domingo, 3 de setembro de 2023

A CRUZ, NO CAMINHO DA LUZ

 (Breve reflexão para cristãos ou não)

Chico Alencar

Cristo de São João da Cruz - Salvador Dali (1951)

Hoje o Evangelho lido em milhares de comunidades de fé do mundo nos fala de como o sofrimento, a dor, os tropeços são inevitáveis na trajetória da vida (Mateus, 16, 21-27). Ninguém escapa.

21Desde aquele momento Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse para Jerusalém e sofresse muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, e fosse morto e ressuscitasse no terceiro dia.

22Então Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: "Nunca, Senhor! Isso nunca te acontecerá!"

23Jesus virou-se e disse a Pedro: "Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens".

24Então Jesus disse aos seus discípulos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.

25Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará.

26Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou, o que o homem poderá dar em troca de sua alma?

27Pois o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então recompensará a cada um de acordo com o que tenha feito.

Jesus, contestador da sociedade injusta e hipócrita, sabe que provocará reações e denomina seus algozes: os anciãos (os "sábios" e bem pensantes), os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei. Aquela casta que detinha o poder sobre o povo - pastores enganosos que conduziam seu rebanho para o matadouro (eles continuam aí...).  

Jesus propõe a seus discípulos uma postura inédita: o despojamento, a entrega. Que não significa resignação, mas compreensão do preço que se paga por praticar valores contrários ao estabelecido: "se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e venha". 

Pede desapego: "quem quiser 'salvar' sua vida, vai perdê-la, quem a 'perde' vai encontrá-la". Como os soberbos, os arrogantes, os prepotentes, os saciados têm dificuldade de entender isso!

Na busca da Luz, da plenitude - desejo maior que mora dentro de cada um de nós - tem sempre cruz, "5 Ds": doença, decepção, desemprego, depressão, desamparo. Quem não? 

E tem também o sofrimento histórico dos povos subjugados, explorados, com seus líderes martirizados por lutar por justiça e dignidade. A cruz de hoje em Mãe Bernadete, Irmã Dorothy, tantas Marielles. O genocídio indígena, o holocausto africano. 

A dor da solidão, cantada por Aldir Blanc (1946-2020) e João Bosco em "Tiro de misericórdia": "irmão, irmãs, irmãozinhos, por que me abandonaram? Por que nos abandonamos em cada cruz? Irmãs, irmãos, Irmãozinhos, nem tudo está consumado: a minha morte é só uma, Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus!"

Como lidar com tantas dores? Como descobrir o valor redentor do sofrimento, ao invés de deixar-se abater? "Quando se pode sofrer e ainda assim amar, pode-se muito, pode-se mais que tudo no mundo" (São João da Cruz, 1542-1591).

O desafio posto é fazer de cada cruz um caminho para a luz. Não deixar que as sombras prevaleçam. Aceitar nossas derrotas, nossa incompletude. Vivenciar a grandeza da afirmação de Pedro Casaldáliga (1928-2020): "somos militantes derrotados de causas invencíveis".

Andemos com fé, mesmo cambaleantes, mesmo cansado/as, mesmo tropeçando nas pedras do caminho. Dói, mas vale a pena!

Chico Alencar é professor historiador e atualmente está deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro 

Além das sugestões do querido Chico Alencar acima, trazemos a canção Dom Quixote de Engenheiros do Hawaii.   AQUI  assim como uma das opiniões icônicas de  Darcy  Ribeiro  AQUI

Zezito de Oliveira - 




Nenhum comentário: