Paulo Sérgio Bezerra
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Hoje o PP. Francisco, na semana do Natal, com a Declaração "FIDUCIA SUPPLICANS" libertou milhões de católicos do mundo inteiro da canga que séculos pesava em seus corações. Vão criticar o Papa de todos os ângulos: a Declaração é tímida, outros é herética"... pouco importa: Francisco avança e milhões vão com ele (especialmente os que, secularmente vem sofrendo piadinhas preconceitos, humilhações, torturas corporais e espirituais e morte!. Caro irmão presbiítero desse áudio, você nos deu preciosa chave de leitura para ir ao texto, compreender, interpretar. Com a chave de leitura que você trouxe, resta-nos *ir ao texto*:
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Com a "Fiducia supplicans" do Dicastério para a Doutrina da Fé, aprovada pelo Papa, será possível abençoar casais formados por pessoas do mesmo sexo, mas fora de qualquer ritualização e imitação do matrimônio. A doutrina sobre o matrimônio não muda, a bênção não significa aprovação da união.
Diante do pedido de duas pessoas para serem abençoadas, mesmo que sua condição de casal seja "irregular", será possível para o ministro ordenado consentir. Mas sem que esse gesto de proximidade pastoral contenha elementos minimamente semelhantes a um rito matrimonial. Isso é o que diz a declaração "Fiducia supplicans" sobre o significado pastoral das bênçãos, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovada pelo Papa. Um documento que aprofunda o tema das bênçãos, distinguindo entre as bênçãos rituais e litúrgicas e as bênçãos espontâneas, que se assemelham mais a gestos de devoção popular: é precisamente nessa segunda categoria que agora contemplamos a possibilidade de acolher também aqueles que não vivem de acordo com as normas da doutrina moral cristã, mas pedem humildemente para serem abençoados. Desde agosto, de 23 anos atrás, o antigo Santo Ofício não publicava uma declaração (a última foi em 2000, "Dominus Jesus"), um documento de alto valor doutrinário.
"Fiducia supplicans" começa com uma introdução do prefeito, cardeal Victor Fernandez, que explica que a declaração aprofunda o "significado pastoral das bênçãos", permitindo que "sua compreensão clássica seja ampliada e enriquecida" por meio de uma reflexão teológica "baseada na visão pastoral do Papa Francisco". Uma reflexão que "implica um verdadeiro desenvolvimento em relação ao que foi dito sobre as bênçãos" até agora, chegando a incluir a possibilidade "de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo, sem validar oficialmente seu status ou modificar de qualquer forma o ensino perene da Igreja sobre o casamento".
Após os primeiros parágrafos (1-3), em que o pronunciamento anterior de 2021 é lembrado e agora ampliado, a declaração apresenta a bênção no sacramento do matrimônio (parágrafos 4-6), declarando "inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre o que é constitutivo do matrimônio" e "o que o contradiz", a fim de evitar reconhecer de alguma forma "como matrimônio algo que não é". Reitera-se que, de acordo com a "doutrina católica perene", somente as relações sexuais dentro do casamento entre um homem e uma mulher são consideradas lícitas.
Um segundo grande capítulo do documento (parágrafos 7-30) analisa o significado das várias bênçãos, que têm como destino pessoas, objetos de devoção, lugares de vida. O documento lembra que, "de um ponto de vista estritamente litúrgico", a bênção exige que o que é abençoado "esteja em conformidade com a vontade de Deus expressa nos ensinamentos da Igreja". Quando, com um rito litúrgico específico, "se invoca uma bênção sobre certas relações humanas", é necessário que "o que é abençoado possa corresponder aos desígnios de Deus inscritos na Criação" (11). Portanto, a Igreja não tem o poder de conferir uma bênção litúrgica a casais irregulares ou do mesmo sexo. Mas é preciso evitar o risco de reduzir o significado das bênçãos apenas a esse ponto de vista, exigindo para uma simples bênção "as mesmas condições morais que são exigidas para a recepção dos sacramentos" (12).
Depois de analisar as bênçãos nas Escrituras, a declaração oferece um entendimento teológico-pastoral. Quem pede uma bênção "se mostra necessitado da presença salvadora de Deus em sua história", porque expressa "um pedido de ajuda de Deus, uma súplica por uma vida melhor" (21). Esse pedido deve ser acolhido e valorizado "fora de uma estrutura litúrgica", quando se encontra "em uma esfera de maior espontaneidade e liberdade" (23). Olhando para elas da perspectiva da piedade popular, "as bênçãos devem ser valorizadas como atos de devoção". Para conferi-las, portanto, não há necessidade de exigir "perfeição moral prévia" como pré-condição.
Aprofundando essa distinção, com base na resposta do Papa Francisco às dubia dos cardeais publicada em outubro passado, que pedia um discernimento sobre a possibilidade de "formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma concepção errônea do matrimônio" (26), o documento afirma que esse tipo de bênção "é oferecido a todos, sem pedir nada, fazendo com que as pessoas sintam que continuam abençoadas apesar de seus erros e que "o Pai celeste continua a querer o seu bem e a esperar que elas finalmente se abram ao bem" (27).
Existem "várias ocasiões em que as pessoas vêm espontaneamente pedir uma bênção, seja em peregrinações, em santuários, ou mesmo na rua quando encontram um sacerdote", e tais bênçãos "são dirigidas a todos, ninguém pode ser excluído" (28). Portanto, permanecendo proibido de ativar "procedimentos ou ritos" para esses casos, o ministro ordenado pode unir-se à oração daquelas pessoas que "embora em uma união que de modo algum pode ser comparada ao matrimônio, desejam confiar-se ao Senhor e à sua misericórdia, invocar a sua ajuda, ser guiados a uma maior compreensão do seu plano de amor e de verdade" (30).
O terceiro capítulo da declaração (parágrafos 31-41), portanto, abre a possibilidade dessas bênçãos, que representam um gesto para aqueles que "reconhecendo-se indigentes e necessitados de sua ajuda, não reivindicam a legitimidade de seu próprio status, mas imploram que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido em suas vidas e relacionamentos seja investido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo" (31). Essas bênçãos não devem ser normalizadas, mas confiadas ao "discernimento prático em uma situação particular" (37). Embora o casal seja abençoado, mas não a união, a declaração inclui entre o que é abençoado o relacionamento legítimo entre as duas pessoas: na "breve oração que pode preceder essa bênção espontânea, o ministro ordenado pode pedir paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua, bem como a luz e a força de Deus para poder cumprir plenamente a sua vontade" (38). Também é esclarecido que, para evitar "qualquer forma de confusão e escândalo", quando um casal irregular ou do mesmo sexo pede uma bênção, "ela nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união ou mesmo em conexão com eles. Nem mesmo com as roupas, os gestos ou as palavras próprias de um casamento" (39). Esse tipo de bênção "pode encontrar seu lugar em outros contextos, como uma visita a um santuário, um encontro com um sacerdote, uma oração recitada em um grupo ou durante uma peregrinação" (40).
Por fim, o quarto capítulo (parágrafos 42-45) nos lembra que "mesmo quando o relacionamento com Deus está obscurecido pelo pecado, sempre é possível pedir uma bênção, estendendo a mão a Ele" e desejá-la "pode ser o melhor possível em algumas situações" (43).
Reinaldo: Igreja acerta em autorizar benção a casais do mesmo sexo; casamento gay ainda é difícil
PAPA FRANCISCO E O SINAL CLARO DE QUE A BENÇÃO DE DEUS NÃO É PROPRIEDADE DA EXTREMA DIREITA, NEM MANIPULÁVEL PELO CONSERVADORISMO RELIGIOSO.
Toninho Kalunga
Fiducia Supplicans e a benção aos casais gays e de segunda união.
Vocês certamente irão ouvir falar sobre estas duas palavras, e ao ouvi-las, irão ver católicos reacionários de extrema direita estrebuchando de raiva! Fiducia Supplicans, do Latim, significa “ implorando bênçãos ” ou numa tradução mais alargada “ pedindo atenção ”. E é sobre isso que este importante e raro documento vai falar.
Fiducia Supplicans é o nome de uma orientação geral emitida pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, nome novo do antigo Santo Ofício, (aquele da inquisição) com aprovação do papa Francisco que fala sobre a questão da benção. Em um resumo muito apertado, o documento defende uma coisa meio óbvia. Diz que: “ uma benção não pode negada a quem dela precisa e principalmente, quem venha a pedir ”.
Dentro da Igreja Católica, a função do Dicastério para a Doutrina da Fé é "promover e tutelar a doutrina católica sobre fé e moral". Assim sendo, o documento que raramente é feito (o último dessa natureza foi escrito no ano de 2.000), diz literalmente que aquele que pede para ser abençoado " se mostra necessitado da presença salvadora de Deus em sua história", faz " um pedido de ajuda de Deus, uma súplica por uma vida melhor".
Este documento é um marco histórico, onde aponta para perspectiva de uma Igreja que se reconhece inserida neste tempo e lugar, onde não impõe sua visão de mundo, antes, se dispõe a ouvir o mundo à sua volta em um ponto que somente ela pode fazer: ABENÇOAR AQUELES E AQUELAS QUE A BUSCAM.
Neste sentido, a Declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre o significado das bênçãos, se abre a um drama vivido por muitas pessoas. Ser atendido num pedido, não raramente desesperado de ACOLHIDA EM UM MOMENTO DE DOR E ANGÚSTIA, ou de COMEMORAÇÃO E ALEGRIA, através de uma benção.
E isso atinge agora, a possibilidade de abençoar o que a Igreja chama de “ casais irregulares ”, ou seja de pessoas que vivem juntas, mas não estão dentro dos conceitos pastorais que a Igreja Católica disponibiliza para aqueles que vivenciam a fé cristã dentro do rito católico.
Deste modo, mesmo casais do mesmo sexo, podem ser acolhidos nesta benção. Ou casais de segunda união (ou terceira, ou quarta….) O entendimento é óbvio, embora gerará, por parte dos que se acham titulares exclusivos do amor de Deus, muitos descontentamentos.
Por mais estranho que possa parecer, existem muitas pessoas que, ao se dizer defensoras da fé e representantes de Deus na Terra, assumem também uma outra função que não parece ser uma prerrogativa ofertada pelo próprio Deus: O de tutelar a Benção que é sabidamente exclusiva de DEUS, já que a bênção é sempre terceirizada com um DEUS TE ABENÇOE e não um EU TE ABENÇOO . Embora, nesta segunda condição, seja necessário um complemento arriscado… EM NOME DE DEUS!
É assim que muitos sequestram de uma vez só, DEUS, A BÊNÇÃO E O PODER que é, segundo os próprios sequestradores da fé alheia, obra do próprio DEUS! A coisa é tão complexa que existem supostos representantes divinos, que dizem que DEUS fala com elas cotidianamente, igual eu falo com meus amigos na rua. Daí, suponho, sai dessas conversas estranhas, não testemunhadas por ninguém que Deus lhes concede o poder de abençoar em nome próprio, aquilo que somente Deus poderá fazer…
Por estas razões todas, entre outras, o Dicastério para a Doutrina da Fé, emite este documento esclarecendo que a bênção, é um dom gratuito de Deus e não uma moeda de troca. Importante também deixar claro que a benção, por ser um dom gratuito, a Igreja DEVE disponibilizar a todas as pessoas.
Isso não significa aprovar nem desaprovar suas escolhas de vida. Isso não compete aos homens, sejam eles sacerdotes ou leigos. Significa que através do documento a Igreja quer estar aberta a todos e todas que dela queiram se socorrer e que venham “ pedir atenção ” ou ainda “ suplicar benção”.
Reiterando que a benção ofertada não substitui, nem imita os ritos próprios dos sacramentos cujas funções permanecem inalteradas, assim, a benção não é uma imitação do sacramento do matrimônio, mas uma constatação de que todos aqueles e aquelas que desejarem ser abençoados por Deus, devem ser acolhidos e acolhidas pelos representantes da Igreja em suas alegrias e dores.
Fiducia Supplican é o aprofundamento da reflexão e da perspectiva real, solidária e afetiva que Papa Francisco expõe na Encíclica " Evangelii Gaudium": " A Igreja não é uma alfândega, é a casa paterna onde há lugar para cada pessoa com sua própria vida fadigosa".
Afinal, conforme orienta o próprio Jesus Cristo em Mateus 7,9-12
9. Quem dentre vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? 10.
E, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente? 11. Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste dará boas coisas aos que lhe pedirem. 12. Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a Lei e os profetas.
Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!
É membro do Núcleo Nacional da Teologia da Libertação POLÍTICA E RELIGIÃO e da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld, participando da Comunidade São Luís Orione, o Pequeno Cotolengo Paulista em Cotia
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Por que decisão da Igreja Católica de abençoar casais gays não deve ser passo para reconhecer casamento homoafetivo
Bênçãos, um desenvolvimento pastoral ancorado na tradição
Uma reflexão sobre "Fiducia supplicans", o documento recentemente publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé sobre o significado pastoral das bênçãos
Por Roccco Butiglione*
A Declaração Fiducia supplicans do Dicastério para a Doutrina da Fé constitui um autêntico desenvolvimento pastoral firmemente ancorado na tradição da Igreja e em sua teologia moral. O cardeal prefeito do Dicastério, Víctor Manuel Fernández, sabiamente precede a Declaração com uma breve apresentação na qual explica, entre outras coisas, o que a Declaração não é: não é um sinal verde para o casamento gay e não é uma mudança na doutrina da Igreja de que as relações sexuais fora do casamento são sempre matéria grave de pecado. Nada muda nada, então? Não, muda muito, é quase uma revolução. Na história da Igreja, no entanto, toda revolução autêntica é também simultaneamente um retorno à origem, à presença missionária de Cristo na história do homem.
A situação inicial que a Declaração tem em mente é a de um casal "irregular" que pede uma bênção. Para evitar qualquer mal-entendido, vamos imaginar que eles não pedem a um padre, mas a seus pais. Daríeis vós essa bênção? Eu a daria. Eu não abençoaria as relações sexuais irregulares, mas abençoaria o cuidado de um pelo outro, o apoio que eles dão um ao outro na vida, o conforto na tristeza e a companhia diante das dificuldades. O amor nunca é errado, mas o sexo às vezes é. Na vida desse casal, o bem e o mal estão tão intimamente ligados que não é possível separá-los com uma ruptura nítida. Se uma filha minha estivesse em uma situação como essa, eu a abençoaria e certamente oraria a Deus para separar o que é bom do que é ruim nesse relacionamento, tornando-o uma etapa no caminho da verdade. Deus escreve certo por linhas tortas. Acredito que qualquer pai faria a mesma coisa e não vejo como um sacerdote, se ele realmente tiver um coração de pai para os membros de sua comunidade, poderia fazer diferente.
É claro que existe o perigo de escândalo. Há o perigo de que, entre o povo fiel de Deus, os mais pobres e fracos sejam enganados e não entendam mais o que é o casamento e por que o sexo fora do casamento é errado. Esse é um problema real e que não deve ser subestimado, e é exatamente por isso que o cardeal Fernández sentiu a necessidade de fazer suas observações preliminares. É claro que seria mais fácil lidar com esse problema se não houvesse comentaristas que, em vez de oferecer esclarecimentos, semeiam confusão e desconfiança. Se todas as ovelhas estão seguras no aprisco, o pastor se limita a defender a porta do aprisco contra os lobos. Mas se muitas estão do lado de fora e perdidas, então ele precisa sair para procurá-las, e isso implica riscos e perigos. A Declaração é uma resposta a uma urgência pastoral específica de nosso tempo.
Aquele que pede uma bênção, no caso que estamos considerando, sabe que está fazendo algo que a Igreja não aprova, na verdade, proíbe. No entanto, ele quer afirmar um vínculo, um pertencimento. Um pertencimento rebelde, mas, ainda assim, um pertencimento. A Igreja vai apagar essa tocha ardente ou, na medida do possível, mantê-la viva?
Quando eu era jovem (talvez meio século atrás), era completamente impossível imaginar essa situação. Os homossexuais não pediam o casamento, não queriam se casar. Eles viam o casamento e a monogamia como formas de opressão da sociedade burguesa e reinvidicavam o sexo livre e a separação entre sexo e amor. Melhor: eles achavam que o sexo era real e o amor apenas uma ilusão. Uma reformulação no movimento homossexual pode ter começado com a AIDS (a monogamia é a melhor defesa contra a AIDS), mas foi muito além disso. O sexo não é simplesmente uma ginástica agradável: ele tem uma tendência natural de envolver profundamente a pessoa, precisa ser regulamentado e ocorrer em um contexto normativo. Há alguns anos, temos testemunhado uma tentativa de busca por uma re/regulamentação das relações sexuais, um repensar do sexo dentro de um relacionamento pessoal, até mesmo uma redescoberta do amor. É nesse contexto que surge também a questão do casamento gay, inaceitável em si mesmo (como o cardeal Fernández confirma claramente), mas um indicador de um desconforto e de uma busca, aos quais a Igreja deve dar uma resposta adequada.
No sínodo, surgiu a preocupação de diferentes igrejas nacionais em confrontar esses fenômenos. Houve um confronto tenso, no qual cada uma expôs livremente suas razões e o esforço, para além das oposições ideológicas, para ouvir o Espírito e discernir o que vem d’Ele e o que, em vez disso, vem do Maligno. Esta declaração oferece uma resposta inicial, ao mesmo tempo coerente com a tradição e aberta ao novo.
* Rocco Buttiglione é um filósofo e politólogo italiano. Entre outros, foi ministro duas vezes e membro do Parlamento Europeu.
SUPLICANDO CONFIANÇA OU O TORMENTO SEXUAL DA EXTREMA DIREITA CATÓLICA
Por Romero Venâncio (UFS)
Quando o assunto é sexo, humanamente sexo, a tradição católica acumula uma série de problemas. É fato histórico as dificuldades da Igreja com a palavra "sexo" e seu significado na vida humana. Bastaria apenas uma leitura do livro da teóloga Uta Ranke-Heinemann: "Eunucos para o Reino de Deus: Igreja católica e sexualidade – de Jesus a Bento XVI" (editora Rosa dos Tempos) para termos uma ideia da questão dentro da Igreja. O rigoroso livro da teóloga alemã reúne extensa bibliografia que comprova como a Igreja católica, transformada em um negócio dirigido por homens brancos celibatários, manipulou o discurso religioso a respeito do que é ou não “natural”. Ao censurar o prazer sexual, apropriar-se do corpo da mulher e promover a misoginia e a homofobia, a Santa Sé tem interferido há milênios na vida cotidiana e nos direitos civis de todas as pessoas. Uta Ranke-Heinemann revela as manobras intelectuais que essa Igreja tem feito para continuar atuando sobre a opinião pública, a medicina e a área jurídica, a respeito de temas como contracepção, virgindade, aborto, homossexualidade, divórcio e casamento de pessoas divorciadas, entre tantos outros. Aqui estão reunidas informações do original da Bíblia em hebraico, passando pelos gentios, pelas palavras dos Padres da Igreja – como Santo Agostinho – pelos primeiros papas, até chegar ao conservador Bento XVI. Um dos ápices do livro está na negação do dogma de Maria como a Virgem Imaculada, que ainda hoje leva grandes prejuízos à vida das mulheres. Em síntese.
Nessa linha, não surpreende nada a grande reação nas redes digitais por parte da extrema direita católica ao documento eclesial do Papa Francisco "fiducia supplicans". Nada do que estão dizendo e escrevendo sobre o documento deveria surpreender. Estão no caminha que estão traçando diariamente e já faz tempo. Disseminar homofobia passou estratégico para esta turma de supostos católicos. Acobertados pelo manto maldito da chamada "ideologia de gênero" (pântano ideológico de um cristianismo anacrônico), bradam nas redes digitais contra o Papa Francisco e suplicam por uma "igreja tridentina". Pano de altar clerical se torna mais importante do que as vidas das crianças palestinas.
A declaração "fiducia supplicans" é uma tentativa pastoral e estratégica de colocar a Igreja Católica no Século XXI. Desde sua pregação na palestina do Século I, o Cristianismo aponta para uma mensagem universal e sem "discriminação de pessoas" como indicava o Apóstolo Paulo. É preciso sair da "bolha" e do provincianismo tacanho. Uma "Fé nanica" não tem grandeza alguma. Enquanto a fome no mundo dos mais pobres, a paz na geopolítica mundial ou a crise climática são temas essenciais para a humanidade, os nanicos católicos estão preocupados como sexo alheio. Aqui tá armado a divisão católica e a incapacidade de perceber a grandeza estadista do papa Francisco. Paciência.
Para se ter uma ideia. Esse documento "Declaração Fiducia suplicans" era para ser texto de estudo numa assembleia pastoral diocesana e se tirar as linhas pastorais da diocese e pastorais... Em comunhão com a Igreja no mundo... o que estão fazendo nas redes digitais? criando futricas e divisões. Vejam onde chegamos!
O que grita nesse momento na Igreja Católica é o quão raso teologicamente tá esse clero e parte considerável do episcopado brasileiro com um laicato infantilizado ao extremo. A "Declaração Fiducia suplicans" é um documento pastoral-estratégico. Para se avançar numa pastoral de diálogo com o mundo moderno e sair do niilismo burguês. Um documento que exala valores e sentido profundo para a vida. Uma declaração histórica na Igreja. O Papa Francisco luta desesperadamente para colocar a Igreja no Século XXI. Impressionante.
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