O encontro de Comunidades Eclesiais de Base tem uma característica em particular que o diferencia da maioria dos outros encontros religiosos
(Foto: Reprodução)
Por Toninho Kalunga
Ex-vereador do PT em Cotia. Foi coordenador Estadual de Formação Política do Diretório Estadual do PT/SP. Cristão católico ligado aos Orionitas no Santuário São Luís Orione
30 de julho de 2023, 16:19 h Atualizado em 30 de julho de 2023, 16:21
Passado uma semana do fim do 15º INTERECLESIAL DAS CEB´s em Rondonópolis, Mato Grosso e dado início ao 16º INTERECLESIAL DAS CEB´s no Espírito Santo, os efeitos do Encontro continuam. Um Intereclesial é como a água que ao beber uma vez, sacia toda sede.
Os encontros Intereclesiais das CEB´s têm uma característica em particular - entre tantas outras - que o diferencia da imensa maioria dos outros encontros religiosos, que é o de não acabar quando termina! Jamais um Intereclesial acaba sem que deixe apontado um sinal de esperança e ressurgimento logo à frente terá mais um.
Aliás, esta é uma característica tão marcante, que o ato final de um Intereclesial é apontar para o próximo, assim, se revela uma sabedoria brotada do Evangelho, de que “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto”.(Jo 12,24-26).
Ao pensar neste texto, lembrei-me de Vicente Matheus, um célebre dirigente corintiano dos anos 70 e 80 do século passado, que cunhou a célebre frase de que: “o jogo só acaba, quando termina.” No caso das CEB´s, quando o jogo termina, aí, é que ele começa!
Considero as CEB´s, o mais importante movimento cristão dentro da Igreja Católica Romana no Brasil, e justamente por isso, a base mais alicerçada e sólida de uma comunidade que recebeu como herança a sabedoria milenar das primeiras comunidades cristãs e aceitou a natureza de ser comunidade voltada para o centro do Evangelho. Assim sendo, é uma Igreja em Saída. Sempre!
As CEB´s não combinam com os estereótipos religiosos destes tempos estranhos que vivemos e também dos primórdios do cristianismo, onde a exclusão era uma das marcas e dos tempos atuais e daqueles tempos, onde se venera armas que matam e produzem ódio, ao invés de abraços que trazem amizade, preconceitos que excluem e criam castas, ao invés de abertura e tolerância que produz aceitação e alegria. Ou seja, as CEB´s buscam uma religião que enaltece a vida e o perdão, e não uma religiosidade que produz poder e egoísmos. Aqui reside o profetismo das CEB ́s, pois estas, se caracterizam pela acolhida do diferente, pela solidariedade aos abandonados e pela inclusão dos excluídos, sem perder a fé nem negar sua própria origem.
As CEB ́ s, tem a mesma natureza e guarda o DNA essencial das primeiras comunidades, onde havia um sentido prático ser Igreja (assembleia) Católica (universal) Apostólica (enviada), que significa ser uma igreja em saída, uma Igreja serviçal dos excluídos. Uma Igreja humilde, serena e inserida no meio dos pobres, dos escravizados, dos rejeitados e que tinham nas mulheres seus pilares, num tempo em que a religião oficial não permitia à mulher sequer se aproximar do altar. Essa era a Igreja das catacumbas, essa é a Igreja promovida pelas CEB´s. Firme e profética contra os poderosos e contra todo tipo de injustiça, corajosa e destemida e por estas razões, mártir.
Para os primeiros cristãos a participação feminina eram tão importantes quanto a dos homens no que se refere ao protagonismo, organização e reconhecimento de sua importância, lembrando que hoje, dentro da nossa Igreja é algo que sofre tantos preconceitos; Dá pra entender porque chamavam aquela mensagem de BOA NOVA.
Agora, se imagine numa sociedade patriarcal e profundamente marcada pelo predomínio da presença masculina nos espaços de poder, seja religioso, seja na organização política ou social. Imaginou? Pois, então, você viu sua própria igreja hoje, nas duas fases. Uma é essa que a CEB´s propõe, a outra, é essa que a maioria de nós frequenta.
Entre os primeiros cristãos, os que eram rejeitados, tinham nesta comunidade um amparo, todos que eram abandonados, sentiram-se acolhidos, assim, escravos eram aceitos no mesmo espaço que os libertos, mulheres participavam da partilha do vinho e do pão, junto com homens, e os que não tinham espaço na religiosidade fria, que servia mais aos poderosos e ricos de uma casta sacerdotal e política machista, insensível e manipuladora da fé, como aliás, ainda hoje, vemos com certa facilidade.
As CEB´s hoje, como os primeiros cristãos e cristãs ontem, são tratadas como um grande perigo para a religiosidade oficial e para o clericalismo que, assim como nos tempos de Jesus, sempre se distanciou da religiosidade fácil e submissa aos interesses dos poderosos. Para entender os motivos pelos quais existe tanta resistência contra as CEB´s, basta compreender os motivos pelos quais religiosos e donos do poder político perseguiram e mataram Jesus Cristo e seus seguidores nos primórdios do cristianismo. Nada mudou!
As CEB ́ s resistem e surpreendem. E aqui, que se registre dois fatos. O primeiro é a resiliência, organização, coragem e ousadia da ampliada nacional, nome dado aos coordenadores e coordenadoras do Intereclesial, bem como aos seus 17 sub regionais. É uma engrenagem perfeita. Tudo funciona, tudo faz sentido, tudo se emenda. Da chegada ao último ato, tudo tem previsibilidade. Como num teatro, se há erros, os espectadores acreditam que faz parte do show.
A ação do Espírito Santo sopra paciente, e como brisa, vai permeando o ambiente de modo que Sua ação vai se misturando ao evento e Se faz presente, acompanhando o desenrolar das coisas ali, sentado em nosso meio. Os mais atentos vão sentindo Sua presença numa palavra, num afeto, num sorriso, num abraço, num contato.
Não se trata de fazer política na Igreja, mas, a de ter uma fé política que tem coerência com o Evangelho, que tem nos pobres sua essência, no martírio advindo da denúncia contra as estruturas de injustiça deste mundo sua prática e na acolhida aos que sofrem preconceitos e racismos em razão da pigmentação de sua pele. Negros e indios são dizimados no Brasil a séculos, somos um dos paises que mais matam e encarceram jovens negros proporcionalmente no mundo e as CEB´s acolhe e denuncia estas estruturas de morte.
A média de idade de uma pessoa trans, é de 35 anos. Se mata e exclui pessoas em razão de sua orientação sexual, assim, o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Por ódio justificam a morte. Assim, as CEB´s, sofrem, acolhem e denunciam estas estruturas de morte.
Os Sem Terra, Sem Teto e Sem Trabalho, sofrem perseguições preconceituosas por exigir que seus filhos tenham o direito à dignidade de comer três refeições ao dia, por ter o direito sonegado de ter uma escola decente para estudar, acesso à saúde para curar suas dores quando ficam doentes e ficam doentes porque não comem, não se educam e como consequência, não tem saúde. Assim, as CEBS, sofrem, acolhem e denunciam estas estruturas de morte.
E, corajosamente, um por um, vão passando pelo altar desta grande Assembleia, reunida enquanto Igreja. Os quilombolas, os indigenas, os negros e negras, os jovens das periferias, as pessoas LGBTQIA+ e Deus vai sendo mostrado como um Deus sofredor, que sofre as dores de seu povo. Um Deus, que para espanto e estupor de alguns, não se apresenta como sendo um Deus Todo Poderoso, mas um Deus que se revela aos pobres, aos perseguidos, aos injustiçados, a partir do Seu próprio filho, que sofre na pele as agruras desta estrutura de morte e assim sendo, este Deus, se apresenta como sendo o DEUS QUE É AMOR, (1Jo 4-8) e que neste amor, acolhe os sofrimentos, as dores, as denúncias e transforma estas estruturas de morte em RESSURREIÇÃO, deixando os poderosos de mãos vazias e elevando os humildes (Lc, 1-52,53)
Corações vão serenando, maldades vão sendo domadas e afastadas, problemas são resolvidos sem que se saiba que está acontecendo. E a mensagem do Evangelho vai sendo transmitida, ora pela boca de um religioso católico, ora por um Indigena, por um ribeirinho, por um convidado de outra religião, aos poucos, o Amém, o Axé, o Awerê, Aleluia, vai se misturando e sempre termina em um desejo do bem, para o bem e com o bem.
O segundo fato foi o ódio eliminado. Havia uma raiva disseminada no meio daquela comunidade/diocese que nos acolhia, que fora acumulada pelos últimos anos de fakes, mentiras e manipulações originadas na fé, que gerava um medo sem sentido como é, aliás, a maioria dos medos. Havia uma tensão como resultado desta situação e haviam ecos em razão deste assombro.
As redes sociais emitiram sinais de profundo descontentamento e os ataques eram sentidos, particularmente pela coordenação do encontro. Não há registro de nenhum outro momento em que um encontro de cristãos, sofresse este tipo de assédio, partindo de pessoas que se autodenominam também cristãs! Mas acreditem, isso não é importante, pois foi vencido, por isso, o mais importante foi a superação.
Já na Missa de encerramento, o clima era outro. O amor havia vencido! Era nítida a alegria. O que era sisudo e desconfiado, passou a ser admiração, gratidão e respeito. Havia muita emoção. Uma das coordenadoras, que acho que era da cozinha e ligada ao MCC - Movimento do Cursilho da Cristandade, era pura emoção. Ela chorava. Pedi para lhe dar um abraço e disse: “Viu? o bicho não era tão feio assim! Ela me respondeu: Não. Não era feio, nem era bicho. Mas é lindo e são meus irmãos!” Ai, quem chorou fui eu!
Já não era necessário dizer mais nada. Me arrepiei e fui embora. A benção me foi dada. Afinal, tinha mais 1.400 km de estrada para voltar pra casa.
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