O Papa que conseguiu reunir os melhores sonhadores e construtores de um mundo novo, para além das fronteiras do catolicismo.
Zezito de Oliveira
Pronunciamento do Presidente do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo falecimento do Papa Francisco.
A humanidade perde hoje uma voz de respeito e acolhimento ao próximo. O Papa Francisco viveu e propagou em seu dia a dia o amor, a tolerância e a solidariedade que são a base dos ensinamentos cristãos.
Assim como ensinado na oração de São Francisco de Assis, o argentino Jorge Bergoglio buscou de forma incansável levar o amor onde existia o ódio. A união, onde havia a discórdia. E a compreensão de que somos todos iguais, vivendo em uma mesma casa, o nosso planeta, que precisa urgentemente dos nossos cuidados.
Com sua simplicidade, coragem e empatia, Francisco trouxe ao Vaticano o tema das mudanças climáticas. Criticou vigorosamente os modelos econômicos que levaram a humanidade a produzir tantas injustiças. Mostrou que esse mesmo modelo é que gera desigualdade entre países e pessoas. E sempre se colocou ao lado daqueles que mais precisam: os pobres, os refugiados, os jovens, os idosos e as vítimas das guerras. e de todas as formas de preconceito.
Nas vezes em que eu e Janja fomos abençoados com a oportunidade de encontrar o Papa Francisco e sermos recebidos por ele com muito carinho, pudemos compartilhar nossos ideais de paz, igualdade e justiça. Ideais de que o mundo sempre precisou. E sempre precisará.
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Brasília. 21 de abril 2025
Meditação do Monge Marcelo Barros
Queridos irmãos e irmãs,
Neste dia, ao pensar na Páscoa do Papa Francisco, diversos sentimentos me vêm ao coração.
Nesse momento de despedida, eu e muitos de vocês temos a sensação de ter perdido alguém próximo a quem conhecemos pessoalmente e com o qual convivemos, como no cotidiano da vida.
Antes de tudo, damos graças a Deus pelo testemunho evangélico de Francisco, por tentar, o mais possível, humanizar o Vaticano e a Igreja. Gratidão, principalmente, por ter tentado revalorizar as Igrejas locais e proposto a sinodalidade como modo normal de toda a Igreja ser.
Será necessário um tempo maior para avaliar o quanto o Papa Francisco conseguiu renovar as estruturas e tocar nas mentes e corações das pessoas. Talvez se possa dizer dele o que, conforme os evangelhos, os guardas do templo disseram de Jesus, ao explicarem aos chefes, porque não o tinham prendido: “Nunca, ninguém falou como esse homem” (Jo 7, 46).
Do mesmo modo que ocorreu com Jesus, o Papa Francisco foi um profeta que falou ao coração de muita gente do mundo. No entanto, nos ambientes eclesiásticos, ainda há muita gente importante que sente, como aquele padre que, já há alguns anos, confidenciou à imprensa: “matar o papa é pecado, mas rezar para que ele morra, não é”.
A extrema polaridade que divide hoje o mundo não entre direita e esquerda, mas entre civilização humana e barbárie, fere profundamente a Igreja Católica e outras Igrejas. Mesmo entre nós, há irmãos que não se dão conta de que a contradição é estrutural e não se trata de perguntar o que se espera do próximo papa e sim, a partir da experiência do Papa Francisco e do seu quase nenhum êxito nos ambientes do clero, se é possível Papa sem o modelo de Igreja-Cristandade como religião civil e como seria a função do Bispo de Roma como primaz da comunhão das Igrejas locais em uma futura Igreja realmente sinodal.
Que do céu, o Papa Francisco, a partir da Cruz que ele viveu em seu ministério, interceda por nós para sabermos ser fieis ao Evangelho de Jesus e ao seu projeto no mundo.
#Partiu céuÉ perceptível nos últimos dias, um claro sentimento de orfandade! E não somente por parte dos católicos. Durante mais de uma década, nos habituamos a ver em Roma alguém que nos representava, que nos entendia, que nos aconselhava e nos justificava. Era um papa que atendia pelo nome de Francisco para os “íntimos”, ou seja, para todos! O dia 21 de Abril amanheceu cinzento, com a timidez de alguns raios solares penetrando as nuvens. Lá longe, no Vaticano, às 7.35 h um homem vestido de branco adentrava os portões da eternidade. O Papa que veio “do fim do mundo”, despedia-se deste mundo surdo e insano a quem tantas vezes quis falar. De fato, Francisco deixou para trás uma humanidade ferida e uma “Casa Comum” mais insegura e perigosa para se viver, do que encontrou em 2014. É uma lástima, mas é a pura verdade.
Se se dizia que em João XXIII um cristão virou papa, é com propriedade que afirmamos que em Francisco, um homem se fez papa! A humanidade se revia em Francisco, porque nele, o papado desceu ao chão da fábrica, às periferias existenciais e as compreendeu. Ele, mais do que nenhum outro, soube traduzir o Evangelho em linguagem “nossa”, na língua universal entendível pelos que acreditam e sonham com um mundo diferente. Pelos humildes que se identificam com os ideais de Jesus Cristo, mesmo que formalmente não pertençam à Igreja. Eis o humanismo de Francisco!
Beira as raias do impossível traduzir a riqueza do legado de Francisco. Coube muita vida em dez anos de pontificado! A escolha do seu nome (diz ele que foi sugestão do nosso cardeal dom Claudio Hummes) traçou logo de início o seu plano de vida no Vaticano. Francisco de Assis, morto há 800 anos, é sem dúvida a sua grande inspiração. O papa argentino, apesar de jesuíta, é franciscano por excelência! Logo de caras, manifestou uma grande preocupação com o Meio Ambiente; não se tratava de simples ecologia e sim de teologia! O Papa refletia que o ser humano não tem o direito divino de destruir, mas de cuidar! As obras da criação são também obras de Deus e “Ele viu que tudo era muito bom”! Nisso ele foi inédito e oportuno. Sua encíclica Laudato Si será inesquecível. No entanto, o mundo das mudanças climáticas e dos fenômenos extremos parece surdo!
Francisco captou com uma sensibilidade epidérmica extraordinária, a questão dos migrantes e refugiados. Não se conformava que países e continentes exportadores de armas, com baixíssimos índices de natalidade, se negassem a receber essa gente que fugia precisamente de guerras, pobreza e clima inóspito. Trata-se de uma imoralidade, segundo Francisco! Nessa linha, não hesitou em escrever uma carta contundente aos bispos americanos, logo após Trump assinar os seus primeiros decretos de expulsão de emigrantes. Foi tão perentório, que o mesmo Trump o convidou a “cuidar das questões do Vaticano”! A situação se amenizou, exatamente na visita do vice presidente J D Vance, que teria sido a última audiência de Francisco!
Francisco ultrapassou inúmeras barreiras. É um papa “católico” no sentido pleno termo! Cristãos, judeus, muçulmanos, “todos todos”, como repetiu em Lisboa, na Jornada Mundial da Juventude. Ninguém fica de fora, com Francisco. A Eucaristia, não é prêmio para os “bons”, mas remédio para quem está a caminho. A Igreja não é uma “alfandega da fé”, mas tem que reproduzir a misericórdia do Senhor, sendo “boa samaritana”. Ninguém pode julgar ninguém. Se é homossexual ou não, é uma questão tremendamente secundária e ínfima para Francisco. Os líderes católicos devem andar “na frente do rebanho, no meio e atrás, porque o rebanho também sabe onde quer chegar”. Há novidade no ar! Há ventos de mudança que não podem ser dominados facilmente! Há uma Igreja que irrompe dentro das estruturas da própria Igreja e que ninguém pode segurar.
Partiu Francisco. Sabíamos que esse dia chegaria. Partiu na Páscoa. Não é um detalhe para os crentes! Despediu-se solenemente, na mesma janela onde se anunciou pela primeira vez há anos atrás. E foi assim que o vimos. Dizendo um até logo, enquanto sorridente caminhava de mãos dadas com Aquele a quem serviu com esmero, dedicação e alegria. Esse é o “nosso Francisco”. Mostrou-nos um Deus tão próximo, que até o podíamos tocar!
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
Arquidiocese de Londrina
Papa Francisco não é um nome, mas um projeto de Igreja. Por Leonardo Boff
Os que lamentam a morte do papa Francisco, nesta segunda-feira pós-Páscoa, são muitas vezes mais numerosos do que aqueles que a celebram – apesar de não podermos desprezar a quantidade de babacas no mundo. O ódio à defesa da compaixão por Jorge Mario Bergoglio comprova que muitos cristãos são incapazes de entender as palavras que estão na fundação de sua própria fé.
Isso lembra uma citação atribuída ao já falecido Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres: “Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista”.
Em seu último discurso, a mensagem “Urbi et Orbi”, neste domingo, Francisco lembrou que “o mal não desapareceu da nossa história e permanecerá até ao fim”. Mas que o amor venceu o ódio, a verdade venceu a mentira e o perdão venceu a vingança. Só que o caminho passa por reconhecer no outro um igual e caminhar junto a ele. E isso é insuportável para um grupo de pessoas que não quer dividir o pão e a mesa, apenas ceder as migalhas que caem no chão.
Desde que o papa Francisco passou a lutar pela vida, um rosário de autointitulados cristãos torcendo por sua morte nas redes sociais. A principal razão é de que seria comunista. A acusação não foi novidade. Ele mesmo tratou do assunto em uma entrevista ao canal C5N, da TV argentina, em 2023: “Minha carta de identidade é Mateus 25. Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu era comunista”.
Evangelho de Mateus, capítulo 25, versículos 35 a 40: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me. Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? Ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”
Sim, perdoai. Pois eles sabem exatamente o que fazem (íntegra do texto no UOL)
2025.04.20 Santa Messa di Pasqua seconda parte e Benedizione Urbi et Orbi (Vatican Media)
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