A mensagem em que o padre pede orações por militares consta no relatório final da Polícia Federal, entregue ao STF
Mateus Salomão
26/11/2024 18:49, atualizado 26/11/2024 19:59
O padre José Eduardo de Oliveira e Silva, indiciado por participar de um plano para decretar um golpe de Estado no Brasil, teria criado e disseminado uma “oração do golpe”. É o que conclui a Polícia Federal (PF) em relatório que veio à tona nesta terça-feira (26/11), após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Segundo a PF, após o término das eleições presidenciais, o padre enviou uma mensagem a um contato identificado como “Frei Gilson”, com uma mensagem em que todos os brasileiros, católicos e evangélicos incluam em suas orações os nomes do ministro da Defesa e de outros dezesseis Generais 4 estrelas.
O MAL QUE O BOLSONARISMO FEZ/FAZ A IGREJA CRISTÃ NO BRASIL. UMA REFLEXÃO
Romero Venâncio (UFS)
Novembro de 2024. A notícia: "A Polícia Federal indicia Bolsonaro, Braga Netto e mais 35 por tentativa de golpe. Dentre eles, um padre..." A informação poderia até passar despercebida em outro momento. Não no atual contexto de Brasil. Saudades daqueles tempos em que padre, bispo ou agente de pastoral da Igreja Católica eram acusados publicamente de ajudar camponeses em ocupação de terra, ocupações urbanas, em lutas populares ou na luta em defesa de pobres de toda sorte neste país. Uma memória que não pode ser esquecida. Religiosos já enfrentaram polícias na defesa de pessoas marginalizadas sem voz e sem vez. Criticados pela mídia da casa grande, esses religiosos mantinham a cabeça erguida pela consciência tranquila nas escolhas que haviam feito. Muito diferente é quando um padre se junta a um grupo de extrema direita violento que tem como objetivo destruir as frágeis instituições democráticas. Mais do que isto: foi um dos "mentores ideológicos" de uma tentativa de golpe de estado e trama macabra para assassinar pessoas. Isto é muito sério e merece uma reflexão mais séria ainda. Como chegamos a isto?
Desde 2013 que estamos assistindo um setor significativo do catolicismo brasileiro se ligar a um movimento de extrema direita. Aproximaram-se de figuras como Olavo de Carvalho (vejamos as fotos com o pe. Paulo Ricardo exibindo armas), aprenderam a usar as redes digitais, criaram canais ou ficaram como youtubers, organizaram formação dentro de um catolicismo reacionário e militante, atacaram pessoas como Pe. Júlio Lancellotti, a CNBB, Leonardo Boff, Dom Vicente Ferreira, Dom Joaquim Mol, Pe. Manoel Godoy, pastora Romi Bencke... e tantos outros/outras. Elaboraram todo um material de estudos no que tem de mais conservador dentro do catolicismo: livros, traduções, vídeos, palestras, cursos... Com uma beligerância pouco visto na Igreja Católica no Século XX/XXI.
Com esse "arsenal teológico", o caminho não poderia ser outro: a extrema direita católica encontra-se (naturalmente) com a extrema direita política e bolsonarista. Ainda mais, essa extrema direita católica sempre foi auxiliar do pior bolsonarismo. Um desses grupo de extrema direta, conhecido como Centro Dom Bosco tentou levar Bolsonaro (ainda presidente da República) para o feriado de Aparecida para rezar um Rosário em frente a uma Igreja e com a cidade lotada de gente. Quase ocorre o triste e perigoso evento. Tudo devidamente registrado. Muitos católicos motivados por estas ideologias extremistas foram para a porta de quartéis pedir golpe e rezar por ele. Lembram? inesquecível.
O pe. José Eduardo não é uma exceção e nem é um desconhecido nas redes digitais. O que foi, na verdade, ele foi o mais ávido nas relações com o núcleo do bolsonarismo e seus militares. O padre não é vitima, mas consequência de suas escolhas políticas e de toda uma extrema direita católica. A melhor definição de quem é e o que faz o padre em questão, foi dada num inquérito policial (quem diria!):
“Como apontado pela autoridade policial, José Eduardo possui um site com seu nome no qual foi possível verificar diversos vínculos com pessoas e empresas já investigados em inquéritos correlacionados à produção e divulgação de notícias falsas’”.
Ministro Alexandre de Moraes. Sobre o Pe. José Eduardo no inquérito que apura a tentativa de golpe de estado. In: Metrópoles, 21/11/2024.
Todas estas ações de uma extrema direita católica já deveria merecer mais atenção da CNBB e suas pastorais sociais. O caso desse padre José Eduardo que atua no pior esgoto de uma extrema direita golpista e violenta, merece uma profunda reflexão na Igreja Católica no Brasil. A coisa tá ficando séria e chegando às barras dos tribunais. Atentemos.
Os outros 2 padres citados pela PF no relatório do inquérito do golpe
Abaixo depoimento de um padre democrata sobre o filme "Ainda estou aqui"
Pe. Manuel Joaquim R. dos Santos
Arquidiocese de Londrina
Enquanto assistia ao longa “Ainda estou aqui” percebi que minha amiga estava soluçando. Não era a única na sala. No final, quando lhe perguntei qual a parte que mais a impactara, não hesitou: “foi quando a viúva, finalmente, conseguiu a certidão de óbito”! Não era pra menos! Aquele pedaço de papel representava, não apenas o reconhecimento (tardio) pelo Estado da morte de Rubens Paiva, como essencialmente o final de um processo demorado de luto, com todas as consequências nefastas para a família.
O filme é extraordinário. Uma das melhores películas nacionais que já assisti. Retrata do jeito adequado os porões fétidos da ditadura militar e combate a sua negação, mostrando os fatos, que longe do passado, nos assombram agora fora das telas. Um período trágico da história brasileira que “ainda está por aqui”! Paiva é uma das 434 pessoas desaparecidas ou mortas, sem processos legais legítimos, sem defesa, assassinados pelo Estado que escondia a sua cara no anonimato de paisanos caricatos, com ar de autoridade. Segundo a Human Rights Watch, cerca de 20 mil cidadãos foram torturados. Foi uma noite longa, a preto e branco, que podava sonhos com a mesma foice que segava as vidas de inocentes. Uma escuridão defendida até hoje por perversos mentirosos, que se locomovem na penumbra de uma memória coletiva ultrajada. Se o Carlos Ustra foi “brilhante”, como nos moveremos com segurança nos dias de hoje, sabendo que todos eles estão soltos e impunes? Como dar consistência à argamassa que nos torna um país forte, se usamos um cimento ruim e em quantidade ínfima? Se varremos para o abismo da história os que conspiraram contra ela, que garantias teremos de que fantasmas não assolarão o nosso presente e futuro?
“Ainda estou aqui” é mais do que um resgate histórico. O que já não seria pouco! Porém, encontramos nessas duas horas de filme, uma tentativa bem sucedida de dar o protagonismo a quem de fato merece! Chega de evidenciar na tinta dos jornais ou nas redes sociais, quem adquiriu com a sua maldade, um posto no lixo da história! O filme, muito sabiamente, dá voz e vez às vítimas, aos que “esperam contra toda a esperança”, aos que não desistem de lutar, aos que continuam a acreditar neste país! Um filme assim, presta um serviço extraordinário à sociedade brasileira, repondo as peças corretamente no tabuleiro do arcabouço social que nos constitui e provocando lágrimas nos que nunca deixaram de se indignar com este período da nossa história. Minha amiga chorou! E eu também!
Os acontecimentos recentes indiciando e condenando centenas que atentaram contra a Democracia e o Estado de Direito, revela o que o filme teme: Há, desde 1889, um conceito equivocado dentro das Forças Armadas de que elas poderão intervir na história com golpes e contra golpes, criando “estados de exceção”, podando liberdades e desconfigurando totalmente a própria missão das Forças Armadas. O último governo, ter levado para a esplanada dos ministérios militares, alimentou dentro das Forças desejos perniciosos ocultos de tomada de poder, como evidenciam as gravações do processo sobre Golpe de Estado. Eles ainda estão aqui!
Em 1974 os militares portugueses deram um golpe de Estado. Mas muito diferente dos seus homólogos chilenos, que em 1973 inauguraram uma das ditaduras mais cruéis da América latina. Em terras lusas, com cravos vermelhos nas metralhadoras, os “capitães de abril” devolveram o poder ao povo e imediatamente regressaram aos quartéis. Até hoje as Forças Armadas estão sujeitas ao poder civil legitimamente validado nas urnas.
Ainda estou aqui, é um triste alerta. É um convite incisivo para que ninguém neste país baixe a guarda. Uma democracia, não se consolida com uma magnifica Constituição. É um processo histórico sobre o qual não se poderá jamais tergiversar. A anistia que Trump usará nos EUA é uma farsa fascista que não cabe no nosso país nem em qualquer outro que preze o Estado de Direito.
UMA OPORTUNIDADE HISTÓRICA
Romero Venâncio (UFS)
Vivemos um sentimento paradoxal nestas duas semanas neste Brasil quase-sempre-em-transe. Por um lado, estamos vendo/vivendo uma história que se desvela para quem quiser reparar com atenção. Por outro lado, parece que nada ocorre fora das redes digitais. Um país bestializado com o que vem sabendo? impotentes diante dos fatos revelados? ou descrença completa nas instituições?
Independente do que faremos com tudo isto revelado no inquérito da polícia federal e com a revelação de uma trama golpista que envolvia assassinatos e tudo o mais, a situação nos joga na cara algo grave e que será a herança desse "bolsonarismo" que castiga ideologicamente este Brasil.
Porém, uma aparente coincidência não poderá passar despercebido por todos nós: tudo isto ocorre no ano em que lembramos os 60 anos do golpe militar de 1964!!! Um golpe que matou, exilou, torturou, fez desaparecer corpos, nos empurrou para um modernização conservadora sem paralelo na história e legou uma inflação brutal que esmagou a vida da classe trabalhadora e concentrou renda como nunca na história. Pena que tudo isto não mobilize movimentos de rua que possa colocar esses militares no seu devido lugar na história. E pior, nem o governo de plantão que tem origem nas esquerdas e nas lutas democráticas percebeu a chance histórica que foi jogada em seu colo. Ou percebeu e nada acredita que pode fazer devido a seus compromissos e alianças. paciência.
Termino lembrando uma frase do filósofo Herbert Marcuse que lemos no prefácio ao livro de Karl Marx: "O 18 Brumário de Luís Bonaparte":
"Como se chegou a essa situação em que a sociedade burguesa só pode ainda ser salva pela dominação autoritária, pelo exército, pela liquidação e traição das suas promessas e instituições liberais? (...) Isso é cômico, mas a própria comédia já é a tragédia, na qual tudo é jogado fora e sacrificado."
Em tempo!
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