós, fez muitíssimos sacrifícios, pagos pelo povo, os únicos que trabalhavam 12, 14 horas por dia, e assim se capitalizaram. E no mundo colonial... tudo isso, não é? Nós chegamos tarde, corremos atrás, mas nem tudo está perdido. Não creio que a extrema-direita possa fazer mais além de concentrar ainda mais a riqueza. E, por infelicidade, teremos que aprender a ser mais pacientes, e continuar trabalhando. Os termos "esquerda" e "direita" são muito modernos, mas as faces do conservadorismo e da solidariedade são tão antigas quando a existência dos humanos sobre a Terra. Seguiremos em frente.

Assista/ouça: 



Papa Francisco 

“Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha”

"Quais são os grandes ideais mas também os caminhos concretos para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações quotidianas, na vida social, na política e nas instituições?". 




NOTINHA SOBRE A LIVE DOS BOLSONAROS
Romero Venâncio
Na live deste domingo os bolsonaros foram eficaz naquilo que pretendiam. A maioria das esquerdas criticou as falas de bolsonaro e filhos. Com certa razão. Só que esquerda séria, não pode apenas ficar na crítica. Baixando poeira do ocorrido, vamos a alguns fatos. Dois, mais precisamente. Primeiro: na sala ao vivo vendo a live, tinha mais de duzentas mil pessoas e hoje já vai mais de dois milhões de visualizações. Não acho pouco. Acompanho as lives do Lula (presidente) e a pífia politica de comunicação do governo. Paciência. Segundo: eles anunciaram ao vivo um pacote de cursos para preparar na base lideranças de direita. Estão já pensando nas eleições deste ano. E mais: não querem só votos, mas voto com formação. Na linha do que falou várias vezes o Olavo de Carvalho. Venho estudando a extrema direita católica na redes digitais faz algum tempo e vejo uma ligação de uma coisa com a outra: os bolsonaros e sua estratégia e a extrema direita católica. No momento necessário, se juntam. Atentemos.

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