quinta-feira, 16 de março de 2023

Ato e missa nesta sexta-feira, 17, marcam homenagem a estudante da USP morto sob tortura pela ditadura militar

 Por Lúcia Rodrigues

 Um aluno brilhante. É assim que o geólogo e ex-presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo, define o amigo e colega de classe na USP (Universidade de São Paulo) Alexandre Vanucchi Leme, assassinado sob tortura no DOI-Codi paulista há 50 anos, em 17 de abril de 1973.

Adriano foi preso nesse dia e levado para o mesmo centro de tortura. Foi ainda no pátio, quando era desembarcado do veículo da repressão que o trouxera até ali, que soube da morte do amigo. O comandante do DOI-Codi, o coronel torturador, à época major, Carlos Alberto Brilhante Ustra, foi quem deu a notícia.

“Ele me disse que tinha mandado o Minhoca (apelido de Alexandre na USP) para a Vanguarda Popular Celestial. ‘Matei aquele filho da puta e é pra lá que eu vou te mandar também'”, recorda emocionado.

Naquele momento, Adriano ainda não sabia que aquele militar enfurecido que berrava no pátio do DOI-Codi era o comandante do centro de tortura mais temido da ditadura militar.

“O Ustra estava completamente enlouquecido. Parecia um louco no pátio com uma arma na mão. Me perguntou se eu sabia onde estava, respondi que não. E ele disse que eu estava na antessala do inferno e que acabara de matar o Alexandre.”

Ainda no pátio, presenciou a retirada do corpo de Alexandre, com 22 anos, do DOI-Codi.

“Eu vi ele morto. Eu vi um corpo enrolado num tapete. Jogaram dentro de um Opala. Eu vi tudo, eu estava no pátio.”

Quando chegou à sala de tortura, a imagem também era macabra. “Estava toda  ensanguentada.”

Adriano permaneceu preso ali por 90 dias. “Queriam arrancar dele (Alexandre), o que ele fazia na ALN (Ação Libertadora Nacional, organização que combatia a ditadura). Ele não abriu a boca. E eu fui torturado três meses para dizer qual era minha ligação com a ALN e a ligação dele com a ALN”, enfatiza.

“A Geologia (da USP) tinha uma prática militante. Era praticamente a sede da ALN na USP. Era uma escola marighellista. Mas o Alexandre era o geólogo, o menino estudioso, o primeiro aluno da classe.”

Ele conta que conheceu o amigo durante o trote na recepção aos calouros em 1970. Adriano havia entrado na faculdade um ano antes, em 1969.

“Eu percebi que o Alexandre era um cara diferenciado, super dotado, sabia tudo de geologia, estudava tudo, era um naturalista.”

A boa impressão foi se consolidando durante o curso. “Ele era muito estudioso. Se destacava muito na classe, sentava na primeira fileira. O pessoal adorava ele. A gente não ligava muito para o estudo, ligava para a militância. O estudo era um pretexto para estar na USP.”

À época, Adriano cuidava da parte cultural do centro acadêmico. “Como o Alexandre era muito estudioso, propus que ele fizesse um roteiro sobre os impactos da construção da rodovia Transamazônica, para uma peça de teatro. Ele voltou com um catatau desse tamanho (gesticula mostrando a robustez do trabalho).”

Paralelamente aos estudos, Alexandre, que dá nome ao DCE-Livre da USP, o Diretório Central dos Estudantes desde 1976, foi se envolvendo com a militância no movimento estudantil.

“Ele organizava os centros acadêmicos, o DCE, mas não falava sobre a ALN.”

Tinha endereço fixo, participava das aulas e viagens para pesquisas de campo que os estudantes de Geologia fazem durante o curso. A ausência em uma dessas viagens chamou a atenção dos colegas.

“Tivemos um estágio de campo em Diamantina (Minas Gerais), íamos estudar o diamante e o ouro. E ele não foi. Achamos estranho o melhor aluno da classe não ir.”

Souberam posteriormente que Alexandre havia faltado ao compromisso acadêmico, por ter sido operado da apendicite.

Logo depois, seria preso pelo DOI-Codi, no dia 16 de março. Submetido à tortura ainda convalescente da cirurgia, não resistiu às sevícias. A cada pergunta, há relatos de que ele respondia: Meu nome é Alexandre Vanucchi Leme.

Para encobrir a morte sob tortura, os agentes do DOI-Codi simularam um atropelamento.

“Jogaram o corpo dele na rua e passaram com um caminhão por cima, para simular suicídio. Ele foi enterrado como indigente no Cemitério de Perus (periferia da capital paulista). A famílía procurou o (corpo de) Alexandre por 10 anos.”

Seus restos mortais foram enterrados em Sorocaba, interior do Estado de São Paulo, sua terra natal, apenas em 1983.

Nesta sexta-feira, 17, Adriano participa das homenagens na capital paulista que marcam os 50 anos da morte do amigo Alexandre.

Às 16h, um ato político cultural acontece na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da USP, localizada no Largo São Francisco, no centro da cidade.

Durante a homenagem será lançada a exposição virtual Alexandre Vannucchi Leme: eu só disse meu nome, que reúne imagens, áudios e textos sobre o estudante.

O cantor Renato Braz fará uma apresentação musical.

https://www.youtube.com/watch?v=IA-N9edFcyo


No evento, também ser vendido o livro Eu só disse o meu nome, do jornalista Camilo Vannuchi que é primo de segundo grau de Alexandre.

Às 19h, será celebrada uma missa na Catedral da Sé por D. Pedro Luiz Stringhini, bispo de Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo e D. Angélico Sândalo Bernardino, bispo de Blumenau, cidade de Santa Catarina.

As duas atividades em homenagem à memória do estudante uspiano vítima da ditadura militar são organizadas pelo Instituto Vladimir Herzog, pela Comissão Arns e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política.

Apoiam a iniciativa o DCE-Livre da USP, o Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, a Coalizão por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia e a Ordem dos Advogados seção São Paulo.

Fonte: Ato e missa nesta sexta-feira, 17, marcam homenagem a estudante da USP morto sob tortura pela ditadura militar - Holofote (holofotenoticias.com.br)

 https://www.youtube.com/watch?v=rXiWSy0oRsw




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