segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Contando histórias da convivência com a professora e vereadora Ângela Melo. Por Paulo Victor, Irene Smith, Sintese, Narcizo Machado, Thiago Paulino


 "vem cá, a lua tá cheia
vamos contar histórias
falar de coisa boa
vem cá olhar para as estrelas
vamos criar memórias
elogiar pessoas"
Canção "Lua Cheia" do grupo 5 a Seco  

Irene Smith via Instagram

Quero falar de saudade, gratidão, aprendizado.... esses dois anos foram intensos, exatamente como és inteira em tudo que fizestes na vida. 

A melhor mãe para os filhos, A melhor avó para os netos, A melhor amiga e companheira na vida, nas lutas, nas ruas.. 

Lembranças da parada lgbtqiapn+  de 2022 que fiz a tua roupa e a distribuição de comida no dia de Natal para os moradores em situação de rua, dentre um montão de outras lembranças.

Acompanhei de perto esses três últimos meses da tua vida, sendo testemunha da tua vontade de ficar bem,  de voltar pra casa, de voltar para a Câmara, para a militância... de como ficou feliz com o vídeo que Ana Júlia fez da tua casa, mostrando que tudo estava do mesmo jeitinho que havia deixado... de como querias saber de tudo o que estava se passando no gabinete, sempre perguntando como estava cada um e cada uma... sempre forte!

E agora concluiu a tua passagem por aqui, vai nos deixar saudades da tua presença física, mas te encontraremos sempre no  legado histórico de luta construído incansavelmente com muito amor, dor e alegria.

Um brinde a VIDA sempre!!!!

Paulo Victor via Instagram

Uma carta para a "minha verea"

Quando eu conteique mudaria para Portugal, ela soltou logo: "negão, você é foda, vai me abandonar é?". Ela estava no primeiro ano de mandato parlamentar. Já nos conhecíamos há uns bons anos. Fui jornalista da Revista Paulo Freire, do SINTESE, quando ela presidia o sindicato. Coordenei a comunicação de sua candidatura a deputada federal em 2018.

Não ganhamos aquela (que foi a sua primeira disputa eleitoral), mas foram muitas as noites e finais de semana em estúdio, acompanhando a gravação e edição dos seus vídeos.

"Bora, minha candidata, tem que decorar esse texto para não passar o tempo", eu dizia. Já era a terceira ou quarta gravação de vídeo para TV. A resposta dela, na frente do pessoal do estúdio, era: "negão, vá se arrombar!". A gargalhada que vinha na sequência era certeira: a próxima gravação dava certo. Decorar, definitivamente, não era a dela. Ainda bem.

Pronto. De lá, era comum pararmos num boteco para uma cerveja gelada. Ela era chegada numa Heineken, mas o critério primeiro era: "tem que estar gelada!". Eu até brincava dizendo que os alemães bebem cerveja "natural", ao que ela respondia com um "e eu sou alemã, seu porra?". Já estávamos gargalhando novamente. E, provavelmente, com as bocas cheias de farofa que acompanhava algum espetinho. O melhor era o de Roberto, ao lado da Assembleia Legislativa de Sergipe (da última vez em que fui ao Brasil, lá "batemos o ponto" rapidamente).

Quando a resenha era em sua casa, costumava ser uma garrafa de vinho, e não de cerveja, no centro da mesa. Ela gostava dos chilenos e argentinos. E não me refiro só ao vinho. Hahaha. Fazíamos piada disso também. Como era maravilhosa a risada de Ângela...

Numa das vezes em que estive no Brasil desde que mudei para Portugal, fui com ela até o Centro de Aracaju. Fiz registros em foto do seu diálogo com pessoas em situação de rua. Já passava das 20h e ela lá, conversando, ouvindo aquelas pessoas, sem qualquer pressa, com um profundo respeito. Como Ângela se sentia bem ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras... Afinal, ela era uma, nunca deixou de ser, nunca abandonou o seu lado na história. A sua atuação na Câmara de Aracaju foi prova disso!

A Ângela que xinga, a Ângela espontânea, a Ângela que brinca, a Ângela que faz piada, a Ângela que se revolta com o que causa revolta, a Ângela que ama, a Ângela que sorri, a Ângela que enfrenta o poder e os poderosos. Serão tantas expressões de Ângela para lembrar...

Que privilegiado eu fui por conviver - e aprender tanto - com você, "minha verea" (como passei a chamá-la a partir de 2021). Te agradeço muito por isso!

Ainda estou chorando, mas a primeira cerveja - gelada! - será em sua homenagem. Tome uma por nós também, viu?

_Um abraço do negão (Paulo Victor Melo), 06.10.2023_

Narcizo Machado

Morte de Ângela é a passagem da militante fiel com efeitos na representação feminina

A perda de uma figura pública como Ângela Melo tem impactos em diversas dimensões. Militante da esquerda do PT, Ângela tinha por característica a combatividade e a dureza da sinceridade. Mas elas eram unidas à leveza de um ser humano que, efetivamente, amava a vida e a viveu com intensidade.  

Certa feita, ela me fez, em particular, duras críticas por análises que emiti sobre o que por vezes considero um endeusamento de Lula. O fim do papo foi com um doce abraço. Bem ao seu estilo, dura sem perder a ternura.

Ângela, assim como muitas mulheres, era o esteio da família. As palavras da neta, Ana Carolina, em entrevista ao Jornal da Fan, transfiguram sua importância para os seus. (Confira matéria)

Nos movimentos sindicais ela ocupou espaços estratégicos, o que mostra sua capacidade de atuação e empoderamento. Ângela era respeitada nacionalmente e fez parte da direção nacional da Central Única dos Trabalhadores, a CUT.

Trago um exemplo para mostrar sua fidelidade ao mundo sindical e aos seus companheiros. Busquei Ângela para uma entrevista, mas ela estava evitando a imprensa. Era momento de um rompimento na direção do Sintese. Ela seguiu com Ana Lúcia e o grupo dissidente e evitou debates públicos. Em off, ou seja, com pedido de não publicação, ela chegou a revelar suas impressões dos erros cometidos e justificou a negativa da publicação.

Segundo a professora, não era prudente expor as fragilidades para não enfraquecer a luta e a classe trabalhadora. Com essa ponderação, ela evitou os holofotes da crise para preservar a instituição que um dia presidiu.

Sua trajetória lhe levou à Câmara de Vereadores de Aracaju. O presidente decretou luto de cinco dias após a sua morte. Para se eleger, ela enfrentou dura eleição em 2020. No seu campo de militância, havia vários candidatos líderes sindicais que tinham força. Ela foi a mais votada entre eles, vencendo Adelmo, que presidiu o Sindipema, e Joel, que assim como ela presidiu o Sintese, todos no PT. Sem contar Sônia Meire pelo PSOL.

A partida de Ângela afeta de cheio a já diminuta representação feminina em Aracaju. Agora ficarão apenas três: Emília Corrêa, Sônia Meire e Sheyla Galba.

Que sua história inspire outras mulheres e que um dia, quem sabe, a representação de gênero seja igualitária nos espaços de poder. Independente do campo ideológico.

 A matéria no portal FAN AQUI 

SINTESE

 É com infinito pesar que o SINTESE informa o falecimento da professora Ângela Maria de Melo. A morte foi confirmada no início da manhã desta sexta, dia 06, de parada cardíaca. Ângela tinha, há poucos dias, tido alta hospitalar onde passou três meses em tratamento contra uma pneumonia. 

Professora de História aposentada da rede estadual e rede municipal de Aracaju, Ângela integrou o movimento sindical e partidário desde os anos 80. Integrante de diversas gestões do SINTESE, presidiu o sindicato em dois mandatos, atuou também como dirigente estadual e nacional da Central Única dos Trabalhadores. 

Quem conviveu com Ângela sabe que ela sempre tinha uma palavra de ensinamento, de conforto, de acolhimento, de encorajamento para cada um e cada uma. 

Seu jeito assertivo de viver e fazer a luta pela classe trabalhadora por muitas vezes não era compreendido, mas isso não a impedia de seguir em frente, de assumir as tarefas, de ser acolhedora. A última como vereadora pela cidade de Aracaju, integrando as comissões de Ética e de Educação, Cultura e Esportes.

Sua presença física fará falta, muita falta, mas a sua história e a sua luta ficarão para sempre em nossos corações e mentes.

A direção do sindicato, as coordenações das subsedes e os funcionários do SINTESE se solidarizam com a família da professora Ângela.

Ângela Melo, PRESENTE!

Ângela Melo, PRESENTE!

Ângela Melo, PRESENTE!

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sexta-feira, 6 de outubro de 2023

ÂNGELA MELO: PROFESSORA/VEREADORA FREIREANA DE VERDADE





09 de Out de 2023, 19h52
Opinião - A professora, o estandarte e a comunidade: uma breve crônica sobre a professora Ângela Melo

Cochichando no meio da audiência pública para questionar a parceria público privada na saúde do município

[*] Thiago Paulino

O mundo da política é um mundo repleto de máscaras, muitas pressões e jogos de poder. Mas não é somente isso. É também o mundo no qual se discute como cuidar das pessoas, onde se luta por direitos e onde se constroem ações coletivas. 

Na política há muitos iludidos pelo ego e pelas seduções do poder. Mas também há aqueles que realmente se preocupam com os outros. Ângela Melo - enquanto viveu nesse plano - era alguém que realmente se importava com o outro.

Quando alguém trazia alguma avaliação torta ou que poderia ferir algum princípio no qual ela acreditava, a professora abria bem forte os olhos e soltava: “Nãaaao! Você é doidjo?!” - assim numa forma bem sergipana de dizer que o caminho não era aquele.

Não quero aqui fazer um daqueles textos póstumos elogiosos. A professora Ângela Melo - como todo ser humano -  tinha seus momentos de insegurança, de sofrer pressões e de contradições inevitáveis como qualquer vivente desse mundo.

Mas quem conviveu com ela pode confirmar: era uma pessoa verdadeira, intensa e sempre tinha um bolo gostoso para distribuir. E o bolo não é metáfora. Era um bolo de macaxeira mesmo. Ângela, mesmo com toda a correria, sempre gostava de ir para cozinha com a neta. Irene, a amiga leal de todas as horas e chefe de gabinete, recebia sempre pedaços disputados por toda a equipe do mandato.

Assim iam se constituindo os fortes laços de afeto. Um dos últimos momentos que eu vi a professora foi em sua casa. Ângela estava numa buchada na cozinha e decidimos filmá-la. Era o período junino e queríamos mostrar o lado mais familiar da vereadora.  

- Veja bem, Thiago... - adorava começar as frases com essa expressão – a buchada é para alegrar a vida. No interior, a gente comia na época de festa, nos casamentos, quando a família toda se encontrava.

Conviver com Ângela e sua agenda era algo intenso, mas também diverso e rico: ia de filmar uma buchada a defender uma escola pública prestes a ser demolida.

Em abril desse ano, em meio a alguns atentados de violência contra as escolas, jovens perdidos em seu protagonismo aliaram-se a grupos extremistas e chegaram a atacar escolas em outras cidades. Nas proximidades do dia 20 de julho o boato de que um atentado poderia acontecer em alguma escola de Aracaju deixou todos em alerta.

Alguns pais não deixaram seus filhos ir nesse dia. Estavam todos apreensivos. Na reunião de planejamento do mandato, discutimos que precisávamos fazer algo. Ângela logo comprou a ideia de fazermos um “ato de amor à escola”. 

E o espaço escolhido para reunir as pessoas foi a Escola Áurea Zamor, que estava, na época, ameaçada de ser demolida pela Prefeitura. No ato, crianças e suas mães contaram como o quintal verde da escola era importante para as crianças.

Uma senhora afirmou que a filha autista dela adorava subir na árvore. Teve violão e flauta para cantar o amor por aquele espaço de educação. Infelizmente, a prefeitura acabou de fato demolindo a escola e o quintal verde plantado pelas próprias crianças.

As paredes da escola não ficaram, mas a aprendizagem sim: de que o trabalho de uma vereadora deve ser o de dar voz e força a uma comunidade. Paulo Freire defende a ideia de que é necessário “dar a palavra” para romper a cultura do silêncio. E foi isso que houve naquele ato. Mães do povo defendendo um espaço verde, plantado por suas crianças.  

Outra história. Uma de suas leis aprovadas, inclusive, era sobre instituir uma política pública no sistema de saúde das chamadas “Práticas Integrativas”. 

Essas práticas - reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde - levam em consideração que todo ser humano deve ser observado não somente como um doente, mas como um ser integral e que as emoções interferem diretamente nos processos de cura e bem-estar.

Existem diversas práticas que ajudam a complementar os tratamentos dos pacientes, como o yoga, a fitoterapia, homeopatia, arteterapia. Em uma dessas reuniões em um posto de saúde apertado, meu papel era fazer as pessoas conhecerem a lei e se apropriarem dela como um direito.

Estava numa das Conferências Locais de Saúde quando aconteceu algo interessante e simbólico. Discutíamos sugestões para melhorar o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde.

Nessas conferências, a ideia é ouvir a população para formular propostas de melhoria. Os problemas afloram: faltam de especialistas, exames que demoram e a falta de informação aos pacientes, trabalhadores da saúde sobrecarregados, etc.

Nesses encontros, muitos falam, outros reclamam e alguns tentam sugerir soluções que depois são encaminhadas na busca de melhorias do SUS. O tempo todo da reunião havia um senhor com cara de vaqueiro sentado na roda de conversa. Observava tudo calado e compenetrado. 

Quando chegou a minha vez de falar, divulguei a Lei que o mandato da professora tinha aprovado. Falei e ia tentando traduzir a linguagem da lei para o povo entender. E o senhor vaqueiro calado, escutando. 

Até que expliquei que dessas práticas uma delas é a fitoterapia, que reconhece os segredos das ervas, das plantas. Quando falei isso, o rosto do velho vaqueiro pareceu ficar iluminado. Abriu mais os olhos. Parecia que as palavras agora o tinham tocado.

Levantou a mão e decidiu participar da roda. Trouxe uma memória de sua infância em um dos povoados de Propriá. O pai dele era conhecido por ser um erveiro que cuidava dos outros. “Ele andava muito no mato, conhecia tudo que era planta. Não tinha jeito de ficar doente”, revelou.

Paulo Freire costumava mostrar que todos somos sujeitos da nossa história. O povo tem saberes que precisam ser respeitados e reconhecidos. Talvez por vir do interior também e talvez por sentir-se povo, é que a professora Ângela também admirava esse velho educador. 

No dia do velório de Ângela fizemos questão de colocar um estandarte de Paulo Freire entre as bandeiras que decoravam o espaço. O interessante é que quando o estandarte de Paulo Freire estava sendo carregado até a Câmara de Vereadores - local do velório -, talvez poucos tenham percebido um fato: ao lado do estandarte, vinha caminhando um morador em situação de rua. 

O “acaso”, ou talvez o universo, queria dar ali algum recado. Sim, política é poder, mas o poder maior é cuidar das pessoas. Vá em paz professora, Ângela Melo! Aqui na Terra dos Cajueiros, muitos continuarão regando as sementes que você deixou.

[*] É jornalista e professor.

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