segunda-feira, 22 de abril de 2024

Dirceu diz que governo Lula é de “centro-direita”: “Exigência do momento histórico” e Frei Betto "Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete."

                              


Segundo o ex-ministro José Dirceu (PT), Lula não inflama a polarização e a radicalização política do país: "O país está radicalizado por causa do discurso feito ontem no Rio de Janeiro", disse, sobre ato pró-Jair Bolsonaro

Fábio Matos

22/04/2024 12h00 

O terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é de esquerda nem de centro-esquerda, mas de “centro-direita”. A avaliação, que pode parecer surpreendente para muitos, é de uma das principais lideranças da história do PT, o ex-deputado federal e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

As declarações do petista foram dadas durante um evento promovido pela Esfera Brasil – grupo que reúne empresários de diversos setores da economia brasileira –, em São Paulo (SP), nesta segunda-feira (22).

Dirceu participou do painel “Eleições: Unindo Ideias, Moldando Futuros”, o segundo do “Seminário Brasil Hoje: Diálogos para Pensar o País de Agora”. Ele dividiu a bancada com o deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE); o atual secretário municipal de Relações Internacionais de São Paulo, Aldo Rebelo (MDB); e o ex-presidente nacional do PSOL Juliano Medeiros.

“O presidente Lula montou um governo que não é de centro-esquerda, é um governo de centro-direita. Realmente, parte do PL, o PP e o PR estão na base do governo. É uma exigência do momento histórico e político que nós vivemos”, afirmou Zé Dirceu.

Lula não optou pela polarização e radicalização. O país está radicalizado por causa do discurso feito ontem no Rio de Janeiro, com fundamentalismo religioso e ataques à democracia”, prosseguiu o ex-ministro, em alusão à manifestação em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na orla da praia de Copacabana, no Rio, que reuniu milhares de pessoas, no domingo (21).

Segundo Dirceu, “Bolsonaro está em campanha eleitoral, percorrendo o Brasil, tendo candidato em cada cidade”. “A polarização da campanha vai acabar acontecendo nos grandes centros urbanos”, projetou o ex-ministro, referindo-se à disputa das eleições municipais de outubro deste ano.

“O Brasil está virando um país de partidos políticos. Quem está puxando isso são os partidos de centro-direita, que estão se constituindo em partidos. Na Câmara e no Senado, qualquer assunto é debatido e existem várias posições políticas e programáticas”, prosseguiu Dirceu.

Segundo Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União, a “jurisprudência da Lava Jato” levou a um “apagão das canetas” no país: “Nenhum gestor público tinha coragem de tomar decisões”

Durante o debate, Aldo Rebelo, que foi ministros nos governos anteriores de Lula e Dilma Rousseff (PT), defendeu a atual gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), pré-candidato à reeleição neste ano.

“O governo do prefeito Ricardo Nunes não é um governo de direita. É um governo de forças heterogêneas, inclusive de partidos que integram a base de apoio do governo Lula”, afirmou Aldo, cotado para ocupar o posto de vice na chapa de Nunes.

Agora, querem impor em São Paulo um terceiro turno de eleição presidencial. Não, senhoras e senhores. A eleição é municipal, entre candidatos que querem administrar a cidade de São Paulo, e não o Brasil”, prosseguiu o ex-ministro e ex-presidente da Câmara dos Deputados.

Juliano Medeiros, ex-presidente do PSOL e um dos coordenadores da pré-campanha do deputado federal Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, rebateu Aldo.

“Não há dúvida de que há repercussões da crise política que o Brasil vive há uma década, com impeachment, prisão de 2 ex-presidentes, denúncia contra presidente”, afirmou Medeiros.

Acredito que algum tipo de nacionalização vai chegar às eleições municipais. Não em todas as eleições, mas em São Paulo certamente vai. É inegável que, em São Paulo, a extensão dessa polarização vai tomar a forma de uma oposição entre progressistas e conservadores”, prosseguiu o ex-presidente do PSOL. “Em alguma medida, as eleições municipais de São Paulo também expressarão uma divisão política que está se estabelecendo no país.


Recomendamos também a leitura deste notável artigo do Frei Betto.

 CABELOS BRANCOS

 Frei Betto

       Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º encontro nacional do Movimento Fé e Politica. Quase duas mil pessoas. Ao contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de cabelos brancos ou tingidos. 

      Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias, propostas e utopias, também envelhecem?

      É muito preocupante constatar que as forças progressistas não logram renovar seus quadros. Para vice de Boulos, na disputa pela prefeitura de São Paulo, em outubro próximo, o PT precisou importar uma mulher filiada a outro partido: Marta Suplicy, que fará 80 anos em março de 2025. No Rio, o PT parece não ter quem indicar para possível vice na chapa do prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Tende a importar  Anielle Franco, do PSOL. 

      Tenho proferido conferências pelo Brasil afora e assessorado movimentos populares. Os cabelos brancos predominam na plateia. As poucas manifestações públicas convocadas pela esquerda reúnem número inexpressivo de pessoas e, em geral, a turma dos cabelos brancos.

      Nós, da esquerda, estamos acuados. Como diz a canção de Belchior, “minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos (...) como os nossos pais”. “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. E não vemos que “o novo sempre vem”.

      A queda do Muro de Berlim abalou as nossas esperanças em um mundo onde todos teriam a sua existência dignamente assegurada. E o capitalismo, gato de sete fôlegos, inovou-se pelos avanços da ciência e da tecnologia e, sobretudo, do neoliberalismo. 

      Primeiro, a privatização do patrimônio público; em seguida, das instituições sociais, reduzidas a duas por Margaret Tchatcher: o Estado e a família. E, por fim, o cidadão foi despido de seu manto aristotélico e condenado a ser mero consumista, inclusive de si mesmo ao passar horas a se mirar no espelho narcísico das redes digitais. 

      Há uma progressiva despolitização da sociedade. A direita é como uma maré que sobe e ameaça afogar o que nos resta de democracia liberal. Basta dizer que um dos três programas de maior audiência da TV Globo e, portanto, de faturamento, é o BBB, que bem espelha os tempos em que vivemos: ali são explícitas as regras do sistema capitalista. O único objetivo é competir. Todos sabem que, ao final, apenas uma pessoa haverá de amealhar o pote de ouro. E a missão dos concorrentes é cada um fazer tudo para que seus pares sejam eliminados. É o que milhões de adolescentes aprendem ao perder horas assistindo àquele simulacro de “O anjo exterminador”, de Buñuel.

      Na esquerda “ainda somos os mesmos”. Não semeamos a safra de novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas instâncias de poder. Abandonamos as favelas, as zonas rurais de pobreza, os movimentos de bairros. E não aprendemos a atuar nas trincheiras digitais, monopolizadas pela direita como armas virtuais da ascensão neofascista. 

      Não sabemos como reagir diante do fundamentalismo religioso que mobiliza multidões, abastece urnas, elege inclusive bandidos notórios. Fundamentalismo que apaga as desigualdades sociais e as contradições de classe e ressalta que tudo se reduz à disputa entre Deus e o diabo. Todo sofrimento decorre do pecado. Eliminado o pecado, irrompe a prosperidade, que empodera e favorece o domínio: a confessionalização das instituições públicas; a deslaicização do Estado; a neocristandade que condena à fogueira da difamação e do cancelamento todos que não abraçam “a moral e os bons costumes” dos que clamam contra o aborto e homenageiam torturadores e milicianos assassinos.

      Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida primavera!

 Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

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Governo Lula está perdendo a batalha da narrativa e da comunicação, diz José Dirceu







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