Ontem, quinta-feira, às 12h06, os números da Covid-19 entre os povos indígenas davam a dimensão do massacre: 408 óbitos e 10.341 casos confirmados de infecção por coronavírus, que já atinge 121 das 305 etnias. Também impressiona o fato de que a gente só saiba disso por iniciativa dos próprios indígenas. Desde maio, a APIB - Associação dos Povos Indígenas do Brasil -, faz um levantamento independente dos dados oficiais, através de informações trazidas pelas lideranças e pelo Comitê Nacional de Vida e de Memória Indígena, formado por indígenas e especialistas para tentar controlar a evolução da doença, que ameaça exterminar etnias inteiras.
No mesmo dia 2 de julho, a Sesai - que se limita a registrar casos e óbitos entre os indígenas aldeados (os que vivem em Terras Indígenas), contabilizava 158 mortes, pouco mais de um terço do total levantado pela Apib. Ontem, um estudo coordenado pela Universidade de Pelotas comprovou o que diziam os indígenas desde o início da pandemia: a prevalência de Covid-19 entre a população indígena urbana (5,4%) é 5 vezes maior do que entre a população branca (1,1%). O que não significa que os aldeados estão protegidos. Na região amazônica, segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a taxa de mortalidade pela doença por 100 mil habitantes entre indígenas é 150% maior que a média nacional.
Diante do genocídio em curso, que tem despertado a preocupação mundial, expressa em discursos do presidente da OMS, do Papa, da ONU - mas não do governo brasileiro-, os indígenas se mobilizaram para propor uma Arguição de Desrespeito a Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal “para obrigar o governo a não nos deixar morrer”, como escreveu o advogado Eloy Terena em artigo na Folha de São Paulo. Eloy, um dos nove advogados indígenas que assina a ADPF, explicou por que eles decidiram apelar para esse “recurso inusual”, que tem “por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, segundo o artigo 102 da Constituição”: fazer com que “o governo exerça a sua obrigação de cuidar de nossa segurança e saúde”, expulsando os invasores das terras indígenas, criando barreiras sanitárias para evitar o contágio proveniente de outras regiões, e reforçando a mais do que precária situação da saúde indígena, com equipamentos e profissionais nos locais em que eles vivem. Nas terras onde vivem 23 mil Xavante, por exemplo, que já tem cem casos confirmados da doença e acumularam 9 mortes em 24 horas no último fim de semana, não há nenhum hospital de campanha.
O documento de 80 páginas, protocolado pelos advogados indígenas no STF na segunda-feira passada, obteve o suporte de partidos políticos - Rede, Psol, PT, PDT, PSB e PC do B. Ontem o ministro Luís Roberto Barroso deu um prazo de 48 horas para que o presidente Jair Bolsonaro e o Procurador Geral da República se manifestem. Mas, pelo que Bolsonaro demonstrou desde de sua posse, com o apoio irrestrito a grileiros e garimpeiros que invadem terras indígenas, só podemos esperar que o STF force o governo a cumprir o seu dever. E com urgência. Como afirmou o adolescente guarani-kaiowá Roger Alegre na quarta-feira na ONU sobre a difícil situação também dos indígenas no território do agronegócio: “Estamos com falta de alimentos nos acampamentos, muitos de nossos pais e familiares adultos foram contaminados por trabalharem nos frigoríficos da JBS”, relatou o jovem de 15 anos. Exatamente a mesma idade do primeiro morador de aldeia a morrer de coronavírus, o Yanomami Alvanei Xirixana, no dia 9 de abril. Nenhuma providência para proteger os indígenas foi tomada pelo governo desde então.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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