domingo, 21 de dezembro de 2025

FOLIA DE REIS - Memória viva que caminha. Por Célio Turino

imagem: IHU

Como quem ajeita um véu antes da celebração, a noite se armava devagar. No bairro, que já vira procissão, velório, mutirão e festa, as famílias se preparavam para receber a Folia de Reis. O Natal estava a chegar.

Os vizinhos escolheram a casa de dona Sil para a recepção ao cortejo. Mulher católica, generosa e sorridente, por onde passava distribuía esperança, também valentia. Dias antes ela arrumara a casa com o rigor de quem sabe que rito não combina com improviso. Varreu cada cômodo, a frente e o quintal, montou o presépio e acendeu vela ao lado. Antes da chegada da folia passou pano úmido no Menino Jesus que teimava em acumular poeira, como se quisesse lembrar que nascera do chão do mundo. 

As crianças corriam pela calçada e os vizinhos iam achegando. Nem tanto por convite, mas pelo chamado íntimo que aquele momento desperta. Há festas que não se anunciam, apenas se pressentem. Essa, se pressentia. A Folia viria de longe. De um Ponto de Cultura do Vale do Paraíba, que juntava tradição e infância, brincadeiras e reflexões. 

Pela estrada antiga, entre as árvores e o riacho, era possível auscultar as pessoas ensaiando passos sobre o pó que se ergue da terra batida. À frente, o bandeireiro, homem magro, olhar firme. Carregava a Bandeira dos Santos Reis como quem conduz uma memória do mundo. Era o único que se avistava. Havia um olhar solene saído daquele homem negro, trabalhador do campo, era um olhar que anunciava que aquela bandeira não pertencia só a ele. O marido de dona Sil desceu a rua para recebe-los com reverência. 

As fitas tremulavam, era um vento leve que se somava à respiração coletiva dos foliões. As casas também estavam enfeitadas com fitas azuis, vermelho e amarela. Logo atrás da bandeira vinha o Mestre. Violeiro de viola gasta, tocava um instrumento que parecia trazer ainda o cheiro das manhãs do pé da serra da Mantiqueira em uma mistura entre café torrado, capim-cidreira, pinhão e terra molhada. Ele puxava o tom, modulava o compasso. E a cada nota abria a noite como se fosse clarão de estrela.

O Embaixador, responsável pelo verso de chegada, ensaiava baixinho as rimas da procissão. Capa amarela, selecionava as palavras como quem escolhe sementes para o plantio. O Contramestre, encarregado de responder o canto, vinha logo a seguir. Ao fundo, os foliões jovens, aprendizes de uma tradição que se transmite menos por livros e mais por convivência, suor e fé. 

- Convivência ‘Bem’ suada! – brincou com as palavras o palhaço. Como que a dizer que bendição vem junto com suor e esforço. Meio bufão, meio penitente, rosto pintado e roupas remendadas, era ele quem provocava animação, riso e desordem. Desordem intencionalmente provocada para que dela surgisse a ordem verdadeira, aquela que arranca a tristeza da alma como quem extrai do pé uma farpa.

Antes de dobrar a curva da rua, o grupo se reuniu numa pequena roda. O Mestre pede atenção. Deram-se as mãos e rezaram. 

Após a oração ajustaram o estandarte. Prenderam uma fita solta. E o Mestre afinou mais uma vez a viola. Então começaram o “ponto de entrada” que subiu pela estrada. Como uma prece:

"Caminhemos com firmeza, 

que esta noite é de luz e chão. 

Pelos Reis, pela pobreza, 

pela força da canção."

Canto simples, mas firme. Cada voz ecoava a biografia do povo: o agricultor sem-terra, o operário sem trabalho, demitido na última crise e que vendia café com pão nas madrugadas, a costureira que havia perdido o marido para a violência, o rapaz que sonhava em deixar o país, mas permanecia porque ainda acreditava no sentido de sua gente. Cantaram todos. Cantando adentraram na rua íngreme.

Ao avistá-los, as crianças se alvoroçaram e os adultos se levantaram. Havia uma reverência festiva com o cortejo. A Folia foi passando na frente das casas entre cumprimentos e sorrisos, até que para na frente da casa de Dona Sil. O Embaixador pede licença:

"-Oh senhora dona da casa

pedimos agora entrada

com humildade e respeito,

não trazemos ouro nem prata,

mas trazemos canto no peito."

A família descerra uma fita e abre a porta. O cortejo adentra. Com reverência a gente da Folia de Reis apresenta a bandeira diante do presépio. O Mestre afina o tom. O Contramestre responde. E o palhaço distrai as crianças para que os adultos pudessem rezar sem lágrimas ostensivas. 

As famílias cantaram pelas almas e pelos presentes, cada qual com sua dor e memória. À dona Elza, seu Oswaldo e Mariquinha, à filha de uma amiga que desapareceu, às filhas Mariana e Carolina, aos netos Beatriz e Pedro, aos irmãos, sobrinhos, amigos. Cada família cantou sua canção com a voz que sai do coração. Aquela que não precisa ultrapassar a boca. Foi um canto silencioso, de lembrança e amor pelos que partiram e pelos que aqui estão.

E então. Diante do Menino de barro, a Folia cantou seu ponto mais antigo. O verso parecia recitar o drama de um mundo inteiro:

"Noite nasce entre ruínas,

há crianças sem abrigo,

o caminho dos Reis clama

por quem vaga sem destino"

O Mestre, num gesto raro, fez pausa no canto. Começou a falar, não em tom de discurso, mas em confidência de quem conhece as dores do mundo:

- Se Belém fosse hoje, meus irmãos, talvez estivesse sob escombros. Talvez Maria batesse de porta em porta em Gaza e José procurasse refúgio nas ruínas. Talvez os Reis viessem a pé, desviando de cercas e minas. Talvez o Menino nascesse no deserto, entre barracas de lona.

Ninguém respondeu. Não era preciso. Cada pensamento trazia consigo a lembrança dos imigrantes atravessando rios, dos que dormem em abrigos frios, dos que fogem da guerra que nunca escolheram. As cantorias retomadas, porém, não se afogavam na dor. Cantava-se como uma contramaré que é gesto de resistência. A cada estrofe afirmava-se a possibilidade de outro mundo.

O palhaço, percebendo o peso da responsabilidade, entrou em cena. Fez suas palhaçadas, tropeçou de propósito, fingiu brigar com o pandeiro. A criançada explodiu em riso. Os adultos sorriram também. Deram-se as mãos. Após a bênção, o riso; após a fé, a humanidade. Aí estava a sabedoria profunda. 

Chegou então o momento da reza final. 

Todos se ajoelharam diante do presépio. 

Dona Sil segurou a bandeira enquanto o Mestre rezava. Rezava por quem passa fome, por quem perdeu trabalho, por quem vive à beira de enchentes e incêndios, pelas vítimas do colapso climático que chega cada vez mais depressa. Na reza, pediram pelos povos que lutam contra guerras sem sentido. Pediram por Gaza, Ucrânia, Congo, Haiti. Rezaram pelo Haiti e pelos que moram aqui. Pediram pelos que caminham rumo a fronteiras hostis e também por aquela rua simples. 

Continuaram firmes no propósito de reverenciar o Menino Jesus e de ser abrigo. Quando a reza terminou a família convidou todos os presentes para se servirem à mesa. Havia arroz de carreteiro, cuscuz fumegante, frango ensopado, pão caseiro, café forte, doce de abóbora, broa de milho e suco de amora. A comida não era muita, mas oferecida com a generosidade de quem sabe que partilhar é o início de qualquer transformação. Foi a suficiente.  

Foliões e vizinhos comeram juntos. Juntos trocaram lembranças e pequenas esperanças. E foi ali, entre pratos simples e vozes misturadas, que se reconheceram na essência. 

Folia de Reis não é rito, é crítica e transformação, encontro e reverência, memória viva que caminha. Na Cultura Popular, pelo rito e a tradição, se faz a denuncia das dores do mundo. Não pelo que destrói, mas pela beleza que afirma, pela comunidade que convoca, pela fraternidade que se realiza de maneira concreta.

O grupo se despede. 

A rua parecia outra. Como se a noite tivesse ganhado um gesto de respiração mais lento. Os vizinhos demoraram a ir embora, presos a uma vontade muda de prolongar o instante. Na frente da casa, vendo a Folia seguir caminho, seguravam nos olhos a última claridade antes que a vida voltasse a endurecer. 

Algo firme sustentou o ar daquela noite. Era uma chama pequena, porém teimosa, acesa no fundo do peito de cada morador. A Folia foi ajeitando o compasso, como quem recolhe o que é sagrado para seguir viagem. E o Mestre deu um último aceno. O palhaço recolheu suas graças. O Embaixador guardou o caderno de versos. 

A Bandeira novamente à frente. 

E a Folia mais uma vez partia sem dizer qualquer palavra. Caminharam. Primeiro devagar. Passos marcando o chão de terra. Depois a cantoria foi começando novamente, baixinho. Iriam a outra rua, outro lugar, outra casa. Os moradores à frente da casa deixada para trás ouviam aquele canto lento, rouco de noite. E ali, imóveis, observaram o cortejo que se afastava. 

A poeira levantada pela procissão fez um véu sobre a estrada. As fitas da Bandeira ainda tremulavam. E som da viola, antes tão perto, virou acorde distante. Por um breve momento pareceu que toda a tristeza do mundo iria dissipar-se com a saída do cortejo. Mas não, algo mais forte permaneceu. Ficou a coragem miúda, dessas que só o povo sabe fabricar quando canta.

A Folia dobrou a última curva. Já não se via o palhaço, nem o passo dos jovens foliões. Só o eco do canto persistia, espalhando-se pela noite como se quisesse costurar cada nova casa, cada vazio, cada medo, cada esperança. Um canto novo anunciava, no seu modo simples, que a dor não terá a última palavra.

Quando enfim desapareceram, ninguém teve coragem de falar. A estrada ficou escura outra vez. Mas a escuridão já não parecia tão pesada. No silêncio, sem precisar explicar, cada morador sentia que enquanto houver quem cante pela dignidade do mundo, a esperança seguirá caminhando, mesmo que por estradas tortuosas e longas.

E ali, naquela curva, onde a Folia se perdeu e a poeira demorou a baixar, quem prestasse bastante atenção ouviria o que ela ainda murmurava, muito baixinho:

“ainda estamos aqui… e ainda não desistimos”. 

Os vizinhos voltaram para suas casas. 

Houve algo firme naquela noite atravessada pela poeira. Dali alguns dias seria Natal mais uma vez. Não um Natal de promessas fáceis, nem de redenções instantâneas. Seria Natal porque o mundo, apesar de tudo, seguiria insistindo em nascer. Porque alguém varreria o quintal antes do sol alto. Porque outra mesa seria posta, ainda que simples. Porque uma bandeira, em algum ponto da estrada, continuaria sendo erguida como quem se recusa a esquecer. 

A Folia já estaria longe. Talvez entrando noutra rua. Talvez enfrentando outra noite. Mas o que havia passado por aquela rua não se desfez com a poeira. Ficou no modo como as pessoas se reconheceram umas nas outras. Ficou na coragem compartilhada, essa matéria invisível que sustenta os dias quando tudo parece escasso e duro. 

Natal, então, não era data, era prática. Natal existe enquanto houver quem cante junto, quem abra a porta, quem transforme memória em gesto, fé em abrigo. Enquanto houver esses que fazem, o nascimento seguirá acontecendo. Humilde, discreto, frágil, e, por isso mesmo, irrecusável. Natal é decisão cotidiana de permanecer humano num mundo que frequentemente desumaniza. 

Daquele encontro nasceu um pequeno poema que um vizinho escreveu:


Auto breve para um Natal que caminha


Não nasceu em palácio,

nasceu na dobra do chão.

Não trouxe cetro nem coroa,

trouxe o peso da condição.


Três Reis não vieram de ouro,

vieram de estrada e poeira,

um trazia canto,

outro trazia riso,

o terceiro trazia espera.


E o Menino,

sem falar,

ensinou:

que o mundo se salva

não por indiferença,

mas por amor,

não por milagre,

mas por insistência.

Célio Turino – historiador, escritor, filósofo e poeta. Após 40 anos no serviço público, quando idealizou e implantou diversos programas, como Recreio nas Férias, Xadrez e Damas em Tampinhas, Cultura Viva e Pontos de Cultura, entre outros, agora se dedica a escrever e partilhar o que aprendeu com o povo. Seus livros mais recentes são: SEMENTEIRA (editora Autonomia Literária) e FIOS DA HISTÓRIA – poemas (editora Cloé)

E  para somar a essa beleza de crônica do Célio Turino, trazemos outraa sete  lindezas em matéria de criação estética em ligação com o tema, três de um outro amigo querido, Zé Vicente, inclusive a terceira de três, lançada nessa semana e a  outra da dupla Chico Anisio e Arnaud Rodrigues em duas versões,  a original e a releitura, tão bonita como a primeira, a conhecida e querida canção do Ivan Lins e por último. o filme baseado no espetáculo "O baile do Menino Deus. 








Baiano & Os Novos Caetanos - Folia de Rei



Folia de Rei - Gero Camilo e Luis Miranda - Aos "Baiano e Os Novos Caetanos"



bandeira do divino - Ivan Lins, Zizi Possi, Simone e Vercilo





quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

No Natal evitar o consumo compulsivo. Papa Leão responde a um psicólogo.

 













VÍDEO: Igreja fica lotada na primeira missa de Padre Júlio após afastamento por Dom Odilo. Viva Padre Júlio! Estamos com você!

 

Nota (O seu jornal de literatura, artes e cultura! ☂️) no facebook

OPINIÃO! 🚨 A grande lição que Padre Júlio tem ensinado - e isso que irrita tanto a extrema-direita - é que Jesus não está lá no céu, mas está aqui, nos outros que mais necessitam. E, diante dos outros, o que precisamos fazer é acolher.

Quando você alimenta quem tem fome, você alimenta Jesus. Quando você veste uma pessoa sem roupa, você veste Jesus. Quando você abriga do frio alguém que precisa, é a Jesus que você abriga.

Ou seja, Jesus inverte o céu: só tem céu na terra e essa é a revolução. E ela é gratuita. Olha que loucura que é. E Padre Júlio é uma ameaça a todos por levar isso a cabo tão ao pé da letra.

Viva Padre Júlio! Estamos com você! 

Publicado por Lindiane Seno no DCM - Atualizado em 21 de dezembro de 2025 às 16:26


O padre Júlio Lancellotti celebrou neste domingo (21), sua primeira missa após ser impedido de transmitir as celebrações pela internet. A cerimônia ocorreu na capela da Universidade São Judas, no bairro da Móoca, zona leste de São Paulo (SP), e reuniu fiéis presencialmente. O canal independente Jornalistas Livres fez a cobertura ao vivo do culto. Conforme o DCM adiantou, o MBL é um dos principais agentes por trás das denúncias contra o religioso.

A celebração marcou o retorno público do sacerdote depois da decisão do arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, que proibiu a transmissão online das missas conduzidas por Lancellotti. Durante a homilia, o padre afirmou não querer ser exemplo para ninguém e disse desejar apenas ser “irmão de todos”, com ênfase nos mais pobres e abandonados.


A determinação da Arquidiocese levou Lancellotti a anunciar, há cerca de uma semana, o fim das transmissões semanais realizadas na capela e a interrupção das atualizações em suas redes sociais. Sua última publicação no Instagram data de 10 de dezembro e trata de uma reflexão teológica.

A decisão partiu do arcebispo por razões que não foram detalhadas publicamente. Na ocasião, o padre mencionou estar em um “período de recolhimento temporário”, enquanto dom Odilo Scherer declarou que o tema dizia respeito à relação entre bispo e sacerdote. A Arquidiocese também determinou uma auditoria financeira na paróquia de São Miguel Arcanjo, comandada por Lancellotti há quatro décadas.


A missa foi acompanhada por uma capela lotada, com aplausos frequentes ao longo da celebração. Fiéis exibiram cartazes em apoio ao padre, entre eles mensagens que defendiam que o amor ao próximo não deve ser silenciado. Um grupo de mulheres trans também participou da cerimônia.

Durante a homilia, Lancellotti abordou temas sociais recorrentes em sua atuação pastoral. Ele citou a violência contra mulheres e fez críticas à desigualdade social na capital paulista, afirmando que áreas mais privilegiadas da cidade permanecem distantes da realidade dos pobres.

Ao final da celebração, o padre retomou um de seus lemas mais conhecidos, incentivando força e coragem, e realizou o rito da comunhão. A cerimônia foi encerrada com flores de papel erguidas pelos participantes, gesto organizado por um movimento ligado à defesa da democracia.

Antes da missa, integrantes da pastoral da comunicação divulgaram um abaixo-assinado em apoio a Lancellotti, que já reunia centenas de assinaturas. Segundo organizadores, o público foi maior do que o habitual, incluindo pessoas que não se identificam como católicas e que compareceram em solidariedade ao sacerdote.


sábado, 20 de dezembro de 2025

Como e por que a música “papai noel velho batuta” dos Garotos Podres é cristã? Hoje no Instagram

 

Já imaginou uma banda punk ser investigada por “ofender” Papai Noel em música lançada em 1985? 🎸🎅

Quase 40 anos depois de lançada, uma música dos Garotos Podres virou alvo de inquérito policial por suposta ofensa religiosa.

O caso parece piada, mas levanta um debate sério sobre censura, liberdade artística e interpretação cultural.

PAPAI NOEL VELHO BATUTA - Garotos Podres Censurados? - 40 anos depois do fim da Ditadura Militar??

Banda Garotos Podres diz ser alvo de inquérito por música 'Papai Noel' e fala em tentativa de censura 40 anos após lançamento

Vocalista da banda punk afirma que banda foi intimada a prestar depoimento devido a repertório de show e critica o que chama de 'resquícios de autoritarismo' no Estado brasileiro. Denúncia está sob análise do Ministério Público.

Por Rodrigo Rodrigues, João de Mari, g1 SP19/12/2025 17h01  

O vocalista Mao, integrante da formação original da banda punk Garotos Podres, afirmou ao g1 nesta sexta-feira (19) que o grupo foi alvo de um inquérito policial após uma denúncia relacionada ao repertório de um show. Segundo ele, a Polícia Civil chegou a analisar gravações da apresentação e letras de músicas como 'Papai Noel Velho Batuta', lançada em 1985.

Ele enviou trechos do inquérito, porém, não revelou o estado, nem a unidade policial onde o caso foi registrado, alegando orientação jurídica e o risco de dar palco para os extremistas denunciantes e expor autoridades envolvidas.

A música em questão, que completou 40 anos em 2025, continua sendo um dos principais sucessos da banda.

A letra, que foi escrita e aprovada durante a ditadura militar no Brasil, diz: "Papai Noel, velho batuta / Rejeita os miseráveis / Eu quero matá-lo / Aquele porco capitalista".

A alegação do inquérito, segundo o vocalista da banda que foi ouvido na Polícia Civil, a letra da música 'incentiva a violência contra pessoas de bem'".

As autoridades do estado alegaram também que 'papai noel é uma figura cristã', de grande apelo popular e religioso no país, dizem os integrantes da banda.

Para a banda, a música é uma crítica à desigualdade, na qual a figura do Papai Noel representa o sistema capitalista. Segundo trecho do documento obtido pelo g1, porém, ela representa uma "forma subliminar a cultura da violência".

A denúncia teria sido feita no primeiro semestre de 2025 após a realização de um show. Segundo Mao, o empresário que contratou a apresentação foi intimado a comparecer a uma delegacia e, depois, o próprio grupo foi contatado. Os integrantes foram interrogados remotamente.

O artista afirma que a delegada chegou a abrir um inquérito com “dezenas de páginas”, analisando o repertório e as falas entre as músicas. Por meio de carta precatória, ele foi ouvido numa delegacia seccional do ABC Paulista no último dia 28 de novembro.

Tentativa de censura

Para o vocalista, o caso configura uma tentativa de censura, algo que ele compara com a ditadura militar e com órgãos de repressão que atuaram até 1988.

“É um processo político no sentido de polícia política. Analisar letra de música, questionar canções, é uma coisa absurda”, disse Mao, que é professor de história aposentado.

O músico se diz vítima de denúncia caluniosa e afirma ter ficado surpreso com o teor da investigação, especialmente porque a banda surgiu no final da ditadura e teve músicas analisadas pelo Departamento de Censura da Polícia Federal.

Ele recorda que, na época em que foi lançada, 'Papai Noel Velho Batuta' foi aprovada, enquanto outras faixas foram barradas.

"O Garotos Podres é uma banda que surgiu no final da ditadura militar. Em todos esses anos, eu nunca vi uma coisa dessas. O aparelho de Estado ficou contaminado pelos anos de ditadura. Enquanto não extirpar esses elementos autoritários, teremos problemas”, declarou.

Sátira à censura

No início de dezembro, os Garotos Podres publicaram uma animação satirizando a investigação e para chamar atenção para o caso. Mao afirma que o humor foi uma escolha consciente.

“Às vezes, denunciar com humor é interessante. A música já nasce como denúncia, mas bem-humorada", disse Mao.

O inquérito foi concluído recentemente, segundo o vocalista, e a banda agora aguarda a decisão do Ministério Público sobre eventual oferecimento de denúncia ou arquivamento.

Por causa do episódio, os 'Garotos Podres' mandaram fazer um novo clipe animado da música que é um dos grandes sucessos da banda e que completou 40 anos em 2025.

Figuras extremistas da atualidade, que não eram conhecidas nos anos 80, quando a canção foi lançada, agora figuram no novo clip da música de 1985. Donald Trump e 'Zombilavo de Carvalho' são algumas das figuras retratadas no novo clipe.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/12/19/integrante-de-banda-garotos-podres-diz-ser-alvo-de-inquerito-por-musica-papai-noel-e-fala-em-tentativa-de-censura-40-anos-apos-lancamento.ghtml


Mundo em perspectiva multipolar ou terceira guerra mundial... Por César Benjamin

no facebook

 ·1. A prudência manda eu não escrever este texto. Estamos às vésperas de acontecimentos que podem desmenti-lo. Porém, correr riscos é inerente a qualquer análise séria. 

Defenderei que nunca estivemos tão próximos da “nova ordem internacional” almejada pelos países emergentes e, por isso mesmo, paradoxalmente, podemos estar muito próximos também da grande guerra, que seria a cartada decisiva dos defensores da velha ordem. 

Não tenho nenhuma fonte reservada de informação. Trabalho com o que se publica. Posso estar errado. Como não é possível abarcar o mundo em um post, seleciono dois processos em curso.

* * *

2. Caminha para um fim melancólico, a curto prazo, a tentativa dos Estados Unidos (administração Biden) e da Europa de usar a Ucrânia como ponta de lança de um ambicioso projeto de desagregação da Federação Russa. Seria o desejado desdobramento da vitória obtida com o fim da União Soviética. A ordem unipolar exigia a destruição da civilização russa, tanto por seu valor em si quanto como passo intermediário para o acerto de contas com a China.

A Ucrânia, o maior país da Europa em dimensão territorial, foi escolhida como ponto de Arquimedes. O golpe de Estado de 2014, o fortalecimento do neonazismo, a reengenharia política e social realizada à base de controle ideológico e de violência, a formação ali do segundo maior e mais poderoso exército europeu (somente atrás da Turquia), a perspectiva de instalação de armas nucleares a menos de cinco minutos de Moscou e de São Petersburgo, tudo isso criaria uma crise aguda que logo se desdobraria para dentro da Rússia, considerada incapaz de reagir à altura. O mosaico de 193 povos e 277 línguas e dialetos se pulverizaria, abrindo à pilhagem um gigantesco território.

O ambicioso projeto, central na geopolítica dos Estados Unidos e da Europa nos últimos 15 anos, falhou. Mais uma vez a civilização russa mostrou sua capacidade de reagir a situações de perigo extremo. A memória de uma economia planejada estava viva e permitiu uma rápida reorganização. O que ainda impede uma vitória completa no terreno é a decisão russa de evitar grandes baixas civis nas grandes cidades ucranianas, pois, para eles, os ucranianos continuam a ser um povo irmão. Não querem fazer em Kiev, que foi o berço da Rússia, o que fizeram em Berlim. Ainda esperam maior desagregação interna na Ucrânia, para que a vitória seja obtida por dentro. A imprensa ocidental omite, mas, neste momento, bandeiras russas já tremulam nas janelas da cidade de Odessa, estrategicamente a mais importante. 

A guerra está ganha. Caberá, antes de tudo, à Rússia conduzir a desnazificação do país e redefinir o mapa local.

Os Estados Unidos já entenderam isso. A Europa insiste no projeto falhado, pois não encontra a porta de saída. Isso poderá desembocar em uma guerra maior, agora ou em alguns anos. Cito Putin de cabeça: “Não queremos guerra com a Europa. Mas, se a Europa quiser, essa guerra será muito breve e não sobrará nenhum líder europeu para negociar conosco.” Mais claro impossível.

* * * 

3. Os Estados Unidos vivem um impasse em outra frente, a Venezuela. A expectativa de que a ameaça de ação militar produziria insurreições populares e divisão no poder teve o efeito inverso, até aqui. A revolução se fortaleceu. Os atacantes, excelentemente equipados, limitam-se a afundar lanchas e sequestrar navios civis, como fazem os piratas da Somália, enquanto o presidente Maduro lidera manifestações gigantescas quase todos os dias. O conceito (cubano) de “guerra de todo o povo” tem frustrado as ameaças militares maiores e já mudou a qualidade do processo político interno, de um modo que não terá retorno. As forças armadas armaram a população. A crise aguda – social, econômica e política – de alguns anos atrás, causada pela asfixia externa do país, está em via de ser superada. O apoio internacional se consolidou. O governo prevê uma taxa de crescimento de 7% a 9% neste ano. Apesar de uma inflação ainda bastante alta, não há desabastecimento. A Venezuela, que produzia em seu território cerca de 1% de sua comida, agora produz mais de 90%.

Não parece existir solução boa para os Estados Unidos. Invadir a sério é militarmente impossível, e destruir o país com bombardeios só agravará o problema: a Venezuela ficará mais unida, e a China se apresentará para financiar a reconstrução. 

Bem ao contrário do que a nossa imprensa publica, chegará a hora em que caberá à Venezuela oferecer uma saída honrosa para Donald Trump, para que ele possa se retirar sem ter sido humilhado.

* * * 

3. Posso estar muito errado. A situação, lá e cá, é muito volátil. Mas, se eu estiver moderadamente certo, estamos assistindo a passos decisivos na construção da ordem mundial multipolar que desejamos. Os Estados Unidos e seus aliados já não podem tudo. Precisam reconhecer limites e negociar com novos poderes, o que colocará na ordem do dia a reconstrução de instituições internacionais operantes, um ganho civilizatório.

A alternativa será provocar a Terceira Guerra Mundial.

* * * 

Pronto, falei. Muitos me criticarão. Aguardemos os fatos.

César Benjamin é cientista político, editor e político brasileiro. Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), participou da luta armada contra o regime, foi perseguido e exilado. Cofundador do Partido dos Trabalhadores (PT), foi também filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tendo se desligado dos dois partidos. Atualmente, César Benjamin é o editor da Contraponto Editora .


sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Como em Eduardo e Mônica do Legião Urbana vamos ao cinema assistir um filme sobre Godard? Em Aracaju no Cinema do Centro

 


Blog do Cinema

Nostalgia da revolução
18 de dezembro de 2025 | José Geraldo Couto
O filme Nouvelle vague, de Richard Linklater, está em cartaz em janeiro nos cinemas do IMS Paulista e IMS Poços.
 
Fico sempre com um pé atrás diante de filmes que buscam reconstituir “fatos reais” e/ou retratar figuras históricas conhecidas. Esse ímpeto mimético tende a apequenar o próprio cinema, reduzindo-o a uma função meramente ilustrativa. O filme passa a ser avaliado por sua capacidade de imitar caninamente o real: “Olha como o ator fulano está igualzinho ao sicrano que ele interpreta”.

Dito isso, vamos a Nouvelle vague, o filme de Richard Linklater que retrata os bastidores da produção de O acossado (1960), de Jean-Luc Godard, marco do cinema moderno e uma das obras fundadoras da... Nouvelle vague.

Vemos ali, em ação, a personalidade efervescente e imprevisível de Godard (Guillaume Marbeck), às voltas com um produtor duro na queda (Georges de Beauregard, encarnado por Bruno Dreyfürst), uma equipe atarantada e duas estrelas de personalidades díspares (Jean Seberg/Zoey Deutch e Jean-Paul Belmondo/Aubry Dullin). A missão nada modesta da trupe: subverter o cinema convencional e criar uma nova forma (ou novas formas) de expressar o real por meio de som e imagem.
 
Nosso fetichismo
A despeito do que foi dito no primeiro parágrafo, é forçoso dizer que se trata de um filme irresistível para os cinéfilos (entre os quais me incluo), talvez por conta de certo desejo fetichista de estar ali, no epicentro de uma revolução estética, política e moral. E nos deixamos levar prazerosamente por essa onda, que o próprio Godard maduro ironizaria invertendo a frase. “Une vague nouvelle”, disse ele, transformando o adjetivo em substantivo e vice-versa: uma vaga novidade.

Assim, o filme nos leva não apenas aos sets de filmagem, mas também à redação dos Cahiers du cinéma, às conversas com ídolos como Rossellini e Bresson, aos cafés e ruas do Quartier Latin, numa reconstituição cuidadosa expressa num preto e branco que mimetiza a imagem do filme original, cujo frescor, aliás, segue incólume.

Para que não se quebre o encanto, praticamente todos os diálogos são frases de efeito ditas de fato em alguma ocasião, ou expressam de modo didático as transgressões buscadas por Godard. E aqui há um paradoxo: fala-se, por exemplo, do faux-raccord e dos cortes no interior do plano, mas o filme de Linklater não os pratica em nenhum momento, resignando-se a uma decupagem essencialmente convencional, “invisível”. É um filme clássico celebrando um filme moderno.

Truffaut, o ex-amigo
Tudo somado, é uma obra a ser vista e comentada, um bom desfecho para o ano cinematográfico. Para os espectadores paulistanos, o lançamento vem com um bônus considerável: o Cinesesc programou uma mostra completa da obra de François Truffaut.

Um complemento ou contraponto mais que interessante seria o documentário Godard, Truffaut e a Nouvelle vague (2010), de Emmanuel Laurent e Antoine de Baecque, disponível em DVD da Imovision. Ali se investiga mais a fundo essa espinhosa amizade/inimizade criativa que sacudiu a história do cinema.



P.S.: 1) Vou assistir "Acossado" pela primeira vez na próxima semana via streaming, as pessoas mais próximas e que gostam de frequentar  as sessões do Cinema do Centro,  Cineclube Realidade e/ou outros, podem combinar conosco no privado para organizarmos uma exibição doméstica em grupo, como já fizemos com o Cineclube Circular em 2019.  Uma sessão que pode ser acompanhada de um bom vinho com petiscos "fin" ou "délicate".  

2 - Na sessão de exibição de ontem (sexta-feira) além de presença luxuosa do professor Romero  Venâncio (UFS) um grande  cinéfilo e admirador do cinema de Godard, encontrei  na mesma fileira em que comprei o ingresso, um casal de jovens, um dos dois,  talvez adolescentes. Quem sabe, mais  um Eduardo e Mônica da vida real. Quem vai saber... Mas fiquei feliz por isso. Por outro lado, deixo bem claro, é um filme para cinéfilos e/ou para pessoas que querem ir mais fundo na compreensão da magia da sétima arte.

Zezito de Oliveira


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

O Godard que conheci de muito ouvir falar e que agora contemplo nas reações pela sua morte.


 Comecei a ouvir falar de Godard cedo, em virtude de ter vivido como adolescente e inicio da juventude em uma certa época e em um certo lugar, além do gosto precoce pela leitura de jornais..

A época foi os meados de 1970 a até os meados de 1980. O local foi o Rio de Janeiro, um Rio não tomado pelo tráfico de drogas, milícias e fundamentalismo religioso, mas com o embrião do que veio a se tornar nestes tristes dias, misturado com as alegrias da praia, do futebol e da beleza da sua gente, da sua natureza e sua cultura..

Por gostar de ler jornais, em especial o Jornal do Brasil e os jornais da imprensa alternativa e independente, topava vez em quando com Godard e outros mestres do cinema europeu. Godard foi bastante citado..

Das leituras até o cinema, via cinemas de arte, cinemas de rua e cineclube, foi só um pulo.. Como morava distante do centro e da zona sul, locais onde podia encontrar os tipos de cinema que citei, não consegui frequentar com mais constância, porém quando podia fazer era motivo de alegria,

Dos filmes escolhidos tinha especial predileção pelos filmes censurados e depois exibidos com o afrouxamento ou fim oficial da censura...

Por gostar em primeiro lugar de música brasileira, de literatura brasileira e do cinema nacional, não buscava  assistir filmes estrangeiros, salvo alguns censurados e depois liberados... Lembro em especial de Pai Patrão (1977 - Irmãos Taviani)  e Novecento (1976 - Bernardo Bertolucci).

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O PL da anistia disfarçada para além do Jornal Nacional e da Globo, Record e SBT NEWS. Aqui, de acordo com o artigo de Eliara Santana no GGN, 247 e Meteoro. Vale a leitura!!

 


“Eu quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa”, por Eliara Santana

Foi notícia de que Jacques Wagner havia costurado acordo para votar o PL da Dosimetria em troca da aprovação da taxação de bens e fintechs.

por Eliara Santana

Guimarães Rosa é sempre inspirador demais da conta em todos os momentos. Ontem, dado o furor dos últimos acontecimentos na votação do PL da Dosimetria, pensei muito e muito nesse conterrâneo. Recapitulando, o que estourou na mídia – a partir de uma fala e uma postagem de Renan Calheiros – foi a noticia de que o PT, via Jaques Wagner, o senador baiano, havia costurado um acordo para votar o PL da Dosimetria em troca da aprovação da taxação das bens e fintechs, a taxação BBB.

Segundo a denúncia partiu do senador Renan, o líder do Governo havia pedido para “deixar votar” o projeto da dosimetria como parte de uma articulação para destravar a pauta econômica no Senado.

Caça às bruxas, ou melhor, ao PT.

A Globo indignada com tamanha “safadeza”, colocando Otávio Guedes pra gritar e bradar contra Wagner, pra dizer que o PT rifou a democracia.

Comecei a ver o noticiário e a acompanhar as reações da esquerda, ou do campo progressista, como preferirem. Todos deixando saltar o ódio a Wagner, a Rui Costa, às tramoias políticas, colocando a política naquele campo puro, imaculado, sem respingos, muita gente jurando que jamais votaria no PT de novo, danando-se para a extrema direita. Pensei em Maquiavel se revirando no túmulo. E fiquei matutando (gosto muito de matutar) pra entender – afinal, não tenho todas essas certezas que tanta gente tem. Mentira. Tenho uma certeza firme: NÃO QUERO VER A EXTREMA DIREITA DE VOLTA AO PODER NO BRASIL.

Muito bm. Vi as justificativas do senador Jaques Wagner, com aquela calma de quem vê a tarde passar em Itapoã tomando um belo whisky, falar que o acordo foi “de procedimento e não de mérito” e que ele resolveu arriscar sem falar com o presidente Lula ou com a ministra Gleisi, porque “quem está na política tem de ter coragem de se arriscar, e a política sem risco não tem graça”. Ainda segundo o senador baiano, “no mérito, o meu partido fechou questão contra essa matéria, e o governo orienta voto contra”.

Vamos pensar em alguns aspectos para tecer os fios, se for possível.

1: Pode ter havido tentativa de acordo pra garantir uma vitória muito importante para o Governo com um Congresso miserável? Sendo que o PL da Dosimetria não será aprovado por Lula e pode ser alvo do STF? Pode, claro que pode. De novo, estamos falando de real politik. Jaques Wagner já assumiu a “culpa” toda pelas tratativas, Gleisi condenou a ação do líder e disse que o PT e o Governo não negociam a democracia. Aliás, os senadores petistas todos votaram contra o PL.

2: O PL da Dosimetria reduz as penas de Jair Bolsonaro e dos demais golpistas do 8 de janeiro. É um absurdo? Sim, total – o Congresso blindando os bandidos. A base do Governo tinha força pra derrotar a aprovação? Não. Os senadores petistas votaram a favor? Não. Lula vai aprovar? Não. O presidente afirmou hoje, em coletiva a com os jornalistas, que quem atentou contra a democracia tem de pagar e que se o PL chegar à mesa dele, ele vai vetar.

3: O Governo é minoria no Congresso. Minoria de verdade num Congresso aberta e francamente bolsonarista. O Congresso quer marretar o Governo, quer destruir o Governo. Não há clima para republicanismo.

4: Sem a taxação BBB, o Governo começaria 2026 com um problemão orçamentário – em ano eleitoral. Teria de cortar na carne de projetos importantes. Estamos falando de 20 bilhões. Iria inviabilizar o Governo. Mas ontem, o Governo teve uma vitória impressionante. Conseguiu virar o jogo e retirar uma série de isenções e garantir a taxação e a possibilidade de orçamento – recuperou 20 bilhões para 2026.

5: Insultos a Rui Costa e a Wagner explodiram na rede. Pedidos de afastamento de ambos. Gritaria, muita raiva. Não estou aqui defendendo nenhum dos dois, sei que Rui tem problemas à frente da Casa Civil e que Wagner tem lá seus problemas também. No entanto, três coisas: 1) a Bahia é uma vitrine do e para o PT, é o estado que deu a maior votação a Lula, em que o PT governa há CINCO mandatos; 2) para onde vão no estado (e eles rodam muito pelo interior), Rui, Wagner e Jerônimo levam Lula – de inauguração de escola a entrega de cestas de Natal, o discurso vigente é “esse projeto foi possível graças à parceria com o governo do presidente Lula; a Bahia está de braços dados com o Presidente”, e isso se integra ao discurso das pessoas de modo geral, cidadãos comuns que defendem o PT e defendem Lula e VOTAM em Lula; 3) a extrema direita quer furar os feitiços de proteção da Bahia e entrar de sola no estado, minando a força de Lula; para isso, conta com as agremiações evangélicas picaretas que explodiram no estado e com a mídia – já repararam que a manchete “Violência na Bahia” volta à cena com força?

6: Nos estertores de 2025, é muito conveniente colar no PT a pecha de corrupto, que faz negociata, tramoia – nas redes, da esquerda e da direita, esse era o tom. Sobretudo no final do ano, quando os índices de Lula estão muito bons e a extrema direita ainda está capenga – mas os entornos de Flávio estão se organizando, não se iludam.

Por fim, não acredito em santos na política, que fique claro. Sou totalmente contra esse PL que livra os bandidos, que fique claro também (antes que atirem pedras). No entanto, aprendi que a gente deve respirar e tentar olhar as coisas com mais racionalidade e menos fígado.

Lá bem atrás, quando comecei a tentar montar o quebra-cabeça da parceria mídia e Lava Jato, em muitos momentos, diante de tantas certezas de gente tão mais eloquente e competente que eu, cheguei e pensar que estava sucumbindo a teorias da conspiração – sei lá, vai ver era aquilo mesmo, o PT era um antro de corrupção, estava envolvido nas tramoias da Petrobras que deviam existir…. Tantos alecrins dourados que estavam acima do bem e do mal e que vociferavam contra o PT e Lula e Dilma. Enfim, talvez eu estivesse mesmo errada. Mas também sou teimosa – aliás, muito teimosa – e achei que minha intuição pudesse estar certa. Fui fuçando, fuçando… e o tempo e as investigações mostraram que, afinal, eu estava certa em enxergar a parceria. Aliás, só para registro, apanhei muito, muito durante os anos – longos – do episódio Lava Jato. Vocês se lembram que os procuradores eram seres ungidos pelo Divino e que estavam acima do bem e do mal, não é?

Como eu sou reles mortal e aprendi a não pensar com o fígado, depois de anos exposta ao fundo vermelho com canos enferrujados e dinheiro escorrendo, sinto-me à vontade para costurar aqui esses fios soltos (pelo menos para mim). O Governo é minoria num Congresso miserável, que defende única e exclusivamente seus interesses e os interesses do andar de cima. Não há projeto, muito menos projeto de país. Estamos lidando – e vamos lidar em 2026 – com a escória da política, que foi levada ao poder com o bolsonarismo – e permanece no poder, mesmo que tenham perdido em 2022 a Presidência. Um republicanismo romântico, como se estivéssemos na Dinamarca comemorando o Natal, não nos salvará e nem vai possibilitar que possamos sonhar com um país um tiquim melhor.

Esse é só o meu ponto de vista. De alguém que tem poucas certezas, muitas dúvidas e uma vontade enorme de derrotar de novo a extrema direita.

Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora do Observatório das Eleições e integra o Núcleo de Estudos Avançados de Linguagens, da Universidade Federal do Rio Grande. Coordena o programa Desinformação & Política. Também Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepautaggn@gmail.com. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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Para integrantes do governo Trump, avanço do PL da Dosimetria na Câmara pesou em decisão dos EUA sobre Moraes

Segundo integrantes do governo Trump, o movimento no Congresso brasileiro influenciou revisão de sanções impostas ao ministro do STF

247 - O avanço, na Câmara dos Deputados, de um projeto de lei que reduz penas de condenados pelos ataques de 8 de janeiro e pela trama golpista foi considerado determinante para a mudança de posição do governo de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, em relação às sanções aplicadas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. A revisão das medidas também atingiu Viviane Barci de Moraes, esposa do magistrado, e o Instituto Lex, ligado à família do ministro.

Segundo O Globo, o andamento do texto no Legislativo brasileiro foi interpretado pelo Departamento de Estado dos EUA como um sinal positivo, sendo visto por interlocutores próximos ao secretário de Estado, Marco Rubio, como um passo na direção certa.

De acordo com integrantes da administração Trump, o projeto em debate na Câmara passou a ser tratado internamente como uma “lei da anistia”, embora o texto não preveja a eliminação das penas. A leitura predominante no governo estadunidense foi a de que o avanço da proposta indicaria uma redução daquilo que autoridades dos EUA classificavam como prática de lawfare no Brasil.

Ainda segundo esses relatos, a manutenção de Alexandre de Moraes e de sua esposa na lista de sancionados passou a ser vista como incompatível com os interesses da política externa dos Estados Unidos. A suposta perseguição do Judiciário brasileiro a Jair Bolsonaro (PL) era apontada por Trump e por Rubio como o principal argumento para justificar tanto as sanções quanto o tarifaço de 50% imposto às exportações brasileiras.

Controvérsia sobre as sanções
A aplicação das punições, no entanto, sempre foi alvo de controvérsia. Alexandre de Moraes não é acusado de corrupção, e suas decisões no processo relacionado à tentativa de golpe foram reiteradamente confirmadas pelo plenário do STF. Além disso, o Brasil é classificado como uma democracia com Judiciário independente por projetos acadêmicos internacionais de democracia comparada, como os da Freedom House e do V-Dem.

O comunicado oficial que anunciou a retirada dos nomes da lista da Lei Magnitsky, divulgado pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, não detalhou as razões que motivaram a mudança de posição.

Distensão diplomática entre Brasil e EUA
A decisão ocorreu em meio a um processo de distensão nas relações entre o governo Trump e a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O fim das sanções vinha sendo solicitado pelo Brasil em conversas diretas entre Lula e Trump, além de tratativas conduzidas pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, junto ao secretário de Estado Marco Rubio.

Alexandre de Moraes havia sido incluído na lista de sancionados em julho, no mesmo dia em que Trump anunciou oficialmente o aumento de 50% nas tarifas sobre produtos brasileiros. A justificativa apresentada à época foi a atuação do ministro na ação penal da trama golpista, que resultou na condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão.

Impactos da Lei Magnitsky
Moraes foi o primeiro brasileiro sancionado diretamente com base na Lei Magnitsky, que prevê bloqueio de bens e contas bancárias em território americano. As medidas também tiveram reflexos no Brasil, como o cancelamento de cartões de crédito. Em 22 de setembro, o governo dos Estados Unidos ampliou as sanções para Viviane Barci de Moraes e para o Instituto Lex, empresa vinculada à esposa do ministro e aos três filhos do casal. 

ALESSANDRO VIEIRA, QUE SUPOSTAMENTE DENUNCIOU O "ACORDÃO", VOTOU POR GOLPE | PLANTÃO