Cardeal Secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, no G20, Rio de Janeiro.
A Sua Excelência Luiz Inácio Lula da Silva,
Presidente da República
Federativa do Brasil
Gostaria de Ihe parabenizar por
seu papel na presidência do Grupo dos 20 (G20), que representa as maiores
economias do mundo. Também estendo calorosas saudações a todos os presentes
nesta Cúpula do G20 no Rio de Janeiro. Espero sinceramente que as discussões e
os resultados deste evento contribuam para o avanço de um mundo melhor e um
futuro próspero para as gerações vindouras.
Como escrevi em minha Carta Encíclica Fratelli Tutti, “a política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e irrenunciáveis o de eliminar efetivamente a fome.
Com efeito, «quando a especulação
financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma mercadoria
qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro Iado,
descartam-se toneladas de alimentos. Isto constitui um verdadeiro escândalo. A
fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável». Muitas vezes hoje,
enquanto nos enredamos em discussões semânticas ou ideológicas, deixamos que
irmãos e irmãs morram ainda de fome ou de sede” (189).
No entanto, no contexto de um mundo globalizado que enfrenta uma infinidade de desafios interconectados, é essencial reconhecer as pressões significativas atualmente exercidas sobre o sistema internacional.
Essas pressões estão se manifestando de várias formas, incluindo a intensificação de guerras e conflitos, atividades terroristas, políticas externas de confronto e atos de agressão, bem como a persistência de injustiças.
Portanto, é de suma importância
que o Grupo dos 20 identifique novos caminhos para alcançar uma paz estável e
duradoura em todas as áreas relacionadas a conflitos, com o objetivo de
restaurar a dignidade dos afetados.
Os conflitos armados atualmente testemunhados não são apenas responsáveis por um número significativo de mortes, deslocamentos em massa e degradação ambiental; eles também estão contribuindo para um aumento da fome e da pobreza, tanto diretamente nas áreas afetadas quanto indiretamente em países que estão a centenas ou milhares de quilômetros de distância das zonas de conflito, principalmente por meio da interrupção das cadeias de suprimentos. As guerras continuam a exercer uma pressão considerável sobre as economias nacionais, especialmente devido à quantidade exorbitante de dinheiro gasto em armas e armamentos.
Indo além, há um verdadeiro
paradoxo em termos de acesso aos alimentos: por um Iado, mais de três bilhões
de pessoas não têm acesso a uma dieta nutritiva, enquanto, por outro, quase
dois bilhões de pessoas têm excesso de peso ou são obesas devido a uma má
alimentação e a um estilo de vida sedentário. Isso exige um esforço conjunto
para uma participação ativa na mudança em todos os níveis e para reorganizar os
sistemas alimentares como um todo (cf. Mensagem para o Dia Mundial da
Alimentação 2021).
É importante ter em mente que a
questão da fome não é apenas uma questão de insuficiência de alimentos; ao
contrário, é uma consequência de injustiças sociais e econômicas mais amplas. A
pobreza, em particular, é um fator que contribui significativamente para a
fome, perpetuando um ciclo de desigualdades econômicas e sociais que são
generalizadas em nossa sociedade global. A relação entre fome e pobreza é
indissociável.
Portanto, é evidente que uma ação imediata e
decisiva deve ser tomada para erradicar o flagelo da fome e da pobreza.
Essa ação deve ser realizada de forma conjunta
e colaborativa, com o envolvimento de toda a comunidade internacional. A
implementação de medidas efetivas exige um compromisso concreto dos governos,
das organizações internacionais e da sociedade como um todo. A centralidade da
dignidade humana dada por Deus a cada pessoa, o acesso a bens básicos e a
distribuição justa de recursos devem ser priorizados em todas as agendas
políticas e sociais.
Ademais, a erradicação da
desnutrição não pode ser alcançada apenas com o aumento da produção global de
alimentos. De fato, já existe alimento suficiente para alimentar todas as
pessoas do nosso planeta; ele é apenas distribuído de forma desigual. Assim, é
essencial reconhecer a quantidade significativa de alimentos que é desperdiçada
diariamente. Combater o desperdício de alimentos é um desafio que exige ação
coletiva. Dessa forma, os recursos podem ser redirecionados para investimentos
que ajudem os pobres e os famintos a atender às suas necessidades básicas. Indo
além, é igualmente necessário implementar sistemas alimentares que sejam
ambientalmente sustentáveis e benéficos para as comunidades locais.
Está claro que uma abordagem
integrada, abrangente e multilateral é fundamental para enfrentar esses
desafios. Dada a magnitude e a abrangência geogrãfica do problema, as soluções
de curto prazo são insuficientes. São necessárias uma visão e uma estratégia de
longo prazo para combater efetivamente a desnutrição. Um compromisso contínuo e
consistente é essencial para atingir esse objetivo, e não deve depender de
conjunturas imediatas.
Nesse sentido, espero que a
Aliança Global contra a Fome e a Pobreza possa ter um impacto significativo nos
esforços globais de combate à fome e à pobreza. A Aliança poderia começar
implementando a proposta de longa data da Santa Sé, que pede o redirecionamento
dos fundos atualmente alocados em armas e outros gastos militares para um fundo
global destinado a combater a fome e promover o desenvolvimento nos países mais
pobres. Essa abordagem ajudaria a evitar que os cidadãos desses países tivessem
que recorrer a soluções violentas ou enganadoras, ou que abandonassem seus
países em busca de uma vida mais digna (cf. Carta Encíciica Fratelli Tutti,
2b2).
É indispensável reconhecer que o
fracasso em cumprir as responsabilidades coletivas da sociedade para com os
pobres não deve acarretar a transformação ou a revisão das metas iniciais em
programas que, em vez de atender às necessidades genuínas das pessoas, as
ignorem. Nesses esforços, as comunidades locais e a riqueza cultural e
tradicional dos povos não podem ser desconsideradas ou destruídas em nome de um
conceito estreito e míope de progresso. Fazer isso, na realidade, correria o
risco de se tornar sinônimo de “colonização ideológica”. Nesse sentido, as
intervenções e os projetos devem ser planejados e implementados em resposta às
necessidades das pessoas e de suas comunidades, e não impostos de cima para
baixo ou por entidades que buscam apenas seus próprios interesses ou lucros.
Da sua parte, a Santa Sé
continuará a promover a dignidade humana e a dar sua contribuição específica
para o bem comum, oferecendo a experiência e o engajamento das instituições
católicas em todo o mundo, para que em nosso mundo nenhum ser humano, como
pessoa amada por Deus, seja privado do pão de cada dia.
Que Deus Todo Poderoso abençoe
abundantemente seus trabalhos e esforços em prol do progresso genuíno de toda a
família humana.
Vaticano, 18 de novembro de 2024
FRANCISCO
G20 no Rio de Janeiro
O G20, que reúne as 20 maiores economias do planeta, realiza sua cúpula nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro. O lema do evento, "Construindo um mundo justo e um planeta sustentável", reflete o compromisso do Brasil em promover acordos globais que combinem prosperidade econômica com inclusão social e desenvolvimento ambiental.
O encontro ocorre em um momento crítico, com o aumento de conflitos internacionais, desigualdade econômica e crises climáticas. A programação inclui debates sobre segurança alimentar, mudanças climáticas, saúde global e reforma do sistema financeiro internacional.
Além disso, o evento busca representar um compromisso com uma governança global mais equitativa e com uma transição ecológica justa e inclusiva. Entre os líderes presentes estão representantes dos Estados Unidos, China, Índia, Itália, Alemanha, França, Japão e outros países.
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