(Breve reflexão para cristãos ou não)
Chico Alencar
Cristo de São João da Cruz - Salvador Dali (1951)
Hoje o Evangelho lido em milhares de comunidades de fé do mundo nos fala de como o sofrimento, a dor, os tropeços são inevitáveis na trajetória da vida (Mateus, 16, 21-27). Ninguém escapa.21Desde aquele momento Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse para Jerusalém e sofresse muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, e fosse morto e ressuscitasse no terceiro dia.
22Então Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: "Nunca, Senhor! Isso nunca te acontecerá!"
23Jesus virou-se e disse a Pedro: "Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens".
24Então Jesus disse aos seus discípulos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
25Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará.
26Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou, o que o homem poderá dar em troca de sua alma?
27Pois o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então recompensará a cada um de acordo com o que tenha feito.
Jesus, contestador da sociedade injusta e hipócrita, sabe que provocará reações e denomina seus algozes: os anciãos (os "sábios" e bem pensantes), os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei. Aquela casta que detinha o poder sobre o povo - pastores enganosos que conduziam seu rebanho para o matadouro (eles continuam aí...).
Jesus propõe a seus discípulos uma postura inédita: o despojamento, a entrega. Que não significa resignação, mas compreensão do preço que se paga por praticar valores contrários ao estabelecido: "se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e venha".
Pede desapego: "quem quiser 'salvar' sua vida, vai perdê-la, quem a 'perde' vai encontrá-la". Como os soberbos, os arrogantes, os prepotentes, os saciados têm dificuldade de entender isso!
Na busca da Luz, da plenitude - desejo maior que mora dentro de cada um de nós - tem sempre cruz, "5 Ds": doença, decepção, desemprego, depressão, desamparo. Quem não?
E tem também o sofrimento histórico dos povos subjugados, explorados, com seus líderes martirizados por lutar por justiça e dignidade. A cruz de hoje em Mãe Bernadete, Irmã Dorothy, tantas Marielles. O genocídio indígena, o holocausto africano.
A dor da solidão, cantada por Aldir Blanc (1946-2020) e João Bosco em "Tiro de misericórdia": "irmão, irmãs, irmãozinhos, por que me abandonaram? Por que nos abandonamos em cada cruz? Irmãs, irmãos, Irmãozinhos, nem tudo está consumado: a minha morte é só uma, Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus!"
Como lidar com tantas dores? Como descobrir o valor redentor do sofrimento, ao invés de deixar-se abater? "Quando se pode sofrer e ainda assim amar, pode-se muito, pode-se mais que tudo no mundo" (São João da Cruz, 1542-1591).
O desafio posto é fazer de cada cruz um caminho para a luz. Não deixar que as sombras prevaleçam. Aceitar nossas derrotas, nossa incompletude. Vivenciar a grandeza da afirmação de Pedro Casaldáliga (1928-2020): "somos militantes derrotados de causas invencíveis".
Andemos com fé, mesmo cambaleantes, mesmo cansado/as, mesmo tropeçando nas pedras do caminho. Dói, mas vale a pena!
Chico Alencar é professor historiador e atualmente está deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro
Além das sugestões do querido Chico Alencar acima, trazemos a canção Dom Quixote de Engenheiros do Hawaii. AQUI assim como uma das opiniões icônicas de Darcy Ribeiro AQUI
Zezito de Oliveira -
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