O contrário do que propôs e realizou Anísio Teixeira. "A escola pública é a máquina que consolidará a democracia no Brasil."
Eles não querem formar cidadãos com conhecimento, pensamento crítico e autonomia de escolha, porque perdem o poder de manipular o jogo de dentro. Quando a elite desmonta um projeto de ensino voltado à emancipação social e o substitui por uma formação restrita à produção de mão de obra barata, não se trata de acaso ou descuido: é projeto político de sociedade. Querem quem trabalhe muito, receba pouco, e não questione a lógica de governança que legitima sua dominação. Quanto menos conhecimento o povo tem, mais poder tem a elite. Quanto menos o povo conseguir identificar as falhas na governança, mais liberdade eles têm para moldar um mundo que os favorece. E quanto menos o povo souber o que fazer, como fazer, e através de que formas agir, mais tempo essa elite terá no poder. 🟠 O vídeo dialoga com as disciplinas de @jesse_souza1960 (Problemas Brasileiros em Perspectiva Sociológica) e @renatojanine (Teorias Políticas para Interpretar o Brasil), especialmente ao abordar a formação da República brasileira e as crises pelas quais as instituições democráticas do país têm passado nos últimos anos. ✅ Você concorda? Qual tem que ser a maior mudança na educação brasileira atual?
"Em escolas do Paraná e Santa Catarina, escolas civico-militares recitam hinos do BOPE. Neles não há figuras de linguagem como metáforas, não pretende ser poesia, mas instrução doutrinária de como matar PPPP, Pretos, Pardos, Pobres e Periféricos." Antônio da Cruz no facebook.
O professor em risco: a aprovação automática está vindo aí
Por Valter Mattos da Costa*
A decisão recente da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC RJ) expressa primeiramente no Decreto nº 49.994, de 17 de novembro de 2025, instituiu a chamada Política Estadual Excepcional de Progressão Parcial. O nome técnico suaviza o impacto real: trata-se de uma aprovação automática disfarçada, ainda que revestida de expressões como “progressão parcial”, “regime especial de recuperação” e “atividades complementares obrigatórias”.
Dias depois do decreto, a SEEDUC publicou a Resolução de 19 de novembro de 2025, aprofundando e ampliando o escopo da medida. O documento estabelece que estudantes da 1ª e 2ª séries podem avançar com até seis retenções distintas, enquanto a 3ª série admite progressão mesmo com três reprovações. A norma, que se apresenta como “excepcional”, mas acaba por institucionalizar um afrouxamento estrutural sem precedentes.
A mesma resolução institui ainda um sistema de bonificação financeira para as escolas que atingirem metas de aprovação quase totais. Na prática, trata-se de um pressão institucional para eliminar reprovações, forcando gestores e docentes a produzir números alinhados ao discurso oficial, independentemente das condições reais de aprendizagem.
O texto normativo determina que estudantes do Ensino Médio avancem de série, como foi dito, mesmo com reprovações, desde que cumpram atividades de recuperação definidas pelas próprias escolas no ano seguinte. Na prática, essa decisão transfere para o chão de fábrica docente, a escola, uma conta que o Estado não quer pagar: a da responsabilidade pela aprendizagem em condições impossíveis de trabalho.
A medida sequer passou por diálogo com a categoria; foi mais uma imposição verticalizada, típica de quem governa a educação como se a escola fosse um laboratório de decretos e não um espaço de trabalho coletivo.
A realidade das escolas públicas já opera no limite. A carga de trabalho é imensa, a remuneração fica abaixo da responsabilidade exigida e a estrutura é frágil. Cada ano, novos sistemas, plataformas, formulários e exigências chegam do nível central como se professores fossem funcionários de uma linha de montagem digital. O que chamo de Pedagogia da Métrica (a antítese da Pedagogia de Paulo Freire) se infiltra em cada meta, cada planilha, cada reunião, como se a educação pudesse ser reduzida a indicadores numéricos.
Enquanto isso, a sala de aula é um campo de tensões permanentes. O desrespeito frequente, fruto de um meio estressor crescente, aumenta o desgaste emocional do professor. O mal-estar docente se torna rotina. Adoecimento físico e psíquico se acumulam como parte invisível do calendário escolar. É esse trabalhador fragilizado que agora terá de lidar com um novo dispositivo burocrático que promete facilitar a vida do estudante (que tem como desculpa oficial, diminuir a evasão escolar), mas, na verdade, aprofunda a sobrecarga do professor.
Não bastasse o Novo Ensino Médio ter introduzido pseudodisciplinas e novos componentes curriculares — como eletivas e Projeto de Vida — retirando tempo das áreas cobradas no ENEM, agora a SEEDUC acrescenta mais um mecanismo que desestrutura o trabalho docente.
A “progressão parcial” impõe ao docente a responsabilidade de acompanhar, planejar, executar, corrigir e registrar atividades suplementares de estudantes que não dominaram o conteúdo regular. O governo anuncia uma solução pedagógica; o professor recebe uma lista adicional de tarefas. O discurso fala em inclusão; a sala de aula mostra apenas mais improvisos para mascarar a ausência de condições reais de ensino.
O problema não está em permitir que estudantes avancem com pendências – não se trata de se defender uma postura “punitivista”. A progressão em condições especiais, existe há décadas (chamamos de dependência etc.). O problema está no uso estratégico da norma para produzir números, ocultar o fracasso estrutural da política educacional e transferir a culpa para o professor quando algo der errado. Ao final do ano, os índices de aprovação sobem, as estatísticas são celebradas e os relatórios apontam avanços (para a glória do governante do momento). No entanto, por trás desses números, a precariedade permanece intacta.
Trata-se de uma política que tenta esconder o óbvio: não há professores suficientes, as escolas estão sucateadas e o Estado se recusa a enfrentar o investimento necessário para garantir o direito à educação. Ao maquiar indicadores, a gestão pública adia o enfrentamento do problema e empurra para o professor a responsabilidade por uma crise que não começou na sala de aula – mas termina nela.
Essa decisão do Rio de Janeiro não é isolada. Alguns estados brasileiros já adotam mecanismos semelhantes, sempre com a mesma lógica: menos reprovação, mais aprovação numérica, mais indicadores positivos para apresentar ao país. É a política nacional da dissimulação pedagógica. O discurso é moderno; a prática é a mesma de sempre: transformar o professor em amortecedor de tensões sociais que o Estado não quer enfrentar.
O desinteresse estudantil, já alto, tende a aumentar quando o próprio sistema escolar comunica que o esforço não é necessário. Quando a mensagem institucional é “você avança mesmo sem aprender”, a autoridade do professor perde qualquer sustentação simbólica — e olha que os professores vêm descendo o sarrafo de suas avaliações há tempos. A indisciplina cresce, o respeito diminui e o trabalho docente se torna emocionalmente insustentável.
Já estou até vendo a cena: “professor, por que tenho de estudar isso, eu vou passar mesmo?”. E a culpa, mais uma vez, será atribuída ao professor que “não sabe dar uma aula atraente”, como se o problema estivesse na performance individual e não na política educacional que desestrutura o próprio sentido da aprendizagem – ou seja, o problema é profundamente mais estrutural.
O impacto dessa decisão recairá diretamente sobre o corpo e a mente do professor regente. O mal-estar docente, já naturalizado, será intensificado. A pressão psicológica aumentará, os conflitos em sala de aula se multiplicarão e o adoecimento será inevitável. Haverá mais afastamentos médicos, mais pedidos de exoneração e mais desistências silenciosas. O apagão de professores, anunciado há anos, se tornará realidade concreta.
Essa política não resolve o problema da aprendizagem; apenas o empurra para baixo do tapete. Em vez de fortalecer a formação docente, garantir salários dignos, melhorar a infraestrutura e oferecer suporte psicológico, o Estado cria um mecanismo paliativo que agrava a sobrecarga e fragiliza ainda mais quem sustenta diariamente a escola pública.
A progressão parcial, como foi apresentada, revela uma concepção que vê o professor como um recurso inesgotável. Como alguém capaz de absorver infinitas demandas, sem adoecer, sem sofrer, sem colapsar. A escola real, porém, já está no limite. E cada nova medida desconectada do cotidiano empurra o professor para mais longe da permanência na carreira.
Em última instância, essa decisão reforça a antiga estratégia política de transformar a escola pública em laboratório de experiências mal planejadas, que produzem manchetes positivas e, simultaneamente, silenciam o sofrimento de quem trabalha todos os dias para impedir que o sistema entre em colapso definitivo.
A escola precisa de estrutura, investimento, respeito e políticas sérias – não de decretos que apenas disfarça a crise.
O que o Estado chama de “progressão”, o professor reconhece como mais um passo rumo ao esgotamento completo. Ah! Governador, e o nosso piso?
* Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.
Aprovação automática agita a corrida dos estados pelo Ideb
Quem confunde indicador educacional com ‘qualidade’ ou garantia de direitos ou nunca pisou numa sala de aula, ou almeja extrair alguma vantagem política dos resultados
POR FERNANDO CÁSSIO
02... Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/opiniao/aprovacao-automatica-agita-a-corrida-dos-estados-pelo-ideb/
sábado, 11 de outubro de 2025
TEMPO INTEGRAL OU TEMPO FECHADO? A pedagogia da ansiedade nas protoprisões escolares.
As escolas de tempo integral cumprem, também, uma função secundária, mas decisiva. A de esvaziamento das ruas. Funcionam como dispositivos de captura dos corpos juvenis, sob o argumento civilizatório de que o perigo está lá fora.
Rick Afonso-Rocha no Le Monde Diplomatique (edição em português)
https://acaoculturalse.blogspot.com/2025/10/tempo-integral-ou-tempo-fechado.html
EDUCAÇÃO PARA MANTER A DESIGUALDADE
Bolsonaro para os pobres, Paulo Freire para os ricos
A elite brasileira, que adora odiar Freire, compra a peso de ouro para seus filhos o ingresso em colégios influenciados por ele. Aos filhos dos pobres, resta a disciplina escolar do século XIX
José Ruy Lozano
7 de dezembro de 2017
Pipas de várias cores enfeitam o céu. Alunos observam algumas subirem e outras caírem, enquanto tentam compreender como a direção do vento influencia o movimento, além de verificarem na prática conceitos científicos como aerodinâmica, resistência do ar e força da gravidade. Tudo na base da experiência concreta, envolvendo tentativas e erros.
Voltando à sala de aula, professor e alunos discutem, organizados em círculo, o que se aprendeu com aquela vivência. A diferença hierárquica entre mestre e estudantes se dilui, e o professor mostra-se mais como um mediador ou um facilitador do processo de aprendizagem.
Pano rápido. Vamos nos deslocar para outra realidade.
Alunos uniformizados prestam continência e dirigem-se aos policiais, que também são professores, utilizando os termos “senhor” e “senhora”. Nos corredores da escola, com paredes cinzentas, não se veem bedéis, mas guardas, alguns armados. Todos os meninos usam o mesmo corte de cabelo, todas as meninas têm o cabelo preso.
Na sala de aula, o professor fala e os alunos ouvem. Todos os estudantes sentam-se enfileirados e qualquer contato entre eles durante a explanação gera uma advertência. Contabilizadas, as advertências podem provocar a expulsão do aluno.
As primeiras cenas são parte do cotidiano de um grande colégio de elite, recém-chegado à cidade de São Paulo. As seguintes são exemplares da realidade vivida em colégios estaduais administrados pelas polícias militares de cada estado.
As descrições revelam duas tendências – contraditórias – cada vez mais presentes no panorama escolar brasileiro. As escolas particulares mais caras investem em metodologias ativas, considerando os interesses e as individualidades dos alunos, partindo do pressuposto de que eles, alunos, são os protagonistas da aprendizagem. Já escolas públicas de muitos estados brasileiros estão terceirizando sua administração às polícias militares e apostam na disciplina mais rígida e no ensino mais tradicional.
Grandes empresários e grupos de investimento estrangeiros compram ou erguem escolas com tecnologia moderna e formação de ponta, onde os alunos aprendem a explorar o mundo por uma interação lúdica. Enquanto isso, o deputado Jair Bolsonaro espalha nas redes sociais vídeos propagandeando as virtudes das escolas administradas pela PM, cujo mantra é lei e ordem.
Uma agridoce ironia: o ponto cego dos discursos das escolas de elite é admitir que as metodologias que propõem são em grande medida inspiradas em teorias da educação que tiveram Paulo Freire como um de seus expoentes.
Geralmente, esses colégios mencionam programas de formação de universidades norte-americanas, como Harvard e Stanford. O que não dizem é que obras como Pedagogia da Autonomia, um clássico do pensador pernambucano, estão na bibliografia básica das faculdades de educação inspiradoras de seus projetos pedagógicos.
A elite brasileira, que adora odiar Freire, compra a peso de ouro para seus filhos o ingresso em escolas em muito influenciadas por ele, bem como por outros pensadores considerados progressistas no campo da educação, como Jean Piaget ou Maria Montessori.
A ironia continua. Aos filhos dos pobres, resta a disciplina escolar do século XIX. Ainda que justamente pensando neles Paulo Freire tenha elaborado suas teses, a eles são negadas sua influência e seu prestígio.
Mas a diferença talvez não seja tão despropositada ou surpreendente como se pode pensar à primeira vista. Afinal, nas escolas públicas estudam os pobres, que serão no futuro funcionários dos alunos ricos.
E o que se espera do trabalhador pobre, a não ser obediência?
Aos ricos, proporciona-se liberdade. Dos ricos, esperam-se criatividade, “empreendedorismo”, autonomia. Ao pobre, destinamos o adestramento, a normalização foucaultiana de condutas, a padronização de comportamentos.
Acima de tudo, não se deve incentivar o questionamento, tampouco uma perspectiva crítica dos filhos das classes menos favorecidas. Isso deve ser reservado àqueles capazes de pagar mensalidades astronômicas, que compram um desenvolvimento cognitivo “diferenciado” para seus filhos.
Assim a educação brasileira cumpre seu papel: o de continuar sendo um dos instrumentos mais terríveis de manutenção da desigualdade social.
https://diplomatique.org.br/bolsonaro-para-os-pobres-paulo-freire-para-os-ricos/

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