Ódio ao sabiá! Pois é. Muita gente comunga de tal desatino. Não por malvadeza, coração peludo, sangue de angu. É pelo maldito tuí-tuí do pobre bichinho com CEP paulistano! Sua melodia suave e ribombante, diferente do trinado de alvorada de seus compadres do interior. Um passarinho urbanizado que solta o gogó lá pelas cinco da madrugada pra anunciar que logo, loguinho, tocará o despertador. O dia raiará sob uma sinfonia automotiva, e aí é hora de pegar no batente, e pobre de você, amigo, que mal pregou os olhos de preocupação com os boletos, não pegou o trem do sono por enes razões. Ódio ao sabiá. Mas ódio desamargurado, ódio do bem, porque aqui a gente se ama com todo ódio e se odeia com todo amor, não é mesmo, Tom Zé? “Quando se está sozinho em insônia, pensando merda, o sabiá dá um desespero”, diz o poeta e músico Maurício Pereira, 66 anos, numa manhã paulistana estranhamente amena. Uma média e a broa de milho quentinha estão sobre a mesa. E os olhos, pregados na janela de uma padoca na Vila Madalena, que emoldura a eterna correria da maior metrópole da América Latina, tão presente em suas canções. “Sim, São Paulo é um assunto. Normal, eu vivo por aqui, já andei muito pela cidade. Olhando. Aqui a gente tem que achar a beleza onde não tem beleza (mas tem…). Achar o lírico no meio da pressa, das tarefas, do corre-corre, da violência. O tempo todo tem enredos rolando, né? Conflito, atrito. Isso vai pro texto, pro espírito, pra observação". *** Poesia numa hora destas? A vida urbana pode ser muitas vezes áspera. Mas como encontrar suas belezas, encantos e respiros? Convidamos Maurício Pereira para nos ajudar. Um flâneur peculiar que abraça a Paulicéia e a Paulistânia, encanta-se com sabiás e aviões, e analisa com argúcia as tensões cotidianas das cidades: do concreto triste ao verde das praças, da velocidade inescapável aos silêncios necessários, do miúdo ao grandioso… Neste final de ano, com conquistas e apesar de derrotas, podemos nos inspirar a relembrar que as cidades vão além das trocas de mercadorias e serviços. São espaços de efervescência cultural, resistências populares e, por que não, de lirismos…
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