sábado, 20 de dezembro de 2025

Mundo em perspectiva multipolar ou terceira guerra mundial... Por César Benjamin

no facebook

 ·1. A prudência manda eu não escrever este texto. Estamos às vésperas de acontecimentos que podem desmenti-lo. Porém, correr riscos é inerente a qualquer análise séria. 

Defenderei que nunca estivemos tão próximos da “nova ordem internacional” almejada pelos países emergentes e, por isso mesmo, paradoxalmente, podemos estar muito próximos também da grande guerra, que seria a cartada decisiva dos defensores da velha ordem. 

Não tenho nenhuma fonte reservada de informação. Trabalho com o que se publica. Posso estar errado. Como não é possível abarcar o mundo em um post, seleciono dois processos em curso.

* * *

2. Caminha para um fim melancólico, a curto prazo, a tentativa dos Estados Unidos (administração Biden) e da Europa de usar a Ucrânia como ponta de lança de um ambicioso projeto de desagregação da Federação Russa. Seria o desejado desdobramento da vitória obtida com o fim da União Soviética. A ordem unipolar exigia a destruição da civilização russa, tanto por seu valor em si quanto como passo intermediário para o acerto de contas com a China.

A Ucrânia, o maior país da Europa em dimensão territorial, foi escolhida como ponto de Arquimedes. O golpe de Estado de 2014, o fortalecimento do neonazismo, a reengenharia política e social realizada à base de controle ideológico e de violência, a formação ali do segundo maior e mais poderoso exército europeu (somente atrás da Turquia), a perspectiva de instalação de armas nucleares a menos de cinco minutos de Moscou e de São Petersburgo, tudo isso criaria uma crise aguda que logo se desdobraria para dentro da Rússia, considerada incapaz de reagir à altura. O mosaico de 193 povos e 277 línguas e dialetos se pulverizaria, abrindo à pilhagem um gigantesco território.

O ambicioso projeto, central na geopolítica dos Estados Unidos e da Europa nos últimos 15 anos, falhou. Mais uma vez a civilização russa mostrou sua capacidade de reagir a situações de perigo extremo. A memória de uma economia planejada estava viva e permitiu uma rápida reorganização. O que ainda impede uma vitória completa no terreno é a decisão russa de evitar grandes baixas civis nas grandes cidades ucranianas, pois, para eles, os ucranianos continuam a ser um povo irmão. Não querem fazer em Kiev, que foi o berço da Rússia, o que fizeram em Berlim. Ainda esperam maior desagregação interna na Ucrânia, para que a vitória seja obtida por dentro. A imprensa ocidental omite, mas, neste momento, bandeiras russas já tremulam nas janelas da cidade de Odessa, estrategicamente a mais importante. 

A guerra está ganha. Caberá, antes de tudo, à Rússia conduzir a desnazificação do país e redefinir o mapa local.

Os Estados Unidos já entenderam isso. A Europa insiste no projeto falhado, pois não encontra a porta de saída. Isso poderá desembocar em uma guerra maior, agora ou em alguns anos. Cito Putin de cabeça: “Não queremos guerra com a Europa. Mas, se a Europa quiser, essa guerra será muito breve e não sobrará nenhum líder europeu para negociar conosco.” Mais claro impossível.

* * * 

3. Os Estados Unidos vivem um impasse em outra frente, a Venezuela. A expectativa de que a ameaça de ação militar produziria insurreições populares e divisão no poder teve o efeito inverso, até aqui. A revolução se fortaleceu. Os atacantes, excelentemente equipados, limitam-se a afundar lanchas e sequestrar navios civis, como fazem os piratas da Somália, enquanto o presidente Maduro lidera manifestações gigantescas quase todos os dias. O conceito (cubano) de “guerra de todo o povo” tem frustrado as ameaças militares maiores e já mudou a qualidade do processo político interno, de um modo que não terá retorno. As forças armadas armaram a população. A crise aguda – social, econômica e política – de alguns anos atrás, causada pela asfixia externa do país, está em via de ser superada. O apoio internacional se consolidou. O governo prevê uma taxa de crescimento de 7% a 9% neste ano. Apesar de uma inflação ainda bastante alta, não há desabastecimento. A Venezuela, que produzia em seu território cerca de 1% de sua comida, agora produz mais de 90%.

Não parece existir solução boa para os Estados Unidos. Invadir a sério é militarmente impossível, e destruir o país com bombardeios só agravará o problema: a Venezuela ficará mais unida, e a China se apresentará para financiar a reconstrução. 

Bem ao contrário do que a nossa imprensa publica, chegará a hora em que caberá à Venezuela oferecer uma saída honrosa para Donald Trump, para que ele possa se retirar sem ter sido humilhado.

* * * 

3. Posso estar muito errado. A situação, lá e cá, é muito volátil. Mas, se eu estiver moderadamente certo, estamos assistindo a passos decisivos na construção da ordem mundial multipolar que desejamos. Os Estados Unidos e seus aliados já não podem tudo. Precisam reconhecer limites e negociar com novos poderes, o que colocará na ordem do dia a reconstrução de instituições internacionais operantes, um ganho civilizatório.

A alternativa será provocar a Terceira Guerra Mundial.

* * * 

Pronto, falei. Muitos me criticarão. Aguardemos os fatos.

César Benjamin é cientista político, editor e político brasileiro. Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), participou da luta armada contra o regime, foi perseguido e exilado. Cofundador do Partido dos Trabalhadores (PT), foi também filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tendo se desligado dos dois partidos. Atualmente, César Benjamin é o editor da Contraponto Editora .


Nenhum comentário: