domingo, 23 de julho de 2023

PACIÊNCIA, HUMILDADE, GRAÇA... E FERMENTO NA MASSA!

 Chico Alencar 

(breve reflexão para crentes ou não)

Jesus, didático e atraente na comunicação, propunha parábolas para o(a)s muito(a)s que queriam ouví-lo. Nesse domingo Mateus relata três (13, 24-43). Todas têm muito a ver com os nebulosos tempos que a Humanidade atravessa.

A primeira alegoria diz da nossa ilusão de ter tudo certinho, uniforme, como previsto. Afã da "produtividade" tão cobrada, como se o que é humano não padecesse sempre de imperfeição. Pede calma aos que querem logo julgar e condenar: "não se afobe não, que nada é pra já" (Chico Buarque). Aceitar que somos falíveis, que nosso potencial de luz é permeado por sombras, é a melhor postura para corrigir inevitáveis equívocos.

A segunda comparação - da sementinha mínima que vira árvore frondosa - é lição de humildade. "Tudo vem das pequenas coisas, sobretudo as grandes", repetia D. Paulo Evaristo Arns (1921-2016). Eficácia dos meios simples e pobres, nessa época perversa e cínica da "grandiosidade", dos engenhos hight-tec fora dos quais tudo é inútil, desprezível, descartável.

A terceira metáfora, na mesma linha, é a dos pequenos nacos de fermento que levedam a farinha, e a fazem crescer. Pitadinhas que ampliam, geram abundância a ser distribuída.

Assim nós, na caminhada terrena: temos sabido, com ciência e paciência, separar o joio do trigo? Temos ajudado a gerar, no miúdo da plantinha bem cuidada, galhos acolhedores, "onde as aves do céu vêm fazer seus ninhos"? Temos sabido "fermentar", sem a arrogância dos soberbos que tudo sabem, o que pede adubo, para a justa partilha dos bens, comuns a todos?

O secreto imperceptível - Deus, o Todo Poderoso Amor, a magia da Energia Primeira e cósmica - está conosco nessa tarefa de ser com os outros, de estar generosamente no mundo.

"Assim resplandecerão os justos, como o sol, no reino do Pai", - que é também Mãe e Irmão. Resplandeçamos: "brilhar para sempre/ brilhar como um farol/ brilhar de um  brilho eterno/ (...) Gente é pra brilhar:/ este é o meu lema, e o do sol também!" (Maiakovski, 1893-1930).

"Quem tem ouvidos, ouça!", encerra o Mestre. Ouçamos. Tudo que nos cerca reverbera esse chamado.

Ilustração Cebi (Mesters, Lopes e Orofino)

Papa Francisco

Para nos falar sobre o reino de Deus, Jesus usa parábolas. Conta histórias simples que tocam o coração de quem a ouve; e essa linguagem, cheia de imagens, é semelhante à que os avós costumam usar com os netos, talvez sentando-os de joelhos. Desta forma, eles comunicam sabedoria importante para a vida. Recordando os avós e os anciãos, as raízes de que os mais novos precisam para se tornarem adultos, gostaria de reler os três episódios do Evangelho que ouvimos a partir de um aspecto que têm em comum: crescer juntos.

Na primeira parábola, é o trigo e o joio que crescem juntos, no mesmo campo (cf. Mt 13,24-30). É uma imagem que nos ajuda a fazer uma leitura realista: na história da humanidade, como na vida de cada um, convivem luzes e sombras, amor e egoísmo. Além do mais, o bem e o mal estão interligados a ponto de parecerem inseparáveis. Esta abordagem objetiva nos ajuda a olhar a história sem ideologias, sem otimismo estéril ou pessimismo nocivo. O cristão, animado pela esperança em Deus, não é pessimista, nem ingênuo que vive no mundo das fábulas, que age como se não visse o mal e diz que “está tudo bem”. Não, o cristão é realista, sabe que há trigo e joio no mundo, e olha para dentro, reconhecendo que o mal não vem só “de fora”, que nem sempre a culpa é dos outros, que não é preciso “inventar” inimigos para lutar para evitar iluminar um pouco o seu interior. Ele percebe que o mal vem de dentro, da luta interna que todos nós temos.

Mas a parábola nos questiona: quando vemos que o trigo e o joio estão juntos no mundo, o que devemos fazer? Na narrativa, os servos queriam arrancar o joio imediatamente (cf. v. 28). É uma atitude animada por uma boa intenção, mas impulsiva, até agressiva. Eles pensam que serão capazes de extirpar o mal com suas próprias forças, para alcançar a pureza. É uma tentação frequente: uma “sociedade pura”, uma “Igreja pura” mas, para conseguir essa pureza, corre-se o risco de ser impaciente, intransigente, até violento para com quem caiu no erro. E assim, junto com o joio, também o bom trigo é arrancado e as pessoas são impedidas de trilhar seu caminho, de crescer, de mudar. Em vez disso, escutemos o que diz Jesus: "Deixai-os crescer juntos até à colheita" (cf. Mt 13,30). Como é belo este olhar de Deus, a sua pedagogia misericordiosa, que nos convida a ser pacientes com os outros, a acolher —na família, na Igreja e na sociedade— a fragilidade, os atrasos e os limites. Não para acostumá-los com resignação ou justificá-los, mas para aprender a intervir com respeito, promovendo o cultivo do bom grão, com mansidão e paciência. Lembrando sempre que a purificação do coração e a vitória definitiva sobre o mal são, essencialmente, obra de Deus. E nós, vencendo a tentação de dividir o trigo e o joio, somos chamados a compreender quais são as melhores formas e momentos para agir.

Penso nos idosos e nos avós que já percorreram um longo caminho no caminho da vida e, quando olham para trás, veem tantas coisas bonitas que conseguiram, mas também derrotas, erros, até algumas coisas que —como dizem— “se eu voltasse não repetiria”. Hoje, porém, o Senhor vem ao nosso encontro com uma doce palavra, que nos convida a acolher com serenidade e paciência o mistério da vida, a deixar o julgamento a Ele, a não viver com censuras e remorsos. Como se quisesse dizer-nos: «Olhai para o bom trigo que germinou ao longo do caminho das vossas vidas e fazei-o crescer ainda mais, confiando tudo a Mim, que sempre perdôo: no final, o bem será mais forte do que o mal». A velhice é um tempo abençoado também para isso, é tempo de reconciliar, de olhar com ternura a luz que se espalhou apesar das sombras, na esperança confiante de que o bom trigo semeado por Deus prevalecerá sobre o joio com o qual o demônio quis infestar nossos corações.

Penso nos avós, belos como essas árvores frondosas, sob as quais filhos e netos fazem seus próprios "ninhos", aprendem o clima familiar e experimentam a ternura de um abraço. É crescer juntos. A árvore exuberante e os pequeninos que precisam do ninho, os avós com seus filhos e netos, os idosos com os mais novos. Irmãos e irmãs, precisamos de uma nova aliança entre jovens e velhos, para que a linfa daqueles que têm uma longa experiência de vida irrigue os brotos de esperança daqueles que estão crescendo. Neste intercâmbio fecundo aprendemos a beleza da vida, construímos uma sociedade fraterna e na Igreja permitimos o encontro e o diálogo entre a tradição e as novidades do Espírito.

Finalmente, a terceira parábola, em que o fermento e a farinha crescem juntos (cf. Mt 13,33). Essa mistura faz toda a massa crescer. Jesus usa precisamente o verbo “misturar”, que evoca aquela arte que comporta “a mística de viver juntos, de misturar, de se encontrar, de se pegar nos braços” e de “sair de si para se juntar aos outros” (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 87). Isso supera o individualismo e o egoísmo e nos ajuda a gerar um mundo mais humano e fraterno. Desta forma, hoje a Palavra de Deus é um apelo a estarmos vigilantes para que a nossa vida e a das nossas famílias não marginalizem os idosos. Estejamos vigilantes, para que nossas cidades lotadas não se transformem em "solidão concentrada"; para que a política, chamada a atender às necessidades dos mais frágeis, não se esqueça justamente dos idosos, deixando que o mercado os relegue a "descartes improdutivos". Não vai acontecer que, à força de seguir a toda velocidade os mitos da eficiência e do desempenho, não consigamos desacelerar para acompanhar quem tem dificuldade em acompanhar. Por favor, vamos nos misturar, vamos crescer juntos.

Irmãos e irmãs, a Palavra divina não nos convida a separar-nos, a fechar-nos, a pensar que podemos sozinhos, mas a crescer juntos. Escutemos, dialogemos, apoiemos uns aos outros. Não nos esqueçamos dos avós e dos idosos. Muitas vezes, graças às suas carícias, ressuscitamos, retomamos o nosso caminho, sentimo-nos amados, curados por dentro. Eles se sacrificaram por nós e não podemos tirá-los da agenda de nossas prioridades. Vamos crescer juntos, vamos avançar juntos. O Senhor abençoe nosso caminho.


Nenhum comentário: