domingo, 15 de outubro de 2023

O arrebatador sucesso de critica e de público do filme brasileiro ELIS & TOM

 

É forte a sensação de anacronismo ao se assistir a um documentário como “Elis & Tom”, de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, no cinema. A sala 6 do Espaço Itaú, a maior e mais nobre do local, geralmente reservada a filmes de boneco e outros blockbusters, está quase lotada, mesmo com o filme há cerca de um mês em cartaz. A plateia é formada por gente do século passado que sabe as letras das músicas de cor, um público que parece se refugiar do bombardeio de mediocridade midiática que os enfia goela abaixo as canções e fofocas das luisas sonzas dos anos 2020.

Por duas horas, estamos “presos” em 1974 dentro de um apertado estúdio em Los Angeles na companhia de Elis Regina, 29 anos, Tom Jobim, 47, e uma parcela significativa da nata de músicos da MPB concebendo um disco histórico, quando nos tocamos que a própria noção de álbum, como coletivo de canções, também vem perdendo espaço para a fragmentação promovida pelos tiktoks e streamings de música.

Naquela cápsula do tempo, Elis e Tom riem, fumam, discutem, se abraçam. A arte do encontro produz faíscas que se transformam em algo que só a inteligência não artificial pode compreender. Acabou a sessão. Está chovendo na roseira, um amor tão puro carregou meu pensamento.  
Marcelo Janot 

SÓ SE PODE ROUBAR A QUEM SE AMA

Por Palas Atena.

Há uma passagem do livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes,  que diz: "Não conseguindo nomear a especialidade do seu desejo pelo ser amado, o sujeito apaixonado chega a essa palavra um pouco tola: adorável". 

Às vezes diante de um arrebatamento, a gente fica assim. Não consegue nomear o nosso sentir. E pensa em palavras tolas que só revelam os limites da nossa linguagem. 

Saí hoje do cinema dessa maneira. Sem encontrar palavras. Voltava de uma prova. Era umas seis horas da tarde. Vinha a pé para espairecer. Tinha chovido, e o início da noite estava fresco, com aquelas luzes  refletindo bonito no asfalto ainda molhado. 

Passei em frente ao único cinema de rua de BH. Olhei as opções só por curiosidade. Estava lá o documentário "Elis e Tom, só tinha de ser com você", sessão das 20h. Significava uma espera de umas duas horas. Vi que o preço do ingresso era promocional, algo sobre semana do cine em BH. 12 haddads. As musas tinham  guiado meu destino: fique e veja. 

Na hora de entrar, havia um número significativo de espectadores. O bom é que, nesse cinema, as cadeiras são numeradas e aí não tem risco. Mas não estava lotado. Antes de iniciar o filme, trailer  da produção "Meu Nome É Gal", cinebiografia da cantora, que vai ser lançada ainda. 

Ouvir a voz de Gal  é um luto porque a gente lembra que ela não está mais aqui. Até fiquei com vontade de assistir, mas a atriz sophie charlotte não orna. Gosto pessoal. Acho essa moça a típica atriz da "escolinha malhação", rede globo de interpretar.

E, pelo pouco que vi, os maneirismos que ela incorporou para dar uma de "meu nome é Gal" ficaram caricatos. Volto a dizer, gosto pessoal.

Começa o documentário. A tagarelice inicial deu lugar ao silêncio que se tornou transcendência ao ouvir Elis Regina e Tom Jobim cantando. O documentário dói, de tanta beleza. 

Compreendi um pouco o gesto desesperado de Elis, ao decidir  encerrar sua trajetória aqui, tão nova ainda. Era muita intensidade, muita vida à flor da pele. Não comporta uma existência não. 

A foto abaixo é um dos momentos mais pujantes do documentário. Não se respira porque senão quebra o encantamento. A harmonia entre Elis e Tom Jobim é a definição de obra-prima. 

Agradeci. Por eles terem existido. Por terem vivido num mundo em que a arte era para se eternizar, para tocar o que há de mais profundo e sensível em nós. O tempo da delicadeza.  Sublime!

Não ouvíamos nada além do filme, não havia nenhuma luz além da tela. Foi uma imersão mesmo. Ao final, aplaudimos. Quase paralisados para absorver a emoção. 

Ninguém se levantou da cadeira enquanto passava toda a ficha técnica e Tom e Elis cantavam 'Águas de Março". Graças ao respeito ao espectador,  as informações corriam na tela; não foi no formato abjeto de QrCode, o modismo da vez. Podíamos apreciar.

Como disse, qualquer coisa que eu escreva vai soar tola diante daquela grandeza. Só digo: assistam. No cinema. De adultos. Para que nenhuma distração possa provocar ruídos nesse encontro com o divino.

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o documentário "Elis & Tom - Só Tinha de Ser com Você", de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay.

O longa narra o processo de gravação do álbum "Elis & Tom", de 1974, que fez sucesso em diversos países e que marcou a carreira dos dois ícones da MPB. É desta gravação, por exemplo, o registro de "Águas de Março", uma das canções brasileiras mais regravadas de todos os tempos.

Empresário de Elis Regina na época, Roberto de Oliveira conta que teve a ideia de promover o encontro e a gravação de um álbum conjunto. O disco foi gravado em Los Angeles, nos Estados Unidos. "Chegando lá eu percebi que eu tinha que filmar aquilo. Percebi que eu estava diante de um evento histórico."

Alguns trechos das filmagens já foram divulgados ao longo do tempo, mas Oliveira guardou mais de cinco horas de registros por quase 50 anos. "Quando eu desacelerei, percebi que era a hora de mexer nesse material", conta o ex-diretor de televisão e produtor.

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