Cultura e Educação Popular na obra de Carlos Rodrigues Brandão
"Carlos Brandão foi amigo próximo e um dos principais parceiros de Paulo Freire.
Há décadas aprendo e me inspiro nos seus inúmeros escritos, como uma das minhas principais referências de pensamento e prática da Educação Popular.
Antropólogo/etnógrafo de formação, pesquisador das culturas populares, professor/orientador, escritor, assessor de grupos, organizações populares e movimentos sociais.
Seus escritos integram o legado do melhor do pensamento brasileiro sobre a Educação e a Cultura, combinando rigor intelectual e linguagem poética, constituindo um acervo precioso cheio de ensinamentos e muita inspiração."
Alvaro Pantoja
"Se não somos senhores de nossa própria fala e não reaprendemos de novo a inverter com a vida as lições das salas de aulas sabemos que é possível recriar com o outro as palavras perdidas dos que perderam a voz, mas não a memória da fala ...
Entre todos e não apenas entre os escolhidos o trabalho do educador serve ao reencontro do homem com a sua origem e não somente por dever de ofício é urgente não esquecermos que se não tomarmos com eles entre as mãos o leme do navio da educação, outros o farão por nós e contra nós, e contra o horizonte
da aurora dos tempos que hão de vir, porque, juntos, nós os faremos chegar.
Pensar a rotina e o mistério de nosso trabalho como um ofício entre muitos.
Ousar recriá-lo sempre e transformar com outros todas as suas esferas: a da sala de aulas, da escola, do sistema e do lugar do sistema.
Imaginar que a educação existe menor e maior do que a escola e que, educadores, somos todos os que ainda temos o olhar dirigido ao infinito, ao horizonte distante e possível de um mundo fraterno de homens livres onde todos possam ser, desarmados, irmanados, alunos e sábios.
Entre as pessoas do mundo, os homens do povo de quem, professores, somos mais e menos do que mestres e muito mais do que meros mediadores de algum poder supremo situado fora dele e de nós mesmos.
Ao lado dos que não esqueceram de ser portadores do futuro
seus irmãos e companheiros de um mesmo longo caminhar..."
A vocação de educar.. clique AQUI para ler o texto completo
Carlos Rodrigues Brandão
Homenagem a Carlos Rodrigues Brandão
No Instagram romerojunior4503 live em homenagem a CARLOS RODRIGUES BRANDÃO que faleceu hoje... Vamos conversar sobre Paulo Freire, Antropologia, Educação Popular, Círculos de Cultura, anos 60 e suas resistências... Sensibilidades várias... Ou a quem interessar possa!!!
https://www.youtube.com/watch?v=P9k6_Nl4_WQ
Farei um fio em homenagem ao Carlos Rodrigues Brandão, que nos deixou ontem. Psicólogo e antropólogo, Brandão foi um dos maiores expoentes da educação popular. Farei um fio com a fala de Ciço. Lá vai:
1) Ciço apareceu no prefácio e posfácio de um livro
publicado no início dos anos 1980. Brandão fazia uma pesquisa sobre como se
educa crianças e jovens para fazerem a Folia de Reis. Era um tema caro para
ele, desde os anos 1960: a cultura popular (desde o MEB)
·2) Brandão conta que em 1982 a Editora Brasiliense reuniu
em um livro vários longos e breves poemas que ele havia escrito e que ganho o
título de "Diário de campo – a antropologia como alegoria".
3) Este livro retratava seu olhar sobre a "arte e
cultura entre negros e camponeses, sobretudo em Goiás, Minas Gerais e São Paulo
(mais tarde a Galícia, na Espanha), sempre gostei de senti-los, de
compreendê-los e de escrevê-los com uma também... outra linguagem." Daí surge
Ciço.
4) Antes, uma passagem de Brandão por Machado, sul de Minas
Gerais. Conta que passa por ele um capitão de terno de congos, e diz em voz
alta: “Eh, professor! Quem sabe dança! Quem não sabe, estuda!”. A fala fisgou o
antropólogo.
·5) Antônio Ciço, Tonho Ciço e, ainda, Ciço, era lavrador de
sítio na estrada entre Andradas e Caldas, no sul de Minas Gerais. Foi
entrevistado por Brandão que buscava entender como se passava o ritual da Folia
de Reis de pai para filho. A entrevista revelaria muito mais.
6) Ciço falou de educação. Das bases da educação popular.
Começava assim: "o senhor chega e diz “educação”, vem do seu mundo, o
mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar, de um outro
mundo. Vem dum fundo de oco que é o lugar da vida dum pobre"
7) Com fina ironia, Ciço vai desvelando o que Pierre
Bourdieu e Jean-Claude Passeron tentaram analisar com profundidade: as escolhas
de conteúdos escolares que apartam, de cara, a compreensão das diversas classes
sociais inseridas numa sala de aula
8) Ciço fala para Brandão de dois mundos: "Quando eu
falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode até ser vizinho do seu,
vizinho assim, de confrontante, mas não é o mesmo. A escolinha cai-não-cai ali
num canto da roça, a professorinha dali mesmo"
9) Ciço, em seguida, lasca: "Estudo? Um ano, dois nem
três. Comigo não foi nem três. Então eu digo “educação” e penso “enxada”, o que
foi pra mim."
Quantas vezes ouvi um senhor ou uma senhora dizer, ao tentar
escrever, que não sabia que o lápis era mais pesado que enxada?
10) Nós, educadores, não nos damos conta da distância entre
intenção e gesto. Por este motivo que a fala de Ciço é um soco no estômago.
Diz: "Estudo, foi estudo regular: um saber completo. Ele entra dum tamanho
e sai do outro. Parece que essa educação que foi a sua tem uma força"
·11) Completa: "Menino aqui aprende na ilusão dos pais; aquele ilusão de mudar com estudo, um dia. Mas acaba saindo como eu, como tantos, com umas continhas, uma leitura. Isso ninguém não vai dizer que não é bom, vai?"
12) Ciço sugere que a escola é ilusão para quem vive na
roça: "Que a gente aprende mesmo, pros usos da roça, é na roça. É ali
mesmo: um filho com o pai, uma filha com a mãe, com uma avó. Os meninos vendo
os mais velhos trabalhando"
13) E, neste ponto, revela como é a educação não foral da
roça: "tão ali, vai vendo um, outro, acompanha o pai, um tio. Olha,
aprende. Tem inclinação prum cantorio? Prum instrumento? Canta, tá aprendendo;
pega, toca, tá aprendendo. (...)
·14) (...) "Toca uma caixa (tambor da Folia de Reis),
tá aprendendo a caixa; faz um tipe (tipo de voz do cantorio), tá aprendendo
cantar. Vai assim, no ato, no seguir do acontecido. Agora, nisso tudo tem uma educação dentro,
não tem? Pode não ter um estudo."
·15) Finalmente, Ciço dialoga sobre os princípios da educação popular: "Agora, o senhor chega e diz que até podia ser diferente, não é assim? Que não é só pra ensinar aquele ensininho apressado, pra ver se velho aprende o que menino não aprendeu. " Atiçado por Brandão, lá vem Ciço
·16) E completa: "Então que podia ser um tipo duma educação até fora da escola, sala. Que fosse assim dum jeito misturado com o-de-todo-dia da vida da gente daqui. Que podia ser um modo desses de juntar saber com saber e clarear os assuntos que a gente sente, mas não sabe. Isso?"
·17) A fala de Ciço é um dos textos mais potentes que a
educação popular brasileira já produziu. Um achado que Brandão encaixou num
livro que escreveu sobre a questão política da educação popular. Porque
educação é ato político, como Ciço nos ensinou.
·18) A palavra política remete à organização social (de
Pólis) e o político, para os gregos da Antiguidade, é justamente quem se
preocupa com a comunidade, com a Pólis. Quem pensa apenas em si era chamado de
"idiota".
·19) Brandão era poeta, psicólogo, antropólogo, foi reitor,
mas nunca deixou de ser o que o fez especial para o Brasil: educador popular.
Foi um dos mais importantes interlocutores de Paulo Freire. E nos presenteou
com Ciço. Ninguém assim parte. Ele foi ali e logo volta. (FIM)
Rudá Ricci
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