domingo, 28 de maio de 2023

A esquerda brasileira não entendeu a mensagem da Teologia da Libertação (série - trabalho de base 3)

Toninho Kalunga - Ex-vereador do PT em Cotia. Foi coordenador Estadual de Formação Política do Diretório Estadual do PT/SP. Cristão católico ligado aos Orionitas no Santuário São Luís Orione

O PT abriu mão da formação de base, abriu mão dos núcleos de base, abriu mão da relação com os movimentos que ousavam questionar a governabilidade

Uma das razões - entre tantas outras - que explicam a dificuldade da esquerda brasileira em compreender o fenômeno da votação da extrema direita, é o afastamento da esquerda das bases religiosas. Até aqui, a esquerda consegue chegar e até reconhece isso. Mas não consegue avançar a partir desta premissa. 

Então, como não compreendem, também não conseguem associar, que o afastamento destas bases, que foram fundamentais na organização dos primórdios do PT e nesse sentido, das esquerdas no pós golpe de 1964, geram um vácuo no alicerce entre a esquerda e a organização popular nas periferias, deixando uma estrada livre para a direita “pintar e bordar”, como dizia minha amada avó. 

Então, quem não é ligado a essa questão, faz valer uma visão estereotipada e generalista sobre evangélicos e católicos, deixando de enxergar que os religiosos têm uma relação umbilical com a organização popular nas periferias e que, sem eles, não se consegue mobilizar as massas populares, no campo e na cidade. 

Após o surgimento do PT, todos os outros partidos de esquerda, que nasceram das entranhas do PT, como exemplo o PSTU em 1992 e o PSOL em 2005 são casos clássicos do afastamento desta relação com a religiosidade. Com a diferença de que o PSOL tem uma nova geração que vem retomando, com muita qualidade, o contato com a religiosidade do povo, haja vista a presença de lideranças como o Pastor Henrique Vieira no Rio de Janeiro, várias lideranças jovens em São Paulo e o engajamento político de muitos militantes da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) no norte e nordeste e PJ (Pastoral da Juventude) no sudeste brasileiro, além da identificação com as religiões de matizes africanas. 

Para compreender isso mais claramente, a última geração religiosa formada no PT, que ocupa cargos de direção nas instâncias partidárias ou tem cargos eletivos, é uma geração formada nos anos 90, portanto, tem entre 45 e 55 anos de idade. As outras lideranças que fazem parte da fundação do PT e são as mais expressivas, têm entre 55 e 75 anos de idade, logo foram formadas entre os anos 60 e 80 do século passado. 

Ou seja, a partir dos anos 2000, o PT, ao mesmo tempo que se distanciou dos católicos, não conseguiu se aproximar dos evangélicos e de quebra não conseguiu renovar suas lideranças que compunham o campo religioso do partido. 

A tão necessária governabilidade foi um dos fatores mais relevantes para esta situação. Ao final do governo Lula 2, a popularidade dos governos do PT eram tão altas que era comum ouvir lideranças do partido dizer que a relação com a sociedade não dependia mais de organização religiosa ou movimentos populares. Era uma relação direta do governo com o povo. Deu no que deu. O PT abriu mão da formação de base, abriu mão dos núcleos de base, abriu mão da relação com os movimentos que ousavam questionar a governabilidade.

Aliás, para muitos, em nome desta governabilidade movimentos populares como o MST e MTST, ao agir para reivindicar direitos ocupando fazendas ou prédios abandonados, “atrapalhavam o governo”. O mesmo acontecia com sindicatos, particularmente dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Basta ver a situação do sindicalismo brasileiro para entender as consequências desta visão política. Pois, estas mesmas lideranças fizeram acreditar que os ganhos - que foram reais - do poder de compra dos salários dos trabalhadores e a melhoria de vida “da soleira pra dentro” (lembram dessa frase) das casas, seria o suficiente para que a classe trabalhadora reconhecessem o PT como sua proteção integral. 

O que não percebiam, embora tenham sido avisados, é que no campo religioso, desde o primeiro governo de Lula, setores conservadores da extrema direita, jamais deixaram de atacar, mentir e usar a fé do povo como instrumento de luta política. As fake news contra o PT, com relação a um suposto comunismo, fechamento de Igrejas entre outras sandices, jamais teve respostas no campo da formação de base do PT. Havia respostas indignadas contra a mentira que religiosos perpetuam desde o início do século XIX, mas formação de base, não. 

Retomar esta discussão sobre a importância de dialogar com os setores religiosos da sociedade é, então, uma das tarefas mais importantes que o PT e os partidos de esquerda precisam fazer para combater o bolsonarismo reinante entre os mais pobres, que são as mais afetadas pela falta de políticas públicas e assim desmascarar as falsidades dos religiosos que agem como fariseus, vendendo o povo para os poderosos. 

Para isso, é necessário ouvir coletivamente e não apenas indivíduos. O PT precisa fazer o que o Papa Francisco está fazendo. Um processo de escuta. Para superar essas visões individualistas, é necessário ouvir o conjunto dos religiosos, que vão desde os militantes de base, passando pelos simpatizantes e chegando aos que são contrários ao PT ou à esquerda, dando ênfase particularmente à juventude que está inserida no meio religioso. 

As gerações religiosas dos anos 70,80 e 90, que militam no campo de esquerda, tem uma visão de mundo e por consequência da Igreja, que já não existe mais. Nem aquela Igreja, nem aquele mundo. Portanto, também não temos mais “aquele PT”. Aliás, o próprio comunismo se reformulou, haja vista, o sistema econômico chinês. 

Curiosamente, o Papa atual é mais “progressista” até mesmo que parte da base progressista da Igreja e tem mais coragem em enfrentar os conservadores da Igreja em discussões como da diversidade sexual e temas como Terra para os agricultores, Teto para as famílias e Trabalho para os pobres e é o mais eloquente defensor de sair deste lugar comum de demonizar o suposto comunismo que não existe mais.

Diante deste diagnóstico, pelo lado da Sé Romana neste mesmo período, passou Igreja Católica, os Papas João Paulo II e Bento XVI, que em razão de suas experiências pessoais que testemunharam os horrores das guerras em solo europeu, decidiram combater com a mesma ênfase com que combateram o comunismo ditatorial do Leste Europeu, combate as CEB´s no Brasil e a Teologia da Libertação na América Latina. 

Então a premissa - que é verdadeira - que o mundo que existiu nos anos 70 e 80, não existe mais, o mesmo se aplica e deve ser ouvido também pela Igreja, pois CEB´s, CEBI, CJP, Pastorais Sociais, como Pastoral da Ecologia Integral, do Menor, da Criança, Carcerária, da Terra, da Mulher Marginalizada, dos Negros e Negras e tantas outras, são a base mais coerente que esta Igreja tem com o Evangelho, que leva e levou necessariamente a defesa dos direitos dos trabalhadores e excluídos, ontem e hoje e continuará assim, no amanhã.

E esta é uma tarefa de esclarecimento e educação política que cabe aos setores de formação da esquerda como um todo e do PT em particular, em compreender, estudar e formar no sentido de combater a mais duradoura fake news política que temos na América Latina. Eis aqui, outra premissa cristã. Onde há escuridão, que se leve à luz.

O PT, que foi fruto desta Teologia da Libertação, tinha uma proposta clara para responder os anseios do povo brasileiro tendo como uma de suas bases, a religiosidade do povo. A Teologia da Libertação continua firme e se atualizou. 

O PT, neste ponto, ainda não. A TdL inseriu e aprofundou temas como Ecologia Integral, mundo do trabalho, economia solidária, inserção da diversidade religiosa e acolhimento da diversidade humana, nos campos da moralidade, sexualidade, conceitos de evolução e vem dialogando cada vez mais nas dimensões das periferias geográficas e humanas do nosso povo, inclusive para além do cristianismo, e assim tem aprendido com a teologia indigena, africana e oriental, buscando assim o amor universal, pois como diz a canção de Taizé:

“Onde reina amor, fraterno amor.

Onde reina amor, Deus aí está”.

O PT e sua direção, por alguma razão, com suas raras e essenciais exceções, em algum momento entendeu que não precisava mais destas reflexões da tridimensionalidade humana, onde o intelecto, a matéria e a fé se juntam. Acabou ficando na dependência do centrão com seu setor religioso venal e corrompido dos valores mais elementares do Evangelho e de todas as religiosidades do nosso povo, que buscam compreender e se comprometer com essa tridimensionalidade. 

O que substituiu isso foi a promessa da obscuridade trazida pela teologia da prosperidade, que tem como resultado um povo passa fome porque seus pastores e lideranças se transformam em lobos.  

O efeito político e religioso do encontro de Lula com o papa

https://www.dw.com/pt-br/os-efeitos-pol%C3%ADticos-e-religiosos-do-encontro-entre-lula-e-o-papa/a-52373604

Para saber mais sobre Teologia da Libertação mediada pela sétima arte, recomendamos a live abaixo:

LIVE CINEMA E INTERPRETAÇÃO DO BRASIL

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO CINEMA. SOBRE QUATRO FILMES

- Frei Tito. Marlene França, 1983

- Igreja da libertação. Silvio Da-Rim, 1985

- Igreja dos oprimidos. Jorge Bodanzky, 1986

- Fé/Pé na caminhada. Conrado Berning, 1987

Com Romero Venâncio (UFS)

29/5. Segunda. as 19h. no Instagram romerojunior4503

KONRAD BERNING & A VERBO FILMES. UMA MEMÓRIA DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Konrad Berning foi missionário, comunicador, profeta e parceiro das grandes causas dos excluídos da América Latina. "Verbita" (Congregação religiosa que fez parte) de pura cepa, ele viveu os últimos anos e faleceu na cidade de Münster, Alemanha. Por coincidência, o mesmo local onde estudou e foi ordenado Na Congregação do Verbo Divino, família à qual ele pertenceu. Konrad trabalhou diocese de Santo Amaro, SP, e por lá viveu por muitos anos e alavancou muitos sonhos que se fizeram realidade em imagens e vozes que alimentaram a caminhada da Igreja no Brasil, na América Latina e no mundo ao longo dos últimos 40 anos. Ele soube detectar, selecionar e ir ao encontro de tantas vidas que se colocaram a serviço de uma Igreja construtora do reino da justiça, da verdade e da paz, conforme o impulso dado pelos padres conciliares durante o Concilio Vaticano II. Ao longo de sua vida Konrad mostrou-se um missionário Brasileiro e Latino Americano (nascido na Europa) que partilhava em forma de imagens e vozes, a paixão e o vigor da Igreja na América Latina pós Vaticano II. Animado pelo espirito do Concilio e pelas recomendações dos Capítulos Gerais da Congregação do Verbo Divino e pela teologia da libertação demonstrou seus talentos de educador e comunicador já no inicio de sua missão em Curitiba e Foz do Iguaçu como formador e vigário paroquial.

A "Verbo Filmes" foi fundada em 1979 por Konrad Berning que tinha formação na Academia de Cinema da Alemanha. Konrad dirigiu a produtora até 1994, sendo ganhador de vários prêmios nacionais e internacionais, com os filmes de longa-metragem produzidos em 35 mm : "Pé na Caminhada", "Ameríndia" e "O Anel de Tucum". Em 1994 a direção da produtora ficou a cargo do cineasta e missionário verbita, Cireneu Kuhn. A grande variedade de produções da Verbo Filmes tem alcançado um lugar de destaque no âmbito das comunidades eclesiais, das dioceses e das escolas, pela alta qualidade técnica e pelo bom conteúdo de seus produtos. Dom Ivo Lorscheider, então presidente da CNBB, no dia da fundação da VF aconselhou: “... procurem criar e evangelizar com imagens nossas, do Brasil e da América Latina; com imagens que o povo entenda e assimile com facilidade, em vez de trazê-las de fora e simplesmente traduzi-las”.  

Hoje, segunda,  29 de maio de 2023, as 19h. no Instagram romerojunior4503 teremos uma live sobre A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO CINEMA onde voltaremos a falar da "Verbo Filmes" como produtora fundamental no trabalho popular da Igreja católica no Brasil... Será uma homenagem a Konrad Berning.

sábado, 27 de maio de 2023

Da série: Falar em necessidade de trabalho de base é fácil..... (2)

O desafio é fazer muitos da esquerda entender o quanto de energia em forma de conhecimentos, tempo, recursos financeiros, pacîência e etc., serão necessários para melhorar este cenário.. Tudo que não foi feito há tempos atrás ou que foi realizado com pouca energia...

terça-feira, 5 de abril de 2022

Falar em necessidade de trabalho de base é fácil, mas fazer.....

 Para surgir um vigoroso e permanente movimento de massas é necessário um trabalho de base de anos, feito por um grupo insistente de pessoas com muita confiança no porvir...

Não é uma ação educativa e politica realizada por gente que espera resultados de curto prazo, e expressos em votos para àqueles que doam a vida em prol do povo mais pobre, excluído, marginalizado.



Nenhum comentário: