Como diz a sabedoria popular: “agora, Inês é morta” ou ainda “o que foi é ido”. Já foi. A igreja Católica Romana no Brasil em 1964 apoiou o golpe antes e depois (pelo menos até 1969). Isto é um fato com documentos e tudo. A direção da CNBB daquela época escreveu textos abonando e saudando os militares de plantão. Tudo muito bem justificado e para ficar para a posteridade. A trajetória que vinha sendo construída na Igreja nos ventos do pós-segunda guerra, levava a isto. A influência longa do cardeal Leme e de um episcopado romanizado e alheio as reais condições do povo brasileiro era notório. A obsessão pela ordem era quase uma missão integral. Havia poucos prelados que fugiam à regra. Existiam, mas eram poucos. O fascínio pelo poder ou por ser bajulada por ele, sempre foi a paranoia da Igreja Católica no Brasil. Ainda hoje paga caro por isto. Paciência. Deus é mais.
Passo agora a analisar um documento oficial da CNBB de 1964. Trata-se de uma resolução após a reunião extraordinária da CNBB realizada no Rio de janeiro entre os dias 27 a 29 de maio de 1964. Assinado por Cardeais e Bispos do Brasil. O texto foi publicado integralmente na Revista paz e Terra, n. 06 em 1968 num dossiê sobre “O Cristianismo em questão”.
O documento já começa dizendo a que veio:
“Atendendo à geral e angustiosa expectativa do povo brasileiro, que vira a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as forças armadas acudiram em tempo, e evitaram que se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra.”
Nesta frase está toda uma síntese da posição da CNBB em 1964: o anticomunismo motivado por uma paranoia de que marchávamos para o comunismo. Todo o documento segue nesta toada sem mudar nada. Chama o golpe de “revolução”, afirma que foi um “alívio” a ação dos militares e que o Brasil caminharia para a “justiça, o direito e o bom senso”. Por fim, o texto dos bispos refuta categoricamente, por se tratar de calunia, que o MEB (Movimento de Educação de Base) e a Ação Católica eram comunistas.
O texto da CNBB abriga dois grandes erros naquela quadra histórica. Primeiro, faltou uma avaliação precisa e sem má vontade para o governo João Goulart. Os bispos tinham um amontoado de preconceitos contra Jango e seu governo. Acreditavam em “infiltração comunista”, “abolição da propriedade privada” e “escalada da violência”. Além de acreditar que o governo Goulart era corrupto. A CNBB se negava a perceber o interesse pela reforma agrária, a campanha contra o analfabetismo e o projeto de reforma urbana defendida por Jango e seus ministros.
O governo João Goulart não tinha nada de comunista. Era, com muito boa vontade, um governo progressista. Segundo, a Igreja Católica estava em sua maioria tomada por uma paranoia anticomunista que vinha desde os anos 30. Nessa linha, aparecia em 1961 a TFP (Tradição, Família e Propriedade); 1963 a campanha do Pe. Patrick Peyton “Família que reza unida, permanece unida”. O padre americano veio ao Brasil para coordenar uma campanha para se rezar o rosário em lugares públicos. Uma invocação delirante de Nossa Senhora. Por fim, já em 1964, as “Marchas com Deus pela liberdade” tomaram conta das grandes cidades do Brasil e um fervor religioso nunca visto nesse país. Esse caldo cultural reacionário empurrou cada vez mais os bispos brasileiros para uma posição golpista e conservadora.
Embalada por esta conjuntura e sem perceber o perigo que o Brasil correria com um golpe em andamento e depois uma ditadura que se seguiria, a CNBB apoio o golpe de 1964 e escreveu logo após o documento citado em apoio e agradecimento aos militares pela empreitada autoritária. A Igreja pagará caro seu erro e só perceberá a burrada em 1969 quando seus membros começaram a ser atingidos pela truculência militar. Em Ribeirão Preto a Madre Maurina do “Lar Santana” foi presa injustamente, torturada, estuprada dentro da cadeia. Em Recife o Pe. Henrique Pereira Neto era preso, torturado, assassinado e o corpo jogada nas matas do bairro da Várzea e um grupo de frades dominicanos são presos e torturados. Dentre eles, tinha Frei Tito que foi barbaramente torturado e souto a partir do sequestro de um embaixador. Na França e já no seu exílio, o Frei viria a se matar. Diante de tamanha calamidade, a Igreja Católica mudaria sua posição sobre a ditadura. Do apoio ao combate.
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