Gilson Reis
Se Cultura e política cultural se fazem presentes na relação entre Estado e sociedade civil, vivemos, portanto, uma época de incertezas, pelos menos no modelo de relação das práticas das políticas públicas dos governos.
É provável que a maior dificuldade dos gestores públicos seja alcançar suas metas de governos. As decisões que definem um cronograma de ação para o público, ou seja, para sociedade dependerá da formulação de estratégias previamente definidas, por seus governantes.
Para isso é necessário que haja construção de pensamentos, idéias, discussões entre setores do governo e da sociedade. A transformação dos desejos, dos interesses da sociedade quando transformados em projetos, pode se tornar um fim para o desenvolvimento de ações de governo, e, conseqüente política de estado, política pública.
É papel do estado, enquanto gestor político-financeiro operar no esforço do entendimento daquilo que é Cultura, segundo o conceito que lhe agrada. Mediar o diálogo de entendimento, não somente do conceito, mas das necessidades reais das ações culturais, das ações criativas do homem, na sociedade, defini-las é uma tarefa mais que primordial a qualquer governo.
O mais difícil é identificar prioridades daquilo que é produzido pelo homem, e traduzido como Cultura. Cabe aos governos o conhecimento técnico e algumas vezes cientifíco para poder formular e produzir as prioridades do Estado. Esse conhecimento é fundamental para que tenhamos uma Política Pública coerente e que alcançe e tenham êxitos, como programas, planos de governo.
Isso facilita o diálogo com o Gestor maior das esferas políticas: Federal, Estado, Município. O que vimos são idéias, boas idéias que se tornam um mal para Cultura. Um Estado protetor, operando, gerindo pactos políticos de agendas políticas. Talvez o problema não esteja com certos programas confinados a setores do Estado. A formulação de políticas públicas para cultura tenha seu frescor nos operadores culturais, gestores que, de forma hábil, pondera seu caráter pessoal, impregnando a criação, de valores, juízo de valores para uma definição de cultura.
Os descaminhos da Política Cultural têm efeitos múltiplos, mesmo ponderando a existência de políticas públicas para o setor. Uma casa se constrói como um bom alicerce. Firmando suas colunas, paredes, e, telhado. Mesmo que haja uma intempérie, é bem provável que ela, a casa, fixe, e não tenha muitas fissuras. Como nossos programas são políticos, a probabilidade de fissuras é bem maior.
São males que estão impregnados na política. Como é o homem que faz, então, não é tão difícil apontar seus desejos, ou, valores extrínsecos. Uma relação conflitante, mas apaziguadora, entre político e sociedade. São dois pilares que se misturam, formando uma pasta única de interesses, em troca do bem coletivo, da coletividade, que, de certa forma, prefere ficar de fora, ou por omissão, ou por ignorância.
Do ponto de vista técnico o deserto é bem maior. Com quadros técnicos ineficientes, governos estabelecem seus projetos a mercê dos acontecimentos. Sem nenhuma Lei, nenhum código de trânsito que mande parar. Seguem na cortina da transversalidade da irresponsabilidade moral. O próprio termo transversalidade que é uso nos dias de hoje, já o era, nos atos normativos que davam competências as secretárias de Estado da Educação e Cultura. O nome era outro, mas a intenção é a mesma. Chamavam-na de intercâmbio.
É impróprio pensar em qualquer formulação, implementação, avaliação sem condicionar a quadros técnicos que possam pensar, dialogar e responder aos desafios do setor Cultura.
As ausências de quadros técnicos impedem a construção de um planejamento, plano ou programa de governo que atue de forma sistemática na formulação de Política Cultural. Talvez seja o começo para podermos pensar: o que estamos fazendo? para quê estamos fazendo?
No máximo o Estado cumpre agendas políticas, com um cronograma burocrático, com acertado ponteiro marcado, precisamente a moeda de trocas. Sem dúvida, o resultado são fragmentos de idéias que são abortadas, à medida das possibilidades internas, externas de cada governo.
A conexão fica mais exonerada quando a “Cultura” deve cumprir aquilo que não lhe é de sua competência. E não se encontra em nenhum estatuto que a ‘Cultura’, a sua criação deva favores a instituições públicas, nem sequer privadas. Ela é o que é por si só.
O Brasil, como dimensão continental, é desconhecido em sua produção cultural. São poucos os instrumentos de pesquisas da realidade brasileira. Os poucos que há, não dão conta para que os governos possam pensar seus objetivos. Sabe-se pouco, e o pouco que há não é propagado.
Em Política Cultural há um todo desorganizado. Segundo Girard política pública “é um sistema explicito e coerente de fins últimos ”, ou na definição de Etzione como “uma forma mais abrangente de tomada de decisão ”. É um fluxo de responsabilidades que o gestor deve colocar à mesa, com objetivo de manter um ambiente de decisões claras, definidas para bem da sociedade.
O nosso sistema para política cultural, não se enquadra. Isto se aplicarmos a um conceito que caracteriza política pública. Para Thoenig “as políticas públicas estruturam o sistema político, definem e delimitam os espaços, os desafios, os atores” .
Se fizermos uma breve leitura dos atos normativos referentes as gestões culturais de políticas públicas, iremos encontrar, desde a primeira república, iguais competências que determinavam, e, ainda determinam a proteção ao patrimônio, da cultura produzido pela sociedade, como também aquilo a que hoje denominados de transversalidade, era, e continua a ser denominado de intercâmbio entre setores locais, nacionais, internacionais.
Nos mesmos atos normativos encontramos um dos papéis das instituições da Cultura que é de sua competência a obrigatoriedade do sistema de avaliação das ações que decorrerem de suas funções.
Para que haja políticas públicas há de ter algum tipo de Lei. A sua formulação, seus objetivos apesar de não serem tão claros, em alguns aspectos, mas aponta a direção que devemos assumir, sempre observando os conceitos de cada realidade. São assim, as Leis, não estão imunes a sobreposições. E muda, renova de acordo com as necessidades de cada realidade.
Mas o que assistimos são as incertezas dos cumprimentos de agendas políticas. Uma paralisia quase estanque na formulação de suas práticas políticas. De algum modo as agendas são preenchidas num misto de valores quer por pressão, ou por afirmação.
É bem verdade a afirmação de Teixeira Coelho ao dizer que “a nova cultura já se instala à margem da política cultural, como a cultura do graffitti, que nunca precisou de apoio público ou privado para começar a existir”. Essa nova cultura por vezes nos surpreende quando são observados pelas mesmas instituições, as quais não conseguem responderem a movimentos já com “identidade ” que estão alheias as agendas.
Podemos buscar uma compreensão dos pontos críticos por duas vias: estrutura política e administrativa, como um problema de gestão pública, e a outra a partir das mudanças do próprio homem, em sua dinâmica social.
De fato, seja ela qual for a análise que desejamos chegar para pensar “pontos críticos” vimos um cortejo de uma boa agenda política. Um ir e vir que atende em alguns casos a gestores culturais do que a criadores-produtores da cultura.
Os elementos citados por Thoenig são ingredientes ativos inseridos na política. Aplicado as praticas políticas brasileira, para cultura, ou melhor, a Política Cultural teremos em alguns casos, fragmentos de políticas públicas, definidas por “gestores”, como programas, planos de governos. Uma agenda cultural que cumpre tarefas, sempre ao lado da boa mídia.
Todo o investimento para nossa reflexão não será possível sem um elemento de valor humano indispensável para construção de idéias, reformulação, questionamentos, mudanças. A humildade. Sem a humildade em reconhecer que chegamos ao limite da pressão, não será possível articular, como pressupõe Saravia das etapas do processo de política pública. O primeiro a ser considerado é o da agenda que corresponde à inclusão de um determinado tema na lista de prioridades de governo. Há de considerar os processos que podem determinar o status de problema público, transformando em debates, discussões.
Todo o fluxo definido por Saravia como estratégia para um funcionamento adequado das estruturas de políticas públicas, é um balde de água fria quando observamos algumas gestões, de setores públicos, e faço o enquadramento, também, ao privado.
O ponto crítico, ou de saturação do modelo apresentado pelo Estado tem respaldo nas vaidades, ou seja, o excesso de confiança que alimenta aos gestores culturais, como condutores da nau cultural, da nau criativa, da imaginação, do outro, como se o outro precisasse de muletas. Em qualquer parte, aqui, acolá, em quadras fechadas, os programas, planos, políticas culturais atendem a tudo. Das necessidades sociais, a toda transversalidade (intercâmbio) que for necessária para apaziguar, os momentos de turbulência. Se temos um movimento de violência em um dos pontos do corpo social, ou outra chaga neuro-social, então, aplicamos o antídoto da “cultura” como resposta aos seus problemas.
São ações desorganizadas. De um lado o Estado e seu aparelhamento (não é vergonha citar Althusser), do outro a sociedade que tudo aceita pacifica, e covardemente os conceitos gerados, por nobres senhores da “elite” gerada nos corredores das universidades, repetidoras de conhecimentos alheios. Se há crise, ela se encontra no homem. Em sua ignorância, em sua arrogância, em sua educação e instrução.
Aos movimentos gestores da política pública ou privada, há um ponto, um nó: a liberdade. Aceitamos surpresos, com olhos arregalados, como crianças que coloca a primeira vez um rebuçado a boca. É tudo lindo, e aceitamos a pratica de que tudo está como é, e pronto. E, os já estabelecidos conformam-se na natureza do conformismo.
Assim, passamos a assinar como devem ser conduzidas as ações da “criação” na sociedade. Vestimo-nos de gestores, e definimos aquilo que é cultura, como se a cultura permitisse uma única definição, ou mil e uma noites de definições de cultura. Entre tantas das definições nas vitrines conceituais, não conseguimos, ou nem tentamos nos aproximar da mais genérica. Ao menos, para que haja algum sentido de gestão. Isso torna o gestor da cultura no simples gestor de tarefas.
Isso existe na perfeição de quem deseja, assim, que seja pactuado. Como também, é o seu inverso. Pois, vivi-se tempos de “ondas”, e surfamos a cada dia, em ondas midiáticas, populistas, publicitárias. Falta-nos a humildade para reconhecer quem somos. Deixar de lado o desejo efêmero, incansável de Ter. Esse produz fórmulas não originais, nem tão pouco genéricas para as questões essenciais da liberdade de criação.
É bem provável que logo apareça um caixeiro viajante (com todo respeito ao profissional) em um dos pontos do Brasil que foi afetado pelas chuvas. Com sua agilidade, retira de sua maleta cultural as soluções aos problemas das enchentes, soluções culturais. É assim, no morro, na favela, no lixo, em todas as áreas sociais. Um abrir e fechar mágico. Tocamos o tambor, dançamos ao ritmo frenético de qualquer som, fazemos as pazes do conflito, e tudo está resolvido. Para quem?
O princípio da incerteza está na modalidade flutuante do governante, como do governado. Uma bolsa de valores de interesses mútuos que se alimenta do comodismo mental. O resultado são fragmentos de política pública, sem consistência suficiente para assinalar e firmar um pacto que garanta a liberdade de criação.
[1]Augustin Girard.
Cultural development:experience and
policies. Paris,
UNESCO, 1972, p.130.
[2]Amitai Etzione. The acting society. New York: The Free Press, 1968, p.252.
[3]
Jean-Claude Thoenig. L’analyse dês politeques publiques. In: GRAWITZ, Madeleine
et LÉCA, Jean. Traité de Science Politique. Vol. 4: Les politiques publiques.
Paris:p.u.f., 1985, p7.
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