domingo, 7 de agosto de 2022

Para um velho menino do Rio... Para Caetano com amor...

 Chico Alencar 

CAETANAR O QUE HÁ DE BOM: CAETANO!

Caetano Veloso, 80, explica: "eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista/ o tempo não para e no entanto ele nunca envelhece".

Caetano é Emanuel, Deus conosco. E faz uma Oração ao Tempo, "um dos deuses mais lindos, compositor de destinos, tambor de todos ritmos", pedindo o "prazer legítimo e o movimento preciso/ de modo que o meu espírito ganhe um brilho definido/ e eu espalhe benefícios!". Assim tem sido!

Caetano que, menino do Rio, de Santo Amaro, do mundo, se desnuda com sua música, apostando: "vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor".

Caetano que sabe que "gente é pra brilhar, não pra morrer de fome". E que "no coração da mata, gente quer prosseguir/ quer durar, quer crescer/ gente quer luzir". E que "se as estrelas são tantas/ só mesmo amor: gente espelho da vida, doce mistério".

Caetano "caminhando contra o vento" do obsurantismo, das maldades, dos genocídios dos "podres poderes", dos "ridículos tiranos", que "fazem jorrar sangue demais, nos pantanais, nas cidades, nas caatingas e nos gerais".

Caetano "paim" de nossas utopias, menestrel de nossa sede de paraíso e gentileza, em que "Pelé disse love, love, love". 

Caetano mano de avoidade (ou seria "avoíce"?), que representa todos nós, os homens velhos, sendo hoje "vovô nervoso, teimoso, manhoso" (não, não vamos deixar continuar por "mais zil anos" ou dois meses o mando dos crápulas!).

Caetano que (en)canta "a vida amiga da arte, a parte que o sol me ensinou". Caetano leãozinho/tigreza, "coração vagabundo que não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer", gosto muito de te ouvir. E peço pra Deus proteger-te!

Alegria, alegria!


Romero Venâncio

NOTINHA SOBRE UM TEXTINHO DE PAULO FRANCIS SOBRE CAETANO VELOSO

Era 1983. Folha de São Paulo (que também pode ser chamada a “Falha de São Paulo”) sai um textinho do seu mais “polemista articulista”, ou seja, Paulo Francis sobre Caetano Veloso. O titulo já vai dizendo muito da bobagem entronizada com ranço intelectual: “Caetano, pajé doce e maltrapilho”. Caetano Veloso havia participado de uma entrevista de Roberto D`Ávila com Mick Jaeger e chamado a atenção dentro e fora do Brasil... E isto já despertava a inveja grosseira de Francis. Nem vou precisar apresentar Paulo Francis aqui... O texto já fala por si. As duas frases mais célebres do textinho: 

A primeira. “E é na minha opinião um cantor que sabe como ninguém unir e valorizar ritmos brasileiros e subprodutos populares que vieram do cool jazz e do bebop, esses dois marcos da história da música popular.” 

A segunda. “Mas ele prefere fazer o que chamei outro dia de “maltrapilho estilizado”, simbolizar a miséria raquítica de baiano interiorano brasileiro...”

Para quem quiser conferir todo o textinho do Francis, recomendo aqui: “Diário da corte”. Paulo Francis. Editora Três Estrelas, 2013. 

Sem dúvida alguma, nos textinhos virulentos de Francis uma direita atual que vemos por ai nas redes sociais e em jovens pântanos, tiverem suas origens... Nem precisa ir mais fundo. 

Lembrei disto porque Caetano Veloso hoje, 7/8, faz 80 anos. Sobreviveu com honras e criatividade aos Francis e aos pântanos que assolam ainda este brasil apequenado e sem projeto algum de grandeza. Tenho dito.

-------------------------------------------------------------

As ideias de Caetano Veloso em livros e ensaios... Bibliografia de um curso na UFS no fim do ano sobre "Caetano Veloso e uma ideia de Brasil".




07 de Ago de 2022, 15h00
Oração ao Tempo, do tempo de Caetano Veloso e seus 80 anos
Caetano Veloso: 80 anos com a dignidade do adolescente e do jovem dos anos 50 e 60

[*] Luiz Eduardo Oliva

O tempo, esse “Senhor dos Destinos”, costuma ser implacável. Vence no próprio tempo o tempo, e deixa as marcas nas rugas, no embranquecer dos cabelos que restam.  Hoje, 7 de agosto de 2022, o calendário registra os 80 anos de um artista multifacetado,  icônico, genial. Superlativos que ainda são pouco para definir sua grandeza: Caetano Emmanuel Viana Telles Veloso.

Numa das canções que canta sua terra, Santo Amaro da Purificação, cidade incrustada no recôncavo baiano, ao denunciar a poluição do rio Subaé, diz da sua origem, nascente primária, como o início dos rios de inspiração perene que nele desaguaria: “O amparo do sergi-mirim/ Rosário dos filtros da aquária/ Dos rios que deságua em mim/ Nascente primária”.

Olho fotos desse Caetano octogenário e digo a mim mesmo: "és um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho". Não, o tempo não lhe foi implacável. A jovialidade expressa no riso, no olhar, na fala, parece confirmar o pacto que fez na música “Oração ao Tempo”: “Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos.../ Tempo tempo tempo tempo, entro num acordo contigo...”.

O Brasil, no final dos anos 50 e início dos 60 do século passado, trouxe a bossa nova como o ritmo que encantaria o mundo. 

Mas foi outro movimento que tinha a Bossa Nova como esteio que inovou culturalmente o país, inegavelmente também contendo em suas cores a modernidade inspiradora da semana de de arte de 1922. 

Era um tempo de aridez pela ditadura que se instalava no país, onde a palavra estaria logo contida pela nefasta censura, e a alegoria era o caminho para dizer o que se queria dizer, mas não se podia dizer. 

Assim surgiu a “Tropicália” sob a liderança de um nordestino magro, cabelos ondulados dando vivas à já adulta “bossa”, à palhoça, à negritude (usando inclusive uma palavra hoje politicamente incorreta): “eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval... Viva a bossa-sa-sa/ Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça/  O monumento é de papel crepom e prata/ Os olhos verdes da mulata”. Dali em diante - e eu nem sabia -, parte da trilha sonora da minha geração se iniciava. 
Um dia Caetano cantou também Aracaju, pouco depois do seu forçado exílio no tempo da ditadura e dizia: "Chegar no Brasil por um atalho/ Aracaju terra cajueiro papagaio/  moqueca de cação no João do Alho".

Ironia do tempo, no tempo dos seus 80 anos o João do Alho - até há pouco tempo o mais tradicional restaurante aracajuano - fechou e virou memória. Culpa desse tempo, tão difícil, tempo compositor de destinos! 

Olho mais uma vez Caetano e vejo o seu derredor: Gilberto Gil, Chico Buarque,  Milton Nascimento, Gal Costa, Maria Betânia... nomes que o tempo não fez passar. 

“Nossos ídolos - para o nosso bem - ainda são os mesmos” como cantou Belchior. E de fato, para o nosso bem e  para a nossa felicidade num tempo de tanta mediocridade, essa brilhante geração já octogenária não para de criar. 

Talvez nem em 100 anos outra geração tão genial. A voz e a inteligência ativa de Caetano, mais que atual, se fazem necessárias: "Então cada paisano e cada capataz/ com sua burrice fará jorrar sangue demais/ nos pantanais, nas cidades caatingas e nos gerais". 

Parece que escreveu para esses dias. Porque de fato continuam a ressoar, numa impressionante atualidade, ridículos tiranos? Será, será, que será? Na banalidade do mal que se impregnou nesse país, ouçamos Caetano: "Enquanto os homens exercem seus podres poderes/ morrer e matar de fome de raiva e de sede/ são tantas vezes gestos naturais" .
Em Sergipe, agentes federais mataram um preto pobre em estúpida câmara de gás como se fosse natural matar. Vale parafrasear o próprio Caetano em Oração ao Tempo: por seres tão inventivo e pareceres contínuo, Caetano tão maravilhosamente divino, em tua obra és um dos deuses mais lindos!

Que sejas ainda mais vivo, no som do seu estribilho, tempo, tempo, tempo, tempo! Que o tempo, esse Senhor dos destinos te dê mais vida, vida, vida, vida!

[*] É advogado, poeta, ex-secretário de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas

Fonte:

Nenhum comentário: