domingo, 16 de julho de 2023

O peso do nome: última entrevista de bell hooks e novo livro


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Por Tadeu Breda 

Na semana que passou, tivemos duas novidades relacionadas à bell hooks. A principal delas é que abrimos a pré-venda de um novo livro da autora, Cultura fora da lei: representações de resistência, com tradução de Sandra Silva e prefácio à edição brasileira de Terra Johari. Paralelamente, o jornal The Washington Post publicou um trecho da última entrevista concedida por bell hooks, a um programa de rádio em 2012, quase dez anos antes de sua morte, em dezembro de 2021, aos 69 anos. Nós traduzimos o bate-papo e o publicamos no Blog da Elefante.

 “Todos os ensaios e diálogos em Cultura fora da lei: representações de resistência vêm de um engajamento empírico com práticas e ícones culturais tidos como à margem, que forçam os limites, perturbam políticas convencionais e aceitáveis de representação”, escreve a autora. “Partindo do ponto de vista de que o trabalho dos críticos culturais não é apenas consolidar passivamente práticas já definidas como radicais ou transgressoras, eu rompo barreiras para ter outra perspectiva, contestar, questionar e, em alguns casos, recuperar e resgatar.”

 Em sua última entrevista, concedida ao escritor estadunidense Silas House, bell hooks, ao explicar por que resolveu adotar um pseudônimo, fala sobre o peso do nome, da importância do amor como força política e da impossibilidade de se adotar uma postura consciente em relação ao mundo sem sentir um certo pesar pela ordem das coisas no sistema capitalista imperialista patriarcal supremacista branco. “Teremos que evocar o amor transformador se quisermos curar nosso planeta e nossa alma.”

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Por Silas House - Publicado em The Washington Post

Aproximadamente uma década antes de sua morte — em 2021, aos 69 anos — bell hooks concedeu uma longa entrevista de rádio ao escritor estadunidense Silas House, em que discutiram alguns temas do extenso trabalho da autora, como gênero, raça e a vida no Sul dos Estados Unidos, marcada fortemente pela segregação racial dos séculos XIX e XX. Durante a conversa, ocorrida em 2012, hooks falou sobre sua juventude, suas escolhas de vida e sua escrita. O resultado do bate-papo foi transformado no livro bell hooks: The Last Interview and Other Conversations (Melville House, 2023), lançado recentemente nos Estados Unidos [e que deverá ser publicado no Brasil pela Elefante]. Aqui um trecho.

Uma das minhas citações preferidas de Erica Jong diz o seguinte: “Mudar de nome é o primeiro ato do poeta e do revolucionário”. Você mudou de nome, eu também, e acho que é muito justo dizer que você é uma poeta e uma revolucionária. Como você responderia a essa citação?

Eu respondo a essa citação reconhecendo que os nomes têm poder, e o nome que me deram quando nasci — Gloria Jean — realmente reflete o quanto meus pais queriam que eu fosse muito feminina, uma típica garota belle do Sul dos Estados Unidos. Acredito que, para encontrar minha voz e começar a usá-la, eu tive que adotar o nome da minha bisavó materna, Bell Hooks. Assim pude criar uma existência própria, que realmente não estava sendo alimentada pelos meus pais ou pelo meu lar.

Poderia nos dizer por que você não capitaliza isso?

As pessoas esquecem que, no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, especialmente entre pessoas engajadas com o feminismo, existia toda uma conversa sobre divorciar-se do ego. Não estávamos comprometidas apenas com o feminismo, mas também com religiões orientais e libertação sexual — e isso incluía abrir mão do ego. Prestar atenção em quem estava falando — e não ao que estava sendo falado — era politicamente incorreto. O importante era ouvir o que as pessoas estavam dizendo. Então, muita gente envolvida no movimento feminista passou a usar pseudônimos ou diferentes nomes. No meu caso, até escrevi um ensaio sobre isso, em que digo que, quando o nome “bell hooks” é pronunciado, o espírito da minha bisavó renasce, porque isso também tem a ver com o fato de que muitas de nós não sabemos nomear a linhagem feminina da qual descendemos.

Muitos escritores, hoje, sentem que usar uma palavra como “amor” é algo muito antiquado, e que eles são sofisticados demais para isso. Mas você usa a palavra “amor” ativamente em seus escritos e em suas palestras. Admiro muito a maneira como você usa essa palavra e fico imaginando o quanto esse uso tem sido feito conscientemente por você.

É realmente uma escolha política consciente. Quando olho em volta, vejo que, nos lugares onde muitas transformações estão ocorrendo, seja com o ecofeminismo ou com o ambientalismo, as experiências mais profundas de transformação no mundo estão surgindo em lugares onde existe amor. Ou seja, tenho dito às pessoas que elas têm que assistir a um documentário sobre o movimento ambientalista chamado A Fierce Green Fire [Um feroz fogo verde] (2012). Quando você vê aquelas pessoas jovens em seus barquinhos colocando o corpo entre as baleias e os arpões, você percebe que existe muito amor nisso. Isso mexe com você. Não sei se houve alguma outra experiência visual em que me senti tão conectada com um ativista branco. Me senti muito tocada por essa imagem. Essa é a “coragem do amor” da qual falava Martin Luther King, a força do amor — nada a ver com esse tipo de amor sentimental que vemos em cartões de Natal. É o amor transformador, e teremos que evocá-lo se quisermos curar nosso planeta e nossa alma.

Você acredita que os escritores carregamos uma grande tristeza? Se sim, você acha que carregamos essa tristeza porque somos escritores, ou somos escritores porque temos essa tristeza?

Curioso você falar disso. A meditação que faço todo dia de manhã tem a ver com essa tristeza, porque eu frequentemente sinto um tremendo pesar pelo que tem acontecido no mundo, com as pessoas à minha volta, com as desconexões, com a minha família disfuncional etc. Mas eu não acho que são apenas os escritores, e sim as pessoas no geral que estão escolhendo ser mais conscientes. É difícil despertar — no sentido budista do termo, ou seja, abrir os olhos e ver o que está acontecendo no mundo — sem sentir tristeza. E uma coisa que o monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh sempre diz é que precisamos pegar esse essa tristeza e usá-la como adubo para o nosso jardim. Eis um desafio para mim. Sinto que o pesar está comigo desde que eu, ainda criança, enfrentava o racismo brutal do Kentucky e o patriarcalismo sexual extremo dos meus pais e da nossa religião, e tudo o que eu queria era encontrar um lugar, sair desse espaço entre a dor e a tristeza e ir para um lugar onde eu pudesse sentir o que diz aquela canção de Jackie Wilson, “Seu amor me levou para ainda mais alto”. É isso. Quando estou na minha casa, olho para as colinas e penso sobre as escrituras que dizem: “Vou alçar meus olhos às colinas, de onde vem meu socorro”. Enfim, temos aqui, novamente, uma evocação da natureza, do meio ambiente, que nos ajuda, nos restaura, nos oferece um caminho para continuar vivendo. Para mim, a questão é manter essa tristeza equilibrada, porque não conheço uma pessoa consciente que não sinta um certo pesar.

https://www.youtube.com/watch?v=Ec4nw3eeu-Q




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