sábado, 31 de dezembro de 2022

TODOS OS PAPAS SÃO MORTAIS. SOBRE BENTO XVI

 Por Romero Venâncio


Bento XVI saúda os fiéis no dia de sua eleição como Papa, em 19 de abril de 2005


Informo antes: tudo nesse brevíssimo texto será pessoal. “Todos os Homens são mortais” é um titulo de um livro de Simone de Beauvoir. O romance conta a história de um príncipe medieval chamado Raymond Fosca que consegue o que mais queria: “um elixir da imortalidade”. Com tal feito, resolveria todos os seus problemas. Viu tudo que aflige a condição humana passar em sua vida eterna: amor, cobiça, morte, prazer, destino, transcendência, medo, fortuna. Em sua vigem pela história, ele enfrentará um único inimigo que havia esquecido de colocar na conta do “elixir”: o tempo. Pesou sob a eterna vida do príncipe e isto não lhe dava redenção alguma. 

Viver eternamente era sofrer eternamente e sem escapatória mais. Porém, o que antes parecia um privilégio torna-se uma verdadeira maldição. O drama de Fosca se desenvolverá nesse ambiente trágico de chegar ao ponto de desejar morrer sem poder morrer. A morte se tornaria um presente. Não acusaria jamais Simone de Beauvoir de “moralismo”. O romance não tem essa finalidade. Mas tem um objetivo singular no pensamento existencial da pensadora francesa: a morte tem sua sabedoria independente de se ter ou não alguma fé religiosa. Acompanhado o percurso do personagem de Beauvoir, sentimos o peso, o alívio e a justa medida de morrer. Todo poder, toda vaidade, toda loucura, todo desejo acabam no túmulo. E isto tem sua “educação pela pedra”. Aprendemos implacavelmente diante desta realidade, pensava a escritora-filosofa. 

Pode parecer estranho começar falando de um Papa e ainda mais, o recém falecido Papa Bento XVI com uma breve reflexão a partir de Simone de Beauvoir. Não era uma escritora que preferia o distinto prelado. Sei disso por suas posições teológicas. Talvez, na sua juventude, o religioso Ratzinger possa ter lido a pensadora francesa. O já Cardeal ou Papa Bento XVI jamais teria lido. E nesse momento aqui, isto não tem importância alguma. Nem para mim, nem para o Papa morto. O que interessa é a reflexão de Beauvoir e seu impacto universal, inclusive nos “infalíveis Papas”.

Três momentos da vida do cardeal Ratzinger/Papa Bento XVI me chamam a atenção. Apenas um recorte significativo e sem grandes pretensões.

Primeiro. A participação do jovem teólogo assessor dos bispos alemães no Concílio Vaticano II (1962-1965) e sua desilusão com o que ajudou a promover. O teólogo Ratzinger foi influente num Concílio que mudou profundamente o catolicismo romano no mundo. Modernizou a Igreja e a fez tornar-se atual ao seu mundo. Isto não é pouco numa instituição milenarmente conservadora. 

Os ventos dos anos 60 entraram dentro da Igreja Católica e varreram muitas coisas e o teólogo Ratzinger sentiu na pele ao retornar para a Alemanha e viu uma juventude rebelde e uma Igreja frágil demais diante daquele terremoto eclesial. Abandonou o ensino universitário e se recolheu aos estudos de teólogo com uma força grande. Espelhou-se em três temas: Permanência, Ordem e Tradição. Com isto, morria o teólogo progressista dos anos 60 e nascia o teólogo conservador. Se tornará bispo, cardeal. Homem das entranhas do Vaticano nos anos 80. Prelado de confiança de João Paulo II e prefeito da temida “Congregação para doutrina da fé” (Leonardo Boff que o diga!!!).

Segundo. A perseguição a “Teologia da Libertação”. O Cardeal Ratzinger chegou a escrever um documento enquanto presidindo a Congregação para doutrina da fé em 1986. O famoso: “Instrução sobre a liberdade cristã e a libertação”. Definiu toda a crítica a teólogos/teólogas na América Latina, em particular. Ratzinger combatia teoricamente a teologia da libertação e João Paulo II combatia na linha de frente nomeando bispos e cardeais conservadores e ainda dando corda solta a movimentos reacionários, como “Opus Dei”, por exemplo. Momento triste da Igreja. De profunda desilusão na chamada “igreja dos pobres” na América Latina. Parte do reacionarismo presente hoje no catolicismo vem destes anos 80 cruéis. Era a aliança João Paulo II, Reagan e Thatcher contra o “comunismo”. Sabemos hoje o resultado.

Terceiro. A renúncia do então papa Bento XVI. O cardeal Ratzinger se torna Papa em 2005 com a morte melancólica de João Paulo II. Uma Igreja em crise e acossada por uma série de denúncias mundiais de pedofilia e corrupção interna. Parecia uma Igreja cansada e dominada por um pensamento conservador consolidado. O Papa Bento XVI se torna Papa nestas condições e conjuntura. De intimidade violada por um secretário particular a conflito com Muçulmanos, Bento XVI foi perdendo a liderança interna e externa à Igreja. Escreveu “Encíclicas” relevantes, mas sem o impacto devido. Renunciou de maneira inédita na Igreja e se recolheu humildemente.  

O teólogo Ratzinger, um dos maiores da Igreja, sacrificou sua carreira para ser guardião da Fé. E pagou um preço por esta decisão. Siga em paz.

Morre Papa Bento XVI: relembre a trajetória do Papa Emérito. Por Padre e Historiador José Oscar Beozzo



BENTO XVI, O PAPA DA RENÚNCIA QUE MUDOU A IGREJA

*Por Jorge Alexandre Alves*

Nem mesmo no último dia do ano, 2022 poupou uma personalidade mundial. O bispo emérito de Roma, Bento XVI faleceu em avançada idade. 

Homem reconhecidamente polido e afável no trato pessoal, intelectualmente erudito e muito firme em suas posições teológicas. Joseph Ratzinger foi protagonista importante nos últimos 40 anos da história do catolicismo.

Foi perito teológico no grande evento da Igreja nos últimos 100 anos, o Concílio Vaticano II. Contudo, se afastou das intuições mais inovadoras daquele momento exuberante do catolicismo. 

Dizem que se assombrou após as manifestações dos jovens em 1968 em várias partes do mundo (França, Alemanha, Itália, México, Japão...) e com a contracultura, o movimento hippie e a geração sex, drugs and Rock'n'roll. E passou a considerar que o Vaticano II havia dado um passo gigante demais.

Como grande teólogo, juntou-se a outros de viés mais conservador e criou a revista acadêmica Communio. Era um contraponto a outra revista teológica, Concilium, formada por um outro grupo de teólogos, quase todos peritos conciliares, que defendia as reformas do Vaticano II e seu aprofundamento. 

Na Concilium estavam todos os grandes teólogos europeus daquele momento: Congar, Ranner, Metz, Schillebeeckx e Hans Kung. Este último seu colega na Universidade de Tubingen, com quem teve profundas disputas teológicas.

Naquele momento, se definiu um traço marcante da  personalidade intelectual de Ratzinger: sua grande dificuldade em dialogar com os fenômenos sociais contemporâneos. Este elemento talvez seja a chave para compreender como uma figura tão doce nas relações interpessoais tenha sido tão duro com a liberdade do pensamento teológico enquanto dirigente eclesiástico.

No plano teológico, foi o grande executor do projeto de pontificado de São João Paulo II, a "volta à Grande Disciplina", na expressão do jesuíta João Batista Libânio. Como Wojityla, teve grandes dificuldades para compreender o "zeitgeist" (espírito de uma época) da Igreja Latinoamericana. 

Por aqui, como inspiração conciliar, a questão da pobreza e da necessidade de uma profunda reforma da Igreja produziram as a comunidades eclesiais de base (CEB's) a Teologia da Libertação e a Leitura Popular da Bíblia. Infelizmente, com Ratzinger à frente do antigo Santo Ofício (Congregação para a Doutrina da Fé), teólogos foram condenados, práticas pastorais foram silenciadas e seminários forma fechados.

Como professor e teólogo, não poupou esforços em financiar a publicação da Tese de Doutorado de Leonardo Boff. Como Prefeito do ex-Santo Ofício, colocou o maior teólogo brasileiro vivo na cadeira que Galileu sentou quando processado pela Inquisição. Fantasmas da pós-modernidade com quem sempre teve dificuldades em dialogar?

Isso abriu espaço para o fundamentalismo católico e reforçou o clericalismo. No Brasil, reforçou a presença da Igreja junto a setores médios e afastou  a periferia do catolicismo, iniciando o processo de perda de capilaridade social da Igreja, mais de trinta anos atrás.

Para continuar o projeto de João Paulo II, o "Panzer  Kardinal" é eleito papa e adota o nome de Bento XVI. Na perspectiva da "hermenêutica da continuidade", entendia o Concílio muito como um seguimento dos concílio anteriores do que uma inovação em termos católicos. 

Bento resgata símbolos medievais do papado, autoriza a volta da missa em Latim. Prevalecia a ideia que retomar parâmetros dos tempos de Trento salvaguardaria a Tradição da Igreja.

Ao mesmo tempo, o catolicismo é marcado por escândalos. A chaga da pedofilia e dos abusos sexuais sangra e envergonha a Igreja. 

Ratzinger, alquebrado pelo cansaço e pela idade, viu-se sem forças para conduzir a Igreja em meio a sua mais grave crise em 200 anos. Diante de tal cenário, fez aquele que ficou marcado como o grande ato de seu pontificado. 

Bento XVI renunciou ao governo da Igreja, abrindo caminhos para a necessária renovação do papado e da urgente reforma da Igreja, conduzidas por Francisco. As mudança trazidas pelo Papa oriundo do fim do mundo não se deram sem grande resistência de parcela da Igreja.

A renúncia do Papa Ratzinger foi ao mesmo tempo, ato de grande humildade, coragem e de amor a Igreja. Mas,ao mesmo tempo, é também reconhecimento que determinado projeto de Igreja estava equivocado.

Hoje, esta figura tão importante da história contemporânea do catolicismo se foi. Podemos criticar suas opções teológico-eclesiais, mas não podemos duvidar de sua honestidade intelectual, nem, dentro de suas convicções, de seus esforços em servir a Igreja.

Muito ainda será escrito a respeito do legado de Ratzinger e de seu papel na história recente do catolicismo. Que Bento XVI descanse em paz e seja acolhido por Deus pela eternidade.

*Jorge Alexandre Alves é Sociólogo, professor e do Movimento Nacional Fé e Política.

Leia também:







Mauro Alexandre Pereira de Almeida
"Para aqueles que querem entender melhor a Igreja Católica nos tempos atuais recomendo esse ótimo filme do diretor Fernando Meirelles."


Uma boa conversa sobre o filme consta na  live abaixo. (acrescentado em 02/01/2023).





Ratzinger, o papa que entregou o 3º mundo aos neopentecostais, 
Houve tempos em que a Igreja católica tinha a bandeira da aproximação com o povo, levantada por João 23.
por Luis Nassif no "Jornal GGN"
Nos elogios ao papa Ratzinger, falecido ontem, o mais recorrente foi sua coragem de ter renunciado ao papado. É uma interpretação nova ao termo coragem. Ele renunciou devido ao fracasso da Igreja católica, iniciada por seu antecessor, João Paulo 2o. É impossível a qualquer movimento religioso prosperar sem a bandeira da esperança. Os neopentecostais têm a bandeira do conforto religioso e da teologia da prosperidade. Houve tempos em que a Igreja católica tinha a bandeira da aproximação com o povo, levantada por João 23.
Conheci de perto – e de militância – as duas igrejas, a de antes e a durante o papado de João 23. A de antes era a Igreja imperial, dos grandes jogos políticos, disputando com a maçonaria o poder federal e nas menores localidades. Os jovens eram convocados para serem Cruzados Marianos, umas concepção semi-militar. Em Poços de Caldas era representada pelo Monsenhor Trajano Barroco, que usava o instituto da excomunhão como arma política. E obrigou meu pai a sair da maçonaria para poder casar na Igreja com minha mãe.
Era a Igreja também dos Irmãos Maristas e seus colégios com internatos. Já havia pedofilia, mas o temor reverencial despertado pela Igreja blindava todos os abusos. O mais abusador saiu consagrado de Poços, inclusive com militância política em favor do PSD, e morreu consagrado no Colégio Marista de Brasília, com todos seus crimes não saindo dos limites dos cochichos entre alunos. Foi esse bolor pestilento que João 23 começou a espanar com suas encíclicas, espalhadas em Poços de Caldas pelas freirinhas maravilhosas do Colégio São Domingos.
De repente, a parte mais idealista dos jovens encontrava uma bandeira pela frente. No GGN, nosso grupo de ação católica, íamos conhecer de perto a realidade do Serrote, a favela mais pobre de Poços. Levávamos alimentos, ajudávamos nos mutirões para a construção de casas, e levávamos a mensagem de João 23 aos desassistidos. Nas missas, os rituais em latim foram substituídos pelo português. Os celebrantes deixaram de celebrar de costas para os públicos. E renovaram-se as músicas. Cantei, cantei e cantei, em missas, casamentos, em Poços, em Santos, cantigas como “Andança”, “Morrer de Amor”, “Canção do Medo”.
De repente, tudo afundou. O Relatório Rockefeller, de 1969, apontando a Teologia da Libertação como ameaça aos Estados Unidos, o pacto infame entre João Paulo 2o e o governo Reagan, tudo isso pode ser lido no “Xadrez das insurreições bolsonaristas”. A Igreja, perto do povo, acabava com o temor reverencial e inibia a atuação dos padres pedófilos e das negociatas. Aliás, quem critica o negocismo dos pastores de hoje deveria ir atrás das histórias dos padres do começo do século 20, e os abusos de poder sobre fazendeiros e sitiantes crédulos.
Ratzinger foi uma continuação de João Paulo 2o. Morre como co-autor da maior derrota da Igreja católica, em um momento em que mudanças da mídia e dos hábitos preconizavam um mundo novo.

Por Faustino Teixeira  

"As razões de minha dificuldade de celebrar a passagem de Ratzinger. (acrescido em 02/01/2023)

Vejo-me na necessidade de justificar aqui as razões de minhas críticas ao cardeal Ratzinger, que se tornou papa Bento VI, quando ainda está sendo velado. 
Não desconheço os seus méritos de teólogo, com obras importantes publicadas quando ele estava em período de docência. 
Mas como homem de autoridade, sobretudo depois de tornar-se prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a partir de janeiro de 1982, tenho muitas críticas a seu respeito.
Foi doloroso para mim ver sua visão trituradora da teologia da libertação, e em particular sua punição ao amigo teólogo Leonardo Boff, que viveu momentos de grande dor depois de ter sido silenciado e punido pela Congregação da Doutrina da Fé. 
Seguiram-se tantos outros teólogos, também punidos por Ratzinger e seus auxiliares. Mas não só teólogos, também bispos importantes como Pedro Casaldáliga.
Uma dor particularmente difícil de ser por mim enfrentada foi a que se relacionou à punição de meu supervisor de pós-doutorado, o exemplar teólogo jesuíta Jacques Dupuis, que tive o privilégio de conhecer de perto e sorver com alegria os seus ensinamentos sobre o cristianismo e o pluralismo religioso.
O caso Dupuis, como ficou conhecido, foi um dos mais dramáticos ocorridos durante a gestão de Ratzinger na CdF. 
Sua presença na Gregoriana, como professor dos mais queridos, foi sempre motivo de muita desconfiança por Ratzinger. Seu livro principal, Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, de 1977, foi motivo de uma drástica notificação da CdF sob a presidência de Ratzinger. 
Depois de um longo sofrimento e tentativas de defesa, o seu livro veio notificado pela CdF em janeiro de 2001, pouco depois da publicação da famigerada Declaração Dominus Iesus, de agosto de 2000.
O caso Dupuis vem exemplarmente documentado no precioso livro “Il mio caso non è chiuso”. Conversazioni con Jacques Dupuis, de autoria de Gerard O´Connel. Trata-se de um volumoso livro, com 439 páginas, publicado na Itália pela Editora EMI, em 2019. 
Digo a vocês que li esse livro com lágrimas nos olhos, ao acompanhar a realista narração traçada no livro.
Não sem razão, o grande teólogo dominicano, Yves Congar, em seu “Diário de um teólogo” (publicado postumante pela CERF em 2000), identificou o Santo Ofício como a “Gestapo” católica. Ele e outros importantes teólogos como Henri de Lubac, tinham sofrido antes nas mãos desta instituição sombria. 
Na época de Ratzinger, outros tantos teólogos foram violentados em sua busca de livre expressão teológica. 
O caso Dupuis pude acompanhar mais de perto, pois sua punição ocorreu no período mesmo em que eu estava em Roma sob sua supervisão no pós-doutorado. 
No mesmo dia em que saiu a primeira matéria crítica à sua obra, ele estava em minha casa, a convite de minha família. Pude observar de perto o seu sofrimento. Dizia para mim na ocasião: "Não sei ensinar o que eu não penso".
No livro de O´Connel, infelizmente não publicado em português, o relato é impressionante. Vale lembrar que entre os consultores da CdF estavam quatro professores da Gregoriana, que não tinham lá suas simpatias por Dupuis. Entre eles os teólogos Albert Vanhoye e Karl Becker. 
Eles participaram da única reunião da CdF onde se tomou a decisão de condenação do livro de Dupuis. Durante o processo de investigação de seu livro, Jacques Dupuis foi convidado a deixar o ensinamento na Gregoriana e essa decisão foi afixada no átrio da Universidade Pontifícia, disponível para o olhar apreensivo de todos os estudantes. Uma humilhação...
Dupuis reconhece no livro-entrevista de O´Connel que não houve diálogo algum com ele. Foi uma decisão arbitrária, que passou por cima de todas as tentativas de respostas às observações críticas lançadas contra o seu livro. 
O que estava em jogo era a pesada crítica da CdF contra “os graves erros contra a fé” presentes em sua obra. 
Dupuis relata que tudo isso provocou nele uma “profunda angústia” e um “sentimento de revolta”. A dor foi ainda maior, pois ele não encontrou o apoio que precisava na própria comunidade da Gregoriana, com raras exceções.
Em sua última aula ministrada na Gregoriana, em 1997, onde eu estava presente, foi longamente aplaudido pelos cerca de duzentos alunos de seu curso. 
Ele mesmo sublinha no livro: “Recordo, em particular, quando me levantei, recebi um longo e forte aplauso, na aula magna, no que acabou sendo, minha última aula na Universidade”. 
Recorda que talvez os alunos pressentiam que aquela seria a sua última aula e quiseram saudá-lo com um generoso aplauso.
Dupuis ainda tentou continua atuando depois de sua punição pela CdF, mas as resistência, também de Ratzinger, continuaram vivas, impendindo sua atuação pública. 
O novo livro escrito por ele depois da notificação, finalizado em 2004, foi impedido de ser publicado: “Pluralismo religioso e diálogo”. As razões do impedimento eram claras: por motivos doutrinas e prudenciais. 
Em carta dirigida a ele pelo vice-reitor da Gregoriana, pe. Francisco Egaña, foi advertido sobre a vigilância de seus superiores sobre ele, e que provocar a CdF com um novo livro seria um dando não só para ele, como também para a Universidade e os Jesuitas.
Em sua resposta ao vice-reitor, publicada na ocasião, Dupuis sublinhou que tinha “perdido a vontade de viver desde 02 de outubro de 1998”. 
Na sequência dos acontecimentos, as coisas foram só piorando para ele, jogado ao túmulo do esquecimento. 
Foi convidado a receber um título de doutor honoris causa na Universidade de Toronto, mas foi aconselhado a não ir, como também ocorreu com todos as outras viagens previstas.
O livro “Perché non sono eretico”,  foi publicado postumamente, em 2012, mesmo estando pronto bem antes. Nesse livro, Dupuis comentava a sua opinião sobre a declaração Dominus Iesus e também todo o processo relacionado à sua notificação. 
O livro foi editado por William Burrows, e publicado na Itália em 2012, com base na versão original inglesa. Até hoje o livro também não foi publicado em português.
Voltando ao livro de O´Connel, Dupuis relata já depois da notificação, a ação controladora de Ratzinger continuou, com a censura às suas saídas para conferências, como sempre fazia. 
Em carta de Ratzinger ao superior de Dupuis, o padre Kolvenbach, em janeiro de 2002, ficava claro que o rechaço à presença de Dupuis em duas das conferências citadas era uma iniciativa pessoal dele, do "Panzer-Kardinal"
Dupuis foi também retirado da editoria da revista Gregorianum, da qual fizera parte durante muitos anos. 
Tudo isso ocorria sob o frio e indiferente olhar do reitor da Gregoriana.Todo o processo foi vivido por Dupuis com muito sofrimento. 
Ele dizia a respeito: “Passei e suportei uma profunda ferida que jamais terá cura. Não poderei ser a mesma pessoa de antes, que se alegrava com a vida com um senso de liberdade a que todos deveriam ter direito”. 
Dupuis relata que seu ensino na Gregoriana gozava de grande sucesso, mas isso também o fragilizava, provocando igualmente muito ciúme entre outros docentes. 
Relata que alguns diziam que os ataques que sofria tinham também como alvo a teologia asiática, de que era um entusiasta.
Dupuis chega a dizer no livro de O´Connel que o cardeal Ratzinger nem chegou a examinar pessoalmente o seu caso, restringindo-se a contentar-se com a opinião de alguns consultores da CdF. 
Fala ainda da própria “ignorância” dos cardeais que compunham a CdF a respeito de informações mais precisas sobre o seu processo.
O livro feito em homenagem ao seu trabalho de teólogo, em 05 de dezembro de 2002 (seu Festschrift) não recebeu nenhuma saudação dos altos funcionário do Vaticano, nem mesmo da Gregoriana. 
Durante o lançamento do livro-homenagem, Dupuis relatou com emoção que o único verdadeiro amor de sua vida tinha sido sempre Jesus Cristo.
Desde que ocorreu a notificação de seu livro, Dupuis passou a ser “abandonado” por sua Universidade. Mesmo recebendo a aprovação de seu superior, o padre geral, para permanecer morando na Gregoriana, ele percebeu que estava ali cada vez mais deslocado, com pouquíssimos os que ainda podiam acolhê-lo com carinho. 
Suas refeições eram feitas solitariamente. Seu sentimento e vontade era de deixar logo aquele lugar. Como recurso, contava apenas com os 150 Euros mensais para suas despesas pessoais.
Suas energias vitais foram minguando cada vez mais, e sua caminhada foi perdendo a luz. 
A dor por que passou, de dimensão violenta, foi aumentando, vindo a falecer pouco depois do Natal. Foi internado depois de desfalecer no refeitório da Universidade Gregoriana, e veio a falecer em 28 de dezembro de 2004.
Por causa disto e de tantas outras coisas, fica muito difícil para mim dizer que celebro com alegria a passagem de Bento XVI. 
O que posso afirmar, como católico peculiar, é que não consegui alcançar a virtude de amar Bento XVI. 
Lembro-me que quando ele se tornou papa, num dos jornais do dia seguinte, Leonardo Boff, afirmou: “Vai ser muito difícil amar esse papa”. 
Digo a vocês hoje, também com penar, que continuei tendo essa mesma dificuldade ao longo de sua atuação como papa. Peço a Deus, que o receba com carinho, mas há névoas que precisam ser ainda trabalhadas no seu juízo final."
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Sobre o filme "Dois Papas" - acrescido a esse post em 03/01/2023
Atenção! O artigo abaixo contém spoiler. Quem preferir pode assistir o filme antes e depois vir conferir o ponto de vista do teólogo Emerson Sbardeloti 


Bento XVI – Um Papa da velha cristandade
04/01/2023 LEONARDO BOFF

Sempre que morre um Papa toda a comunidade eclesial e mundial se comove, pois vê nele o  confirmador da fé cristã e o princípio de unidade entre as várias igrejas locais. Podem-se fazer muitas interpretações da vida e dos atos de um Pontífice. Farei uma a partir do Brasil(da América Latina), seguramente parcial e incompleta.
"O teólogo Joseph Alois Ratzinger é um típico intelectual e teólogo centro-europeu, brilhante e erudito. Não é um criador, mas um exímio expositor da teologia oficial. Isso aparecia claramente nos vários diálogos públicos que fez com ateus e agnósticos", escreve em artigo Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.



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Dois Bento XVI – Um Papa da velha cristandade

04/01/2023 LEONARDO BOFFDEIXE UM COMENTÁRIO

Sempre que morre um Papa toda a comunidade eclesial e mundial se comove, pois vê nele o  confirmador da fé cristã e o princípio de 

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