Cineasta relembra história de 'Iracema, uma Transa Amazônica' e afirma que projeto do país para a Amazônia não mudou
Imagem do filme "Iracema, uma Transa Amazônica", de Jorge Bodanzky - Festbrasilia / DivulgaçãoBrasil de Fato
A exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985 foi aberta no dia 23 de março e reúne, pela primeira vez, fotografias, reportagens de TV, filmes em Super 8 e cenas dos principais filmes dirigidos pelo cineasta, durante a ditadura militar brasileira. A mostra é gratuita e está no Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, região central de São Paulo.
O principal filme de Bodanzky nesse período, Iracema, uma Transa Amazônica, deveria ter sido lançado em 1974, mas foi barrado pela censura ditatorial. No entanto, o diretor explica que isso não impediu que seu filme fosse amplamente conhecido por aqueles que ele entendia como público-alvo, graças a uma forte rede de cineclubes organizados entre estudantes, sindicatos, comunidades eclesiais de base.
"Ele estava censurado oficialmente, no cinema, mas ele circulou muito pelo ambiente underground, burlando a censura no movimento cineclube, que era um movimento politicamente muito importante naquela época", conta em entrevista ao programa Bem Viver.
Bodanzky destaca que o filme foi um dos primeiros meios de comunicação a tratar das problemáticas que envolvem a Amazônia, como preservação, desenvolvimento, soberania, entre outros temas. Tendo conseguido burlar a censura, o filme ajudou a formar conhecimento sobre os impactos da construção da rodovia Transamazônica.
"A questão amazônica, desde aquela época, já era de interesse muito grande. E as pessoas já desconfiavam que a propaganda do governo dava uma imagem falsa do que estava acontecendo. Só que não tinha nada, não tinha como mostrar. Não havia matérias de jornais, nem filmes, nem documentários, que abordassem essa temática. Então, esse filme chegou um momento muito importante de poder fazer parte dos movimentos que estavam contra a ditadura militar, porque esse projeto da transamazônica foi o grande projeto da ditadura militar", afirmou.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: O seu filme Iracema, uma Transa Amazônica poderia ter rodado os cinemas do Brasil e do mundo já em 1974, mas houve a censura da ditadura. Ficou seis anos parado e só foi lançado oficialmente em 1981. Teve algum momento que você pensou que ele nunca ia poder ir ao ar, que isso seria um trabalho, não vou dizer perdido, mas um trabalho invisibilizado?
Jorge Bodanzky: Olha, tem um dado muito importante que tem que ser dito aqui. Havia, nessa época, um movimento cineclubista muito intenso, muito forte. Tinha até uma distribuidora chamada Dina Filmes, que distribuía os filmes em 16 milímetros, que não passavam pela censura. E esses cineclubes eram quase que uma guerrilha cinematográfica. Tinha no Brasil inteiro. Eram as comunidades eclesiais de base da igreja, os Movimentos de Defesa da Amazônia, as agremiações de estudantes, os sindicatos. Todos eles tinham cineclubes. Então, o filme circulou muito nesses cineclubes. Não só esse, mas os outros filmes que eu fiz no período.
Não cabe dizer que o filme não foi visto. Ele estava censurado oficialmente, no cinema, mas ele circulou muito pelo ambiente underground, burlando a censura no movimento cineclube, que era um movimento politicamente muito importante naquela época.
Quando o filme finalmente chegou a ser liberado, passando pelo Festival de Brasília em 1980, ele entrou no cinema já. Não houve, vamos dizer, aquela surpresa. Grande parte do público-alvo, já estava vendo esse filme. Eu fiquei muito feliz com isso, porque a censura não conseguiu censurar o filme. Às vezes a censura só faz com que seja mais divulgado.
Sobre esse lançamento emblemático que aconteceu, digamos, extraoficialmente, como foi esse momento? As pessoas já sabiam que era um filme proibido, que era um filme censurado? Como foi essa recepção?
A imprensa alternativa já citava muito o filme. E o filme já circulava lá fora, passou no Festival de Cannes, passou em muitos festivais. A imprensa noticiava isso tudo. As pessoas tinham conhecimento da existência desse filme e da repercussão dele no exterior. Não era assim uma coisa que eles iam conhecer na hora. Já sabiam, mais ou menos, do que se tratava.
E a questão amazônica, desde aquela época, já era de interesse muito grande. As pessoas já desconfiavam que a propaganda do governo dava uma imagem falsa do que estava acontecendo. Só que não tinha nada, não tinha como mostrar. Não havia matérias de jornais, nem filmes, nem documentários com essa temática. Então, chegou um momento muito importante de poder fazer parte dos movimentos que não estavam contra a ditadura militar, porque esse projeto da transamazônica foi o grande projeto da ditadura militar.
Era um projeto que ia glorificar o Brasil no mundo, construir a transamazônica. E que eles mesmo diziam: "Não, mas se a gente não ocupar a Amazônia, os estrangeiros americanos vão entrar aqui e vão ocupar", aquela balela toda. E o filme mostra que a realidade é outra. Infelizmente, o filme é cada vez mais atual, porque a toda situação que acontecia naquele período, dos anos 1970, da Ditadura Militar, continua igual hoje, se não pior.
O projeto do governo para a Amazônia, eu diria que não mudou. O projeto dos militares daquela época continua o mesmo até agora. Entra governo, sai governo, é a mesma coisa. Isso é muito preocupante.
Ainda sobre censura, me parece um paralelo importante com algo que recentemente aconteceu, com o livro do escritor Jeferson Tenório, O Avesso da Pele, que está sendo caçado em alguns estados do Brasil. Estão retirando o livro das escolas, dizendo que o livro tem uma linguagem chula, enfim, inventando várias desculpas para poder retirar esse livro. Te impressiona que 60 anos depois do golpe militar, o método ainda é o mesmo, a censura?
É, é um falso moralismo. Achar que as crianças não podem ler um palavrão, mas fala um palavrão. Por que não pode ler um palavrão? É uma posição hipócrita. Tem o efeito reverso, chama atenção para o livro. Vai chamar mais atenção para o livro do que a censura que o livro realmente vai ter na prática.
É uma bobagem tão grande, com a mídia que existe hoje, querer censurar alguma coisa. É uma visão um pouco ilusória de que isso vai funcionar.
E você tem a sensação de que a censura da ditadura militar só impulsionou mais o seu filme?
A gente não colocava a temática da censura. Eu não queria que o filme fosse visto como um filme censurado. Eu queria que o filme fosse visto pelo conteúdo que ele tem, pela denúncia que ele faz.
E foi assim, também, a gente não apelou para dizer: olha, esse filme é censurado, vocês têm que ver. Eu sempre minimizei esse aspecto da censura. Como eu já falei, a censura não impediu que o filme fosse visto pelo público, por quem eu queria que visse esse filme, que eram os estudantes, os jornalistas, os professores, e os ativistas, principalmente.
A entrevista na íntegra pode ser ouvida no áudio que acompanha esta reportagem.
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https://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=239
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https://www.youtube.com/watch?v=XU0exX7DRqQ
Depoimento de Ancelmo Gois para a Comissão Estadual da Verdade de Sergipe Paulo Barbosa de Araújo no dia 18 de julho de 2016 no auditório do Museu da Gente Sergipana.
https://www.youtube.com/watch?v=z1loXag04tE&list=PLtTTTtrjYOs0loB81u8oY3Zd8sO2Hrp9c&index=19
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