Entrevista de Célio Turino para uma revista da Universidade Federal Fluminense, sobre o transbordamento da Cultura Viva por outros países. Tem muitos aspectos inéditos, até pela condução das perguntas feitas pelos professores.
Revista PragMatizes, da UFF https://periodicos.uff.br/pragmatizes/issue/view/3053/1015
Célio
Turino[1]
Deborah
Rebello Lima[2]
Luiz
Augusto F. Rodrigues[3]
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.63905
Célio Turino was the creator and manager of the Cultura
Viva Program at the Brazilian Ministry of Culture from 2004 to 2010.
Célio Turino fue el creador y gestor del Programa Cultura
Viva del Ministerio de Cultura de Brasil de 2004 a 2010.
Entrevista com Célio Turino
(E) concedida aos pesquisadores Deborah Rebello Lima, da UFPR, (P1) e Luiz
Augusto F. Rodrigues, da UFF, (P2), realizada de modo online em 23 de abril de
2024
[4].
Célio Turino já nos concedeu entrevista
em diferentes momentos e sobre diversos temas. Para a edição deste dossiê
privilegiamos o transbordamento de fronteiras do Cultura Viva.
P2 – Você considera que há mudanças profundas nos conceitos de Cultura Viva no Brasil e na América Latina?
E – Entendo
que sim, principalmente no encontro entre os conceitos de cultura viva e bem
viver, mas é algo que mantém o fio, uma coerência com o marco de construção
conceitual filosófica da cultura viva desde 2004. Cultura Viva é um conceito
biológico, orgânico, e trabalha o sentido de cultura a partir da ideia da
biopotência, a potência da vida; é a biopotência que vai conseguir enfrentar a
necropolítica e o biopoder. Biopoder e a necropolítica se entrelaçam, hoje isso
está muito claro, inclusive em alguns países que estão sendo utilizados como
experimento para a necropolítica, como El Salvador (que eu conheço bem e fui
inclusive entrevistado pelo atual presidente Nayib Bukele, quando ele ainda era
jovem comunicador tuiteiro; ele era da FMLN inclusive[5]. E
no Equador, conheci também o filho de milionário que tentou assumir a
presidência do país algumas vezes, que é o Noboa[6], igualmente
jovem, na faixa dos 30 para 40 anos, fala espanhol com sotaque gringo, porque foi
criado em Miami. Hoje esses dois países, El Salvador e Equador são os dois
grandes laboratórios da necropolítica na América Latina. O que conseguirá
enfrentar a biopolítica e a necropolítica, no meu entendimento, cujos elementos
já estavam expressos na formulação do CV, é a biopotência. O conceito da
biopotência, da potência da vida, se desenvolve e se pratica pela cultura viva.
Desde 2004 eu já percebia que o Cultura Viva iria definir um marco, que depois se
expande. Entendo, inclusive, que aquela conceituação mais clássica do Canclini
- ele coloca dos cinco modelos de expansão da cultura pela América Latina, que
é o modelo biológico-telúrico, que pega o cosmoambiente latino-americano; a
expansão pelas relações de Estado, muito a partir das independências no século
XIX; a expansão cultural mercantil; a militar, e que teve presença grande
nesses modelos dos governos militares do anos 1960, 70, a partir do golpe
militar no Brasil e vai construindo um modelo de expansão da cultura em
perspectiva autoritária; e o quinto, que ele classifica como progressista, no
sentido do histórico-popular. São esses cinco modelos. A Cultura Viva acrescenta
(e até conversei com Canclini quando ele esteve no ano passado, aqui em São
Paulo) um sexto modelo, que é o modelo comunitário, realizando a integração
latino-americana por um outro prisma. Ela difere do histórico popular porque
ela não é partidarizada, tendo uma dimensão mais comunitária, apesar do sentido
ideológico (amplo) enquanto cultura política e tomada de posição
descolonizadora. A diferença com o modelo histórico-popular é que ela emerge de
baixo pra cima. Então, acredito que essa é a grande expressão da convergência e
salto provocado pelo transbordamento da cultura viva do Brasil para os demais
países da América Latina.
Recentemente,
nesta semana da entrevista com vocês, realizamos um evento continental em
Solidariedade aos Pontos de Cultura na Argentina, por conta dos retrocessos sob
o governo de Milei. Eu sugeri o evento, e foi feito assim, em cinco dias de
chamada, reunindo gente de quase todos os países do continente. Só não conseguimos
ter pronunciamento de Cuba, porque Cuba não acessa o streamyard, que foi a ferramenta que utilizamos. Não teve Cuba e
Venezuela, e o Chile deu problema na hora da conexão pela internet. O restante,
todos os demais países da América Latina, estavam presentes. Como você consegue
criar um evento de solidariedade continental em tão pouco tempo e que vai do
sul ao norte do continente? Exatamente porque tem essa liga desse modelo
comunitário de baixo pra cima. E que é uma expressão da biopotência. Entendo
que essa é a grande contribuição da cultura viva enquanto filosofia, enquanto
conceito, e prática, do que as formas de gestão, repasse de recursos, ou
planificação governamental.
P2 – Seguindo um pouco essa ideia dos conceitos estruturantes do
programa, da política, e as pautas da diversidade, do reconhecimento, da
participação? Como você avalia?
E – Então…
eu estou aqui pensando para medir pouco as palavras. Mas, enfim, vamos direto. O
Cultura Viva praticado no Brasil entre 2004/10 chegou a ser o maior programa de
identidade e diversidade cultural do mundo; e de tudo o que eu buscar estudar,
observar, eu não vi nada semelhante, nada na dimensão do que nós fizemos no
Brasil. Quando depois é expandido pela América Latina, ainda mais. É uma
política de diversidade, que tem na diversidade complementar a sua força. É
diferente das políticas de diversidade atualmente apresentadas, por favor,
coloquem entre aspas, a chamada “cultura woke”[7]
, entre aspas também, o “identitarismo”. Eu não gosto de usar esses termos
porque ao tentarem afirmar as identidades como ideologia, também criam
ideologia. Eu não vejo dessa forma. Mas, por outro lado, o que tem prevalecido
sob a capa de políticas de diversidade, é uma cultura da hiper-fragmentação,
que se constrói a partir da diferença, do que separa. Esse é o mote, buscar e
exacerbar as diferenças e a partir dos recortes de diferença hiper-fragmentar a
diversidade. A cultura viva é o oposto disso. Ela trabalha a diversidade
estimulando os processos de encontro. Então ela… e na América Latina, a gente
conseguiu apresentar e praticar dessa forma. Tem grupos de música erudita se
comunicando com o ancestral, comunitário, popular, uma busca pela raiz
ancestral, um ancestral histórico, que vai reconstruindo ligações, encontros. Por
exemplo, no Chile, buscando costurar com a tradição do pensamento e prática de
Emilio Recabarren, que foi o fundador do Partido Comunista Chileno na década de
1910/20 e que percorria todo o norte do Chile e depois também o Sul, com os
camponeses e mineiros estruturando centros culturais comunitários. A luta
social no Chile, a partir do século XX, veio toda a partir de ações de
identidade e diversidade cultural. Veja, a experiência com os centros culturais
de Recabarren não é ideológica no sentido estritamente partidário, vai além
disso. Se pegar ali na história, é Emilio Recabarren e a esposa dele, Teresa
Flores, que era uma feminista, tecendo uma cultura emancipatória a partir das
raízes do povo. É uma identidade que se faz no processo de diversidade, que é
totalmente oposto ao que se vê hoje. Assim, acredito que… - inclusive na hora
que as pessoas perceberem o caminho da diversidade como força para encontrar um
denominador comum, que está no encontro, não na fragmentação. Quando isso
acontecer a biopotência vai se realizar com mais força e aí a gente vai
conseguir fazer frente a esse ambiente de total domínio sobre as possibilidades
da humanidade, de depressão da potência, coisificando a vida ao extremo. É
nessa dimensão que eu vejo diversidade.
No
Brasil foi assim também. Por exemplo, lá em São Lourenço do Sul, no Rio Grande
do Sul. É uma cidade pequena. A princípio caberia um só ponto de cultura. A
cidade fica às margens da Lagoa dos Patos, tem uma grande colônia de pomeranos
- e pomeranos são os eslavos germanizados, ainda falam pomerano, assim como em Pomerode
em Santa Catarina e no Espírito Santo. A cidade também tem uma comunidade
quilombola. Ambos não conversavam, pomeranos se consideravam de uma cultura
superior, germanófila. A princípio, pelo tamanho da cidade, caberia apenas um
Ponto de Cultura, mas como ter só um? Decidimos pelos dois. Então, eu não
poderia trabalhar, não seria legítimo trabalhar a diversidade só com o Ponto de
Cultura. Ou pomerano ou quilombola. A princípio a solução seria escolher os quilombolas,
que foram os mais excluídos e deslegitimados ao longo da história. Então, para
criar um equilíbrio, teria que só fortalecer o quilombola. Mas aí não estaríamos
trabalhando diversidade. Por outro lado, se trabalhasse um Ponto de Cultura só
com os pomeranos também não. Até porque se diria “ah, mas eles tÊm uma tradição
musical germanófila, grande”. O fato é que eles expressam uma tradição da imigração,
de grupos culturais e tudo mais e é uma raiz legítima do povo brasileiro, assim
como as demais. Mas também não seria diversidade. Era necessário ter os dois.
Quando a optamos pelos dois, em pouco tempo o que foi possível construir por
lá? Um coral afro-pomerano. Não incentivado pelo governo, mas sabendo que isso
possibilitaria a promoção do encontro. Quando surge o coral afro-pomerano, eles
se descobrem de uma outra forma e aí a diversidade se realiza em toda sua
potência, porque sintetiza uma outra coisa. Eles se descobrem, inclusive, no
caso dos pomeranos, como descendentes de escravizados – pomeranos são eslavos
germanizados, e eslavo é a matriz etimológica para escravo. Essas populações
germanizadas, nunca foram plenamente tratadas enquanto germânicas, eram usadas
como infantaria, inclusive na Segunda Guerra, e para morrer mesmo, como bucha
de canhão sob o racismo da ideologia nazista, e mesmo antes. Então, apesar de
estarem ali dentro daquela ideologia alemã (atualmente há poucos Pomeranos na Alemanha,
inclusive o idioma pomerano é mais falado aqui no Brasil do que na Alemanha)
com pensamento conservador-idealizado, eles tinham essa falsa consciência de se
sentirem na identidade com o germânico. No encontro com os quilombolas e pela aceleração
de processo de diversidade promovida pela Cultura Viva, eles se descobrem muito
mais próximos com os quilombolas. Não sei como está hoje. Creio que com todos
os desmontes que o Ministério da Cultura promoveu ao longo dos últimos 15 anos,
talvez, não sei se tenha prosperado, mas foi uma experiência que sintetiza
muito esse sentido de diversidade como estimuladora do encontro, contida no
conceito, na ideia de ponto de cultura.
P1 – Vou pegar uma carona nesse debate, Célio, um pouco para a gente
problematizar exatamente isso. Acho que você discorreu bastante bem das
especificidades do debate de diversidade que a PNCV, que a Cultura Viva estava
circunscrita lá no começo dos anos 2000, etc. Que hoje a gente está caminhando
para outros acionamentos, em alguma medida, até o questionamento do conceito de
diversidade em si. Tudo isso virou uma
marca dessa Conferência que acabou de acontecer. Essa ênfase na negação,
digamos assim, do termo da diversidade. Por outro lado, a gente pode, em alguma
medida, fazer um paralelo que a expansão do conceito é também fruto desse
exercício de alteridade, tanto do movimento do cultura viva comunitária, dos
agentes da sociedade civil, quanto até dos movimentos do próprio Iber, digamos
assim, dos Estados fazendo essa movimentação de diplomacia cultural etc. Como é
que você enxerga isso assim, esse pano de fundo que vai trazer consequências
para o próprio futuro do debate sobre o que é, o que dá conta desse guarda
chuva amplo da cultura viva?
E – A
expansão da Cultura Viva se deu por uma ação comunitária a partir de indivíduos
e coletivos comunitários. E daí ela chegou nos governos (é por isso que ela…
conversando rápido com Canclini, ele concordou que caberia, sim, ter esse sexto
modelo da expansão comunitária). Ela não se deu por um arranjo entre Estados
primeiro, ou da academia, ou redes “de cima”, ela germinou do comunitário e
chegou nos Estados. Mais explicitamente quando na expansão pela América Latina.
O exemplo da Argentina, que foi o primeiro país a abraçar formalmente a Cultura
Viva. Eu já tinha saído do Ministério, era ainda em 2010. Eu fui para lá a
convite de grupos comunitários, houve uma marcha na Praça de Mayo, umas 500
pessoas até a Casa Rosada, com os movimentos comunitários pela Cultura Viva, junto
com eles eu realizei várias reuniões com deputados e senadores da Argentina. Foi
assim que se construiu o processo, também com a Secretaria de Cultura, que é o
equivalente ao Ministério, sempre acompanhado dessas lideranças locais. Quero
citar porque são para mim, são muito relevantes. Eduardo Balan, Inês
Sanguinetti, Emília de la Iglesia, Silvia Bove, enfim. No início os dois primeiros,
que tiveram um papel muito determinante. Foram a Inês, que era uma bailarina,
de elite da sociedade argentina, e o Balan, um militante comunitário de
esquerda peronista da grande Buenos Aires. Por aí a gente foi. Ao fazer esse
movimento, essas pessoas foram ganhando legitimidade no seu país. Depois foi
assinado o primeiro convênio de acordo entre Estados, por proposta da
Secretaria da Presidência da Cultura da Argentina, com o Ministério da Cultura
[do Brasil], isso foi em 2011, ele foi assinado em julho de 2011. Percebam, foi
uma construção de baixo para cima.
No
mesmo ano, em agosto, foi aprovada a primeira Lei da Cultura Viva, antes do
Brasil, que foi em Medellín. Também estive lá, foi a partir da iniciativa dos
movimentos comunitários. Fui para encontro com prefeito, secretários, palestra
na Câmara dos Vereadores, intelectuais e coletivos culturais... Depois foi em
Lima, em 2012, foi uma vereadora de lá, a Lula Martinez que tomou a dianteira,
ela veio a São Paulo para conversar comigo -
também por estímulo do pessoal de movimentos comunitários de lá- nos
encontramos e ela levou de volta uma proposta de lei, a Lei Cultura Viva em
Lima. E daí depois começou a pipocar em um monte de lugares pela América Latina.
Bem antes da lei brasileira, que é de 2014.
Mesmo
o movimento IberCultura Viva, ele foi resultado desse processo “de baixo para
cima”. Esse já foi um pouco mais construído, mas tem o componente de “abaixo”.
Em 2009 nós organizamos em São Paulo, aí eu como secretário da Cidadania
Cultural, o segundo Congresso Ibero-americano da Cultura. O primeiro foi no
México e estive lá para propor que o segundo congresso fosse no Brasil. No
México apresentei a proposta de forma mais organizada para os presentes, coletivos,
intelectuais e gestores, e governos, a ideia da Cultura Viva e dos Pontos de
Cultura – são congressos da SEGIB - Secretaria dos Estados Gerais
Ibero-americanos. O tema escolhido para o congresso em São Paulo foi Cultura e
Transformação Social. Fizemos um catálogo bem bacana, em português e espanhol. Desse
processo iniciado em 2009 resultou a criação do IberCultura Viva no Congresso da
SEGIB (Ibercultura) de 2013, em São José, na Costa Rica. A proposta foi do
Manuel Beregond, que era ministro da cultura da Costa Rica e músico, ele que
propôs dar o nome de IberCultura Viva. Inicialmente, o único voto contrário a
esse nome, por incrível que pareça, foi do Brasil, mas aí ficou meio
constrangedor e houve outros ministros falando que eles estavam dando esse nome
em homenagem à experiência brasileira, e assim se definiu o nome IberCultura
Viva para o programa - eu acompanhei de fora porque não estava em governo, mas
conversando com ministros de vários países. Para chegar nesse momento, em
paralelo ao Congresso da SEGIB, realizamos outro encontro em San José, com mais
de 500 pessoas de toda América Latina, de Pontos de Cultura que já começavam a
pipocar pelo continente, ao final perto de 1000 pessoas, porque vieram muitos
de coletivos da Costa Rica. Assim, nós fizemos a mobilização, com um grande
cortejo pelas ruas de San José e o ministro Manuel com o seu acordeón, foi um
momento bonito. Naquele estágio, em 2013, eu já tinha percorrido toda a América
Latina e todos esses lugares. Já tinha estado com o ministro da Cultura na
Costa Rica, criando relações próximas, de respeito e amizade, de movimentos
comunitários e ministros de Estado e intelectuais e políticos. Também no
México, El Salvador, Colômbia...
A
Colômbia sempre foi um pouco particular, pelas condições do país, a Cultura
Viva é muito abraçada por lá, mas não pelo governo central, que, até o governo
de Petro, eram de direita. Foi muito particular, trilhamos pelas cidades, Bogotá,
em Cali, Medellín. As prefeituras são muito fortes, inclusive no governo do
Gustavo Petro, quando ele introduziu o programa Cultura Viva na Prefeitura de
Bogotá, onde ele foi prefeito. Era pelas prefeituras, não pelo governo central.
Quando chegou no congresso da SEGIB na Costa Rica, estava um processo já
construído. Notem que sempre foi uma construção comunitária, em todos os
lugares, com agentes locais.
Dou
exemplo: na Bolívia. Eu fui na Bolívia, a primeira vez em 2012, perdi a conta
de quantas vezes estive lá. Fui a convite do Ivan Nogales, uma pessoa muito
importante para a cultura viva, querido amigo. Ele que organizou o primeiro
Congresso Latino-americano da Cultura Viva em La Paz com 1300 pessoas, de 17
países. Fiquei hospedado na casa dele, que é também um centro cultural
maravilhoso em El Alto, são cinco andares, que tem espaço de teatro, um monte
de coisas, todo construído com sucata e materiais de demolição…. Ivan é um criador,
era, porque já faleceu. E mais, era assim, um agente comunitário de teatro
muito bom, talentoso, pensador, agitador, escritor, tudo. Mas que não era
considerado no país, ao menos pelos agentes de Estado. Quando eu vou para lá, já
havia passado dois anos da minha saída do governo, mesmo assim eu fui tratado
como um “pop rock”, a embaixada brasileira deixou um diplomata para me
acompanhar, fiz um tour pela Bolívia,
de três semanas, fui nas principais cidades, pueblos, com voo da
vice-presidência, foi a vice-presidência, que assumiu a minha viagem, também
editaram meu livro na Bolívia, com capa bem bonita, e ofereci ao Ivan para
escrever o prefácio. Quando acabou tudo isso, o Ivan Nogales, era um líder
comunitário reconhecido e respeitado pelas autoridades públicas do país, pelo
pessoal dos governos. Ele já sai como uma liderança, como um porta voz, a ponto
de ter a capacidade de, no ano seguinte, organizar o Congresso
Latino-americano, lá na Bolívia, com poucos recursos. Quando eu digo que
organizamos um congresso latino-americano com 1.300 pessoas de 17 países, com
orçamento total de US$ 35 mil (afora o deslocamento das pessoas), poucos
acreditam, mas foi isso mesmo, eu próprio tive que completar US$ 2.000 do
bolso. E a coisa foi feita, maravilhosa. Foi assim em todos os lugares (em El
Salvador com orçamento maior, US$ 100 mil, do governo de lá). Foi desse jeito
que virou. Percebam, não dá para dizer que a expansão do Cultura Viva foi uma
ação de governos, houve proximidade, apoios, mas sobretudo, é resultado da
potência da articulação comunitária e popular dos Pontos de Cultura. Veio dos
comunitários exclusivamente? Também não diria, foi uma pressão, em alguns
lugares com mais um pouco de pressão. Na Guatemala, nós fizemos uma comparsa (passeata
festiva) com 1000 pessoas na Cidade da Guatemala, em 2011. Uma coisa linda, do comunitário,
de um jeito que ia estabelecendo processos de diálogo e os governos centrais ou
regionais e municipais, os parlamentos, variando um pouco, foram encampando até
virar um programa intergovernamental, que é esse da Secretaria Geral dos
Estados Ibero-americanos.
P1 – Nos permita também fazer uma provocação, assim… em alguma medida
eu entendo quando você está ponderando essa dimensão do de baixo pra cima, do
agendamento comunitário etc. Mas em alguma medida, isso apaga, entre muitas
aspas, a sua dimensão no processo. Porque nesse percurso a gente pode dizer
talvez assim, fazendo uma analogia, que você fez um esforço, quase de
diplomacia cultural. Ainda que você não tivesse mais no Estado brasileiro, você
representava o Estado brasileiro. Você era a personificação da principal
política, de que os grupos comunitários estavam ali na pressão para os seus
governos executarem ações da mesma direção etc. Então, de alguma forma tem, é
sim essa pressão de baixo pra cima, mas que talvez ela não alcançaria esse
lugar se você não tivesse nesse fator diplomático, digamos assim, fazendo uma
espécie de mediação de processo. Negociando uma espécie de um agendamento
político e ir fazendo uma forma de representação. O que você acha?
E – Você
tem razão. É que, pela minha personalidade, meu jeito de ser, fico meio assim,
me desprendendo de muita coisa. Mas você tem razão. Eu diria, se você me
permite, foi o mesmo que talvez eu tenha levado discursivamente no Brasil,
mesmo dos Pontos de Cultura daqui, levando-os a acreditarem que foi totalmente
“de baixo para cima” (às vezes eu reflito sobre isso) ... eu falava tanto que: “ o Ponto de Cultura já
existia, ele só foi potencializado. Esse movimento foi de baixo pra cima”. Eu
acreditei tanto nisso, que talvez eu tenha criado um certo mito, um mito de que
tudo foi de baixo para cima. Mas não foi, não dá para dizer que foi espontâneo.
O Estado teve um papel e eu tive um papel. Mas eu tenho dificuldade em me
colocar dessa forma, é da minha personalidade meio autista. Quem me conhece
sabe que que sou muito tímido, tenho hiperfoco e não consigo “jogar conversa
fora”, não consigo ficar nas rodas, menos ainda nas de poder, não gosto desse
tipo de conversa, há assuntos que não me despertam interesse e nutro um quase
desprezo por eles, detesto patota, grupos de interesse, solenidades de poder,
prefiro ficar à parte, só observando. Isso tem vantagens, mas também me traz
muitos problemas. De fato, se não tivesse havido o Célio Turino, conceituado Cultura
Viva e Ponto de Cultura, suas ações. Houve, e há, muita leitura, teoria,
conceitos profundos, conexões filosóficas e muito trabalho para chegar à
Cultura Viva. Houve muito planejamento e execução (e escrevi tudo em duas
noites, em um quarto de hotel em Brasília, antes mesmo de minha nomeação sair
no diário oficial). Foram condições determinadas, ali no Ministério da Cultura,
naquela composição específica, com Gilberto Gil ministro e Juca Ferreira tendo
me selecionado para trabalhar como secretário e dando o apoio inicial, sem
essas condições o Cultura Viva e os Pontos de Cultura não teriam acontecido. As
ações culturais nas comunidades já aconteciam, só que não eram vistas por
aqueles no poder, esse foi um dos méritos do Cultura Viva, mas não só.
Na
verdade, Ponto de Cultura é uma qualidade diferente da ação
cultural-comunitária dispersa, ele é resultado da potencialização daquilo que
as comunidades fazem, mas que ganha outro patamar quando se transforma em Ponto
de Cultura e se articula em rede, ele passa a ser uma outra coisa e isso só foi
possível pelo conceito, pela filosofia, e isso teve que ser formulado e
executado, e não foi pelo movimento em si. Sabe aquele verso do Gil? “O povo
sabe o quer / mas também quer o que não sabe”, Ponto de Cultura é isso. Na
América Latina, eu concordo, houve uma demanda originária mais “de baixo para
cima”, mas no Brasil foi preciso surgir primeiro a proposta que veio de mim e
encampada pelo Estado, para depois as comunidades quererem e assumirem.
Desculpem a sinceridade e ao mesmo tempo, obrigado pela oportunidade em poder
dizê-lo pela primeira vez. Na América Latina também seria isso. Mas eu já
estava mais experiente, então eu fiz de forma deliberada sim, a fortalecer
essas lideranças comunitárias, como no exemplo do Ivan, que é uma grande
liderança, excepcional, tenho muito carinho por ele e da mesma forma que ele
prefaciou a edição boliviana de um livro meu eu fiz o prefácio de um livro
dele, Descolonização do Corpo, tanto
na edição original como na brasileira. Estabelecemos uma relação de irmandade
de almas, fomos na trilha de Che Guevara e tal, muitas histórias que contarei
um dia. Sabe que discutimos sobre isso, inclusive, também sobre o significado
simbólico da Cultura Viva, nossa intenção era, depois de cobrir toda a América
Latina, chegar com um congresso da Cultura Viva nos Estados Unidos. Quem
sabe... Trocamos muitas ideias sobre esse simbolismo. Nós não fomos atoa na
trilha do Che Guevara. Dissemos: “Vamos fazer um movimento revolucionário de
uma guerrilha, de uma outra forma”. E fizemos isso, pela forma cultura, mas sem
perder o sentido de radicalidade.
Em
cada lugar que eu ia, busquei fortalecer e identificar esses pontos de potência
entre os pontos, aquelas pessoas que tinham realmente algo muito, muito
especial para oferecer, e fortalecê-las, dar destaque. No México fiz isso, em
El Salvador, o Júlio Monje e a mulher dele, Irma ex-guerrilheira, no meu livro,
“Por todos os caminhos – Pontos de Cultura na América Latina”, editado pelo
SESC, a história dela dá um filme, eu vou contando a história dessas pessoas, e
articulando com a história dos países e dos movimentos comunitários de cultura..
Em
cada lugar… na Guatemala. Na Guatemala, um pessoal, um casal que tocou a caixa
lúdica, a Caja Lúdica, eles nem da
Guatemala são, são originários da Colômbia e foram viver lá, agora voltaram às
montanhas da Colômbia para o merecido descanso. Conto a história deles, primeiro
foram para a Nicarágua, se desencantaram, e assim chegaram na Guatemala. E
foram, chegaram, fizeram… Valorizo essas histórias de forma deliberada, porque
eu entendo que aqui tem uma combinação entre o filosófico, conceitual, que é
muito de vanguarda que se apresenta no Cultura Viva e o do “sentir pensar”, que
é o da sensação, da emoção. Sem pessoas como essas a cultura viva não existe,
“pessoas extraordinárias”, como no livro de Hobsbawm. Eu procurei praticar
isso.
Passado
o tempo as pessoas imaginam que que alguém “foi lá, levou a ideia da Cultura Viva,
foi no congresso acadêmico, uma reunião governamental. Aí foi jantar com as
autoridades e nisso a Cultura Viva surgiu”, pelo convencimento da cúpula. Não
foi assim. Eu ia nos lugares das autoridades e nas favelas, nas aldeias (é onde
mais gosto de ir, ver e ouvir). Sabe o que é subir morro em Cusco? Cusco está a
3600 metros. Eu subi morro porque soube que havia um grupo de jovens que
praticava capoeira, de jovens indígenas quéchua e aymará. Essa era a expressão
cultural que eles adotaram: capoeira, que aprenderam de alguém que passou por
lá. Aí eu fui lá conhecer, escrever sobre eles, conversar sobre eles, entender.
Para mim, que tenho bronquite, não é fácil. Fui a San Antonio de los Cobres,
4000 metros de altitude, na La Puna, Argentina. Uma coisa difícil em
lugar desolado. Era a cidade com maior índice de suicídio de jovens na
Argentina em relação à população. Eles se atiravam de uma ponte, a ponte das
nuvens. Então eu fui lá, uma agente argentina que foi conosco, ela desmaiou.
Por que? Pela altitude. E fui, mesmo com asma. E fotografamos, conversamos e vi
filme junto com os jovens, trocamos e-mail; até poucos anos atrás trocava
correspondência com as meninas e conversava... Isso foi criando uma rede de
afeto muito profunda. Isso deu liga. Digo que desconheço outra política pública
que tenha se consolidado assim. E as pessoas vem, se juntam e se reúnem e fazem.
Então, quem quiser entender a razão do transbordamento da filosofia e conceitos
da Cultura Viva por outros países tem que compreender esse processo, até na
Indonésia eu levei as ideias da Cultura Viva e que agora estão lá, assim como
na Europa.
P1 – Você falou um pouco desse movimento internacional, e que você se
preocupou muito nesse olhar para as lideranças e esse trabalho que é quase
antropológico etc., que guarda muita semelhança com o que você fez quando você
era gestor, fazia a mesma coisa. Você ia no Ponto pra conhecer, etc. O que você
acha que tem/teve de diferente em relação ao contexto brasileiro? Foi o fator
governamental? Foi a perda de espaço na agenda?
O que você acha que é diferente?
E – No
Brasil foi meio natural, não foi muito pensado, pelo meu jeito de ser; na
América Latina, foi pensado, eu fiz sabendo o que estava fazendo. Eu chegava no
lugar já querendo identificar onde que eu ia jogar luz ali, emprestar assim,
digamos, o meu prestígio. Dois anos atrás, fui no Chile, aí a Irina, esposa do
Boric, pede um jantar comigo, emocionada, leu tudo que eu escrevi. Ela é
antropóloga, a primeira dama do país. A partir desses encontros eu me preocupo
em repassar, digamos assim, o meu prestígio, para agentes locais. Em alguns
lugares, diminui um pouquinho, mas em outros continua tendo de uma forma bem
grande. No Brasil, eu não estando envolvido há 15 anos, vou nos lugares que me
chamam e os que mais me alegram são os mais periféricos e esquecidos. No fundo
isso faz parte do conceito e da filosofia, a prática desse sentirpensaragir. Ao menos
é algo que me fez bem.
P2 – Há também aqueles que acham que o Cultura Viva foi o estopim da
participação, tanto nacionalmente, quanto na própria base comunitária, ou seja,
os próprios territórios mais do que qualquer processo de conferências, qualquer
outra coisa que tenha sido o Cultura Viva, meio que Na Trilha de Macunaíma,
meio que o construtor de uma identidade participativa. Eu acho que vai um pouco
nessa perspectiva. Então eu queria ver se você também acha. E em sendo assim, o
que a gente pode esperar desse movimento participativo enquanto resistência aos
processos de desmonte ou de retrocesso, como com Milei na Argentina, quanto na
própria paralisação que teve no Brasil. Pelo menos até o final do governo
Bolsonaro. Se há outros movimentos na América Latina também de desmanche? Como
é que você vê isso e até que ponto esse estopim é suficiente ou não é
suficiente, uma coisa mais demorada, para fazer frente a esses desmanches
todos, se é que você reconhece o Cultura Viva como esse estopim da participação
efetivamente?
E – Eu
reconheço, e acho bom você relembrar o Na
Trilha de Macunaíma, que é o meu mestrado e o meu livro que foi lançado
quando eu estava no ministério, inclusive eu não trabalhei muito a divulgação dele.
Eu terminei o livro em 31 de dezembro de 2003, eu a secretaria no ministério da
cultura em 31 de maio de 2004. Estava tudo muito fresco. Eu me identifiquei
muito com Mário de Andrade. Mentalmente converso com ele até hoje, e o sigo,
imagino as soluções que ele encontraria se em minha posição. Quando criamos o estúdio
multimídia, foram três inspirações, três fatores, dois foram inspirações muito
explícitas de minha parte, no primeiro vídeo que gravei dando depoimento sobre
a Cultura Viva, que está no youtube, eu digo. Teve a missão Folclórica de Mário
de Andrade, que era um olhar de fora e Mário, como diretor de cultura em SP,
financiou para fazer o registro da cultura popular. Agora, com a tecnologia, eu
teria condição de realizar a mesma missão folclórica Mário de Andrade pelo
olhar de dentro, pelos Pontos. Outra inspiração foi o Sérgio Buarque de
Holanda, por quem eu tenho uma profunda admiração… desde os 11 anos de idade, tive
a felicidade de ter por livro didático um livro escrito por ele, imagine, em
escola pública, desde então li tudo. Sérgio Buarque falava que a grande
frustração dele foi não conseguir escrever uma história do Brasil de baixo para
cima - é uma entrevista dele. Então, eu fiquei com isso na cabeça, quando eu
uso o subtítulo do livro Ponto de Cultura - o Brasil de baixo para cima foi lembrando disso, como uma homenagem.
E o estúdio multimídia faz isso. A outra influência foi do pessoal da cultura
digital, o Cláudio Prado. Foi mais ou menos isso. Por isso é explícito estar “na
trilha de Macunaíma”. Às vezes eu até respondo: Quer entender como é que
cheguei na ideia do Ponto de Cultura? Leia esse livro que eu escrevi, que é o Na Trilha de Macunaíma. Você vai ver
que ali estão as pistas para isso.
Voltando
ao que a Deborah disse. Enquanto no Brasil foi um processo realizado de forma
construtivista, fenomenológica, na América Latina foi mais planejado. Eu sabia
bem onde queria chegar. Nas mais de 50 viagens que eu fiz, muito profundas,
indo para muitos lugares - era muita coisa- eu sabia exatamente o que eu queria
de mim. Era o que eu tinha que entregar para as pessoas, mesmo que as pessoas
que estavam me recebendo não compreendessem bem isso. Foi assim. E tinham ainda outros diálogos, isso permitiu
a criação de uma rede de intelectuais orgânicos pela América Latina.
P2 - Eu quero retomar uma coisa. Pensa comigo. Eu acho assim, quanto a questão
da participação e do Cultura Viva como sendo a potência de um devir, não
plenamente realizado nesse sentido. Só que uma participação, uma participação
não realizada efetivamente, ela não passa pela formalidade de conferências, de
conselhos, uma participação que nasce e se fortalece meio que na linha do
Sérgio Buarque de Holanda, ali como um “semeador” num mundo cada vez mais
“ladrilhador”, cada vez mais cartesiano. Essa possibilidade, a semente. Eu não
sei se foi essa figura que você trouxe do Raízes
do Brasil de Sérgio Buarque, mas eu gosto muito dessa tensão que ele faz
entre o ladrilhador e semeador.
E – É,
não está explícito. Mas eu acho que você tem razão. Eu acho que está muito
impregnado.
P2 – E na perspectiva, ser o semeador de protagonismos, de autonomias,
de uma dimensão político, público-político dos direitos sociais cada vez menos
exercidos na sua possibilidade, em sua plenitude, então eu vejo um pouco a
Cultura Viva como sendo um pouco a potência de intervir nessa perspectiva.
E –
Concordo com você e agradeço até por colocar. Interessante, inclusive, que o
Sérgio Buarque de Holanda, hoje ele é meio jogado assim, para um índex, mesmo
acadêmico. Eu vejo que ele tinha e tem uma contribuição extraordinária, insights muito preciosos para o Brasil. Depois
de sua pergunta vou começar a assumir mais essa influência do pensamento Sérgio
Buarque na construção de Cultura Viva. Sempre deixei muito explícito o Mário de
Andrade até pela minha identificação com ele. Mas do Sérgio eu não falei tanto,
e eu gosto demais do Visão do Paraíso.
Vocês pegaram bem, e é verdade, isso da semente e do semeador, está sempre
presente nos meus pensamentos, inclusive no título de minha tese é Viagem à Semente. Agora estou terminando
outro livro, um livrinho, curtinho, o título será Sementeira. Então tem, vem, vem mesmo do Sérgio Buarque.
P2 – Vou seguir aqui mais um pouco e voltar no IberCultura Viva um
pouquinho e ver uma coisa no movimento que surge a partir do Brasil.
Protagonismo importante. Como é que você vê na sequência desses dez anos do
Iber, se o Brasil tem conseguido protagonizar uma liderança ou não nesse
processo?
E – O
reconhecimento externo ao Brasil ele é muito grande, quanto à efetividade e formulação.
Note que é um paradoxo, porque na medida que o Cultura Viva expandia pelo mundo
ele era desmontado no Brasil, e isso a partir de 2011… aquele curso da CLACSO,
que teve já várias turmas de pós em cultura de base comunitária, não passou
tanto pelo Brasil. Foi em 2012, na Rio+20, que conversando com Ivan Nogales quando
ele chegou com a Caravana da Cultura Viva, que saiu de Copacabana, no Lago
Titicaca, foi até Copacabana na Rio+20, no Rio. Eles vieram em um caminhãozinho
desses bem antigos e também um microônibus, desses modelos de ônibus escolar norteamericano,
vieram umas 20 pessoas de diversos países. Tramamos quando da minha primeira
ida à Bolívia. Eu que organizei as paradas e foram recebidos nos Pontos, não
tinham dinheiro para pagar nem a gasolina do trecho seguinte. Era uma parada
que bancava a seguinte. Funcionou tudo tão bem que deu tudo certo e aí, na hora
de voltar, fizemos uma plenária com pontos de cultura na Rio+20 e lançamos a
proposta de um congresso latino-americano da Cultura Viva. Inicialmente
pensou-se no Brasil, mas eu não fui a favor. Sugeri: “Vamos ao coração da
América do Sul, Bolívia, que sempre fica à parte. Aí, na Bolívia, em 2013,
propuseram: “Ah, vamos fazer no Brasil. O Brasil tem mais recurso”. E aí o
pessoal de El Salvador pediu e falou: “nós sempre ficamos fora dos circuitos”, e
eu os apoiei. Como eu falava, era meio tranquilo, não é impositivo, mas o
pessoal concordava, assim na hora. Então o segundo congresso foi em El Salvador
e o congresso seguinte foi em Quito, alguns disseram “Ah, não vamos fazer em
Quito, não há muitos Pontos por lá, estão começando agora”; mas saiu muito bem.
Então..., com isso o Brasil perdeu esse protagonismo, apesar de partirem daqui
as grandes referências.
P2 – A escritura do seu livro “Por
todos os caminhos: Pontos de Cultura da América Latina”, de 2020. Você foi
escrevendo a partir das suas viagens, você fez isso em memória posterior? Conta
pra gente um pouquinho.
E – Foi
posterior. Esse foi a pedido do Papa. Ele… eu assinei um convênio com o Vaticano,
via o programa Scholas Occurrentes, assinei como pessoa física e o Papa abençou
o convênio. Foi assim. Me comprometi a escrever um livro mostrando as histórias
na América Latina. Nas diversas vezes que eu estive com o Papa Francisco, eu
falava das histórias, eu entreguei a versão argentina do Punto de Cultura – cultura viva em movimiento, eu ia contando as
histórias das comunidades na América Latina, aquelas que eu estava visitando,
aí ele: “por que você não faz um sobre a América Latina?” Por que o Papa ele se
interessou pelo Ponto de Cultura? porque tem uma proximidade muito grande com
um conceito desenvolvido por ele a “cultura do encontro” um conceito que é
dele, do Jorge Bergoglio. No livro “Por todos os caminhos” eu conto a história
do desenvolvimento do conceito da cultura do encontro, pelo então Bispo e
depois Arcebispo, Bergoglio. Então foi isso que fez com que ele se
interessasse, gostasse, enfim. Assessores dele procuraram quem havia
conceituado os Pontos de Cultura e me convidaram para dar uma palestra no
Vaticano, foi assim, aí ele me estimulou a escrever o livro. Numa das vezes que
eu fui lá, eu assinei o convênio de que ia fazer o livro, com esse
reconhecimento, consegui apoio de captação de recursos junto ao Instituto Olga
Kos e eles conseguiram o financiamento pela Lei Rouanet com o Bradesco. Vira e
mexe tem alguém que escreve para mim que foi numa agência do Bradesco e viu o
livrão lá. É um livro bonito, e, formato de livro de arte, saiu com 3.000
exemplares, em 4 idiomas. Ele foi lançado em Castel Gandolfo que não fica em
Roma, mas é território do Vaticano, como Palácio de Verão dos Papas, lá onde
passou aquele filme dos papas. Francisco transformou o castelo em um lugar de
encontros. Ele cedeu o espaço para eu lançar o livro lá. Foi em 2018. Foi muito
bom porque a Silvana, que é minha companheira, organizou as viagens para nova
escuta, em 11 países: todos os lugares
que eu retrato no livro, quase todos eu já conhecia, já tinha mais ou menos a
ideia da história e alguns foram de descoberta.
Mas
algumas foram descobertas nas viagens, como na Guatemala, que para mim foi um
choque, era do Obama, foi o governo dele que definiu (note, não foi no gov.
Trump). Fez com a Guatemala um país para expulsar imigrantes de toda América
Central, deixando-os reclusos em Centros do Imigrante, eufemismo para prisões.
Eles são capturados nos EUA e mandados pra Guatemala, que recebe um dinheiro para
isso. Ali tinha um ponto de cultura, que conheci na viagem, o Frida Kahlo - era com um casal de
artistas plásticos. Eu escrevi uma passagem bonita sobre eles. Eles fazem o
trabalho numa casa de migrantes exclusiva para crianças que eram presas lá nos
Estados Unidos, separadas dos pais e expulsas do país. E aí eu conto a história
de três crianças. Três irmãs foram presas no Texas, porque elas estavam fazendo
travessuras na rua. Os pais não estavam presentes e como não eram documentados,
e com origem em El Salvador, por isso não conseguiram resgatá-las. Daí o
governo norteamericano as deportou para ficarem numa prisão que é chamada Casa
do Migrante, em um país estranho. Sem parentes, sem ninguém. O único momento de
humanidade que elas tinham era o trabalho do ponto de cultura que ia lá. Um dia
decidiram pintar nuvens, mas não conseguiam ver o céu para pintar, as grades
não permitiam. Então, enfim... Essa foi uma história que eu descobri lá na
viagem, mas o grosso foi organizado previamente, já sabia onde eu queria ir e tal.
Ao todo foram 11 países, creio que em permanência, uns 60 dias, viajando por
meses, mas eu ia e voltava. O livro foi feito assim. Diferente do Ponto de Cultura; Ponto de Cultura, que eu escrevi de memória, e a quente, no meio das
viagens que eu fazia, entremeando com capítulos conceituais, que também há
nesse, quando aperfeiçoo e aprofundo conceitos. Era assim, eu ia para Araçuaí e
no aeroporto e avião, abria o laptop e escrevia, me inspirei na música Notícia
do Brasil, do Fernando Brant e Milton Nascimento, e dialoguei com ela. Outras
vezes eu fui escrevendo de memória em hotéis.
Esse
não, eu fiz planejado. Ele tem até outro nome. O livro que eu lancei em
Castelgandolfo e no Memorial da América Latina em SP, tem o título Cultura a unir os povos, que em nova
edição virou “Por todos os caminhos”,
pelo SESC. É que eu não queria confundir com a edição de arte, né. Então ficou
um livro bem bonito e eu fui com… foi a Silvana e o Mário, que é meu irmão, ele
é fotógrafo, grande fotógrafo… foi muito boa essa viagem, essas viagens…. ele
ia fotografando e fazendo os registros; nesse livro, tem mais fotos, são muitas,
fotos grandes, bonitas e muita gente, eu queria mostrar os rostos… Um pouco
dessa coisa de ir consolidando as lideranças. Foi assim. Esse livro serviu
também para isso, tem as fotos das pessoas. Eu conto a história da pessoa que
eu queria destacar, porque são histórias importantes, mas que sempre ficam
esquecidas pelas “grandes” narrativas.
P1 – Quando você estava na gestão, foram feitas muitas publicações
sobre a Cultura Viva. Você tinha muito esse diálogo com os pesquisadores, você
chegou a fazer um conselho consultivo etc. De encontro lá de Pirenópolis e tal.
Você tem esse acervo de tudo que você, que foi publicado na época, que pelo
menos você era gestor?
E – O que
foi publicado? Sim, as atas não. O material bruto não, mas o que saiu em
catálogo eu tenho, mas deve estar no ministério também guardado, tem não?
P1 – Não tem; isso que é assustador, não tem.
E - Isso
tudo estava lá, montei até um museu da Cultura Viva. Museu mesmo, convidei o
Benê Fonteles para a montagem. Na sede da secretaria tinha um espaço que era o
Museu de todo o acervo que eu recebia, presentes, prestações de contas, fotos...
[Célio
foi mostrando neste momento da entrevista algumas das publicações que tem em
casa] Esse aqui, esses foram os volumes que saíram da revista Raiz. Ela era
feita com recursos da secretaria e verba do PNUD. A exposição do Emanoel
Araújo… eu chamei Emanoel Araújo para ser curador de uma exposição no Museu
AfroBrasil. Fizemos boas viagens. Fomos juntos, a gente ia ali pelo Cariri… vejam
que bonito catálogo, esse outro é do Bené Fonteles: Não é erudito nem popular? Outra exposição, feita na Teia de
Brasília, no Museu da República. Procurava isso porque eu… sempre houve essa
preocupação com a estética. Fiquei muito preocupado no começo, de o programa
ficar muito nessa ideia de que ele era um programa social de cultura para a
periferia, que as crianças faziam, falando aqui com ironia, “um batuquezinho e
tal” e o povo de fora falando: “ai, que lindo, pelo menos não está na droga,
tirou a criança da droga”. Esse tipo de discurso eu abomino. Então sempre teve
essa preocupação estética. E de reflexão houve muita troca com artistas e intelectuais,
inclusive de fora do país. Contratei o Jorge Mauttner e o Nelson Jacobina para
percorrerem diversos Pontos de Cultura pelo Brasil. Paul Heritage, que é da
Universidade de Londres e viveu no Brasil, ele até lançou um livro meu na
Inglaterra. Tinha o casal, Maria Benitez e o Bernd Fisher, do Instituto
Vygotsky, ele alemão, ela era argentina.
Sempre houve essa preocupação. A gente criou um conselho internacional
na Teia de Fortaleza, pessoal convidado, vinha, enfim, essa foi uma preocupação
exatamente porque eu não via o programa como uma política pública, só como uma
política pública, de governo ou mesmo de Estado. Queria aprofundar no sentido
do conceito e filosofia, enfim, e nos encontros que têm por aí a fora, eu
também sigo tendo contato com muita gente. Povo de universidade…
P1 – Nesse processo de transbordamento de fronteira, ao que você atribui
um peso maior a esse movimento dos pontos de cultura no exterior? Esse
interesse acadêmico pelo tema, pela política? Os eventos como o Fórum Social
Mundial, por exemplo? - que teve uma ocupação dos Pontos de Cultura muito forte
nos fóruns e o debate sobre a política, enfim, a que que você atribui esse
movimento?
E – Acho
que foi o entrelaçamento no Fórum Social em Belém, em 2009, se tiver que pegar
o marco da expansão para fora, o momento seria aquele. E o encontro, o
Congresso da SEGIB de Cultura Latino-Americana em 2009 em SP. Esses dois, e tem
o terceiro marco, que foi a montagem do Quixote.
O Quixote, para mim, foi um
laboratório, assim, muito diferente. Na preparação para o Congresso do
IberCultura, em 2009, eu recebi uma proposta do Pombas Urbanas, querendo uma
montagem continental do Quixote, em
que cada país viria com um Quixote e um Sancho Pança, ao menos, e cada país apresentaria
uma cena. Esse espetáculo, ele foi feito para duas apresentações, apenas. Foi
no Sesc Pompéia, custou caro e me criticaram muito por estar bancando o financiamento
disso, fiz em parceria com o Sesc. Nós trouxemos 100 pessoas de grupos de teatro
em comunidade da América Latina toda, acho que foram 13 países, eles ficaram 15
dias no Ponto de Cultura Pombas Urbanas, na Cidade Tiradentes, preparando - o
diretor cubano, o dramaturgo colombiano - e montamos o espetáculo. Eu diria que
a expansão do Cultura Viva, não é que saiu daí só, mas aí deu a liga, porque
eram todos esses de grande referência, o Caixa Lúdica lá da Guatemala, TNT de
El Salvador, o Nossa Gente de Medellín. Todo esse povo passou lá... Aí é que
deu a amarração comunitária, foi na montagem do Quixote.
P1 – Então você fez um movimento. Dá para dizer que a gente tem um
movimento comunitário e que tem um movimento governamental e um movimento
externo…
E – E
intelectual e acadêmico. Teve isso e fizemos o seminário Pirenópolis, bem
diferente na metodologia. Na minha tese de doutorado eu usei muito desses
anais, tinha gente que eu nem lembrava ou conhecia direito, um antropólogo
italiano que fez uma percepção muito boa. Eu transcrevi parte dela na minha tese.
Eu não o conhecia, ele veio convidado pelo Máximo Canivate, que já morreu,
inclusive. Ele morava aqui no Brasil. Entenda que nunca fomos rígidos e
burocráticos, se a ideia era boa e viável, acolhíamos; que mal há em incluir
mais gente? Ele convidou esse antropólogo que estava no Brasil por outros
estudos e ele foi. Foi bom porque como antropólogo ele faz uma análise do que
estava vendo, não estava contaminado com nada, nem conhecia o programa. Como um
bom antropólogo ele analisou o encontro. Então, tinha essa, essa coisa né? Ah,
com o George Yúdice também. Tem muita gente aí que fomos criando uma teia com o
respaldo acadêmico, digamos, a busca pelo respaldo acadêmico, pelo comunitário,
pelo governamental, pelo artístico e sensível, pelas amizades.
Tentei
dar um passo para o o respaldo econômico alternativo, assegurando autonomia
financeira para os Pontos, via a Economia Viva. Inclusive fiz uma negociação
com o Pão de Açúcar [supermercado] para ter a gôndola do Cultura Viva. Eles
estavam com um projeto que era uma gôndola de projetos artesanais. Assim, eu
propus uma gôndola para vender produtos dos Pontos. E também com a Infraero, queria
fazer um quiosque do Cultura Viva nos aeroportos. Mas isso não vingou. Não
consegui. Se tivesse conseguido eu teria dado o salto na autonomia financeira
para os Pontos de Cultura, para além dos recursos governamentais. Pena.
Autonomia financeira é necessária, agora, com a ideia com o Instituto
Latinoamericano, a proposta do Instituto é que ele tenha um streaming Cultura
Viva com assinantes, que ele tenha uma agência de notícias e streaming para
lançamento de música. Enfim..., e mais umas coisinhas aí, que vamos tentar
criar para assegurar autonomia. Isso eu fui vendo pela situação agora da
Argentina, para sair, porque todos tem uma sazonalidade. Mesmo na Colômbia, que
já foi muito bom o financiamento, hoje não está tendo. Em Medellín, faz quatro
anos que a prefeitura não banca os pontos de cultura de lá. Tem que ter uma
alternativa própria.
P2 – Queria até te perguntar se o marco inicial da internacionalização
do Cultura Viva tinha sido 2008 no México, quando o programa é apresentado no
Congresso Ibero-americano ou antes. Você pegou como referência 2009 em diante.
Você acha que esse congresso foi só uma apresentação do programa, não teve uma
repercussão muito grande?
E – Não,
teve, tanto que eu fui com o objetivo de propor que o Brasil sediasse o
Congresso em função do Cultura Viva e foi aprovado assim. Tinha um problema que
na verdade eu percebi lá, como eixo do Congresso eu propus: “autonomia e
protagonismo sociocultural”. Ocorre que o pessoal do governo da Espanha… e outros,
tem um entendimento diferente de autonomia. As autonomias regionais, ali dos
povos da Catalunha, da Andaluzia, Galicia. Daí tiramos a palavra autonomia e
ficou “cultura e transformação social”. É. Além de 2009 teve esse marco de 2008,
no México. Ele foi um bom reconhecimento. Outro marco que teve também, não é
marco em evento, mas o espalhamento do conceito do programa, o catálogo do
Cultura Viva, que no início eu distribuía em word, impresso em sulfite. Esse
caderno que lança o Cultura Viva, conceitos, termos, planejamento. Tem todos os
conceitos iniciais, é aquele que eu escrevi, um pouquinho antes de assumir a
secretaria. Tudo: gestão compartilhada, os conceitos empoderamento,
protagonismo, autonomia. Estado Ampliado. Zona de Desenvolvimento Proximal do
Vygotsky. Tudo. Nós editamos em português, inglês e francês, eu tenho uns
poucos exemplares em casa, deve ter na secretaria, os primeiros Pontos recebiam
o caderno junto com o convênio assinado, não sei se todos leram, mas que foi,
foi. Em 2005 houve o Ano do Brasil na França, aí nós levamos lá, lembro de uma
professora da Paris X-Nanterre, Idelete, também a Candace Slater, de Berkley,
nos EUA, que ajudaram muito nas reflexões. Sempre houve a preocupação de não só
de expandir o programa, mas de expandir o conceito, a ideia.
P1 – Eu queria pegar um gancho, um pouco para a gente tentar amarrar
esse ciclo desse transbordamento de fronteira que é um pouco nosso objetivo do
papo de hoje. Pensando nesse movimento que você fez, você foi então para uma
outra corrente. Você foi para o movimento internacional. Assim, como é que é a
sua avaliação hoje em relação a essa apropriação e ressignificação do conceito
na América Latina? Pensando nessa ascensão conservadora, nessa outra percepção
do conceito de diversidade que, como a gente começou lá no início do nosso
papo, tem uma outra chave de acionamento bem distinta do começo dos anos 2000.
Enfim, como é que você vê até a continuidade desse conceito pra fora?
E – O
mundo está numa encruzilhada. Se não assumirmos de novo uma perspectiva
revolucionária, a gente vai entrar no processo de colapso de civilização muito
grande. Essa dimensão política que nunca foi escondida no Cultura Viva, agora
penso que deveria estar ainda mais explicitada, mais radicalizada (de ir à raiz
dos problemas), inclusive de buscar uma unidade estética e de movimento, não
uma uniformização, mas um movimento explicitamente revolucionário, na ética,
estética, economia, educação, engajamento. Isso que vai gerar encantamento.
Penso assim. Porém, ainda está tudo muito fragmentado. Precisamos criar uma estética
de superação desse mundo horrível, desse ambiente de enfrentamento e colapso,
ao menos que conseguisse conversar do México até a Patagônia. Quiçá do mundo.
Nessa mesma linha estética, artística, poética e política. Por isso que também
começo a explicitar mais o conceito de biopotência… O biopoder é aquela
disciplinarização dos corpos, a estruturação do Estado, dominando, não é? Ele está
resultando na necropolítica e a alternativa a isso é a potência da vida. Eu
penso que os Pontos de Cultura ou os movimentos que se chamarem da forma que
quiserem, deveriam assumir isso com mais, com mais força. Do contrário vão
sucumbir. O pessoal ainda fica muito numa relação de dependência, não me refiro
aos recursos que devem ser transferidos do Estado e que são muito necessários, mas
à relação de subordinação.
Hoje
em dia meu pensamento radicalizou. Assumo isso. Vai na fusão de Cultura Viva
com Bem Viver, daí com o zapatismo e as autonomias, as experiências no
Curdistão, com movimentos feministas revolucionários, federalismo comunitário.
Não que prescinda do Estado, ao contrário, mas tem que ser um Estado de Novo
Tipo, e para já! Tudo isso tem uma lógica, tem uma estética, tem uma conversa.
Na minha cabeça, eu penso assim...
[1] Célio
Turino. Doutor em Humanidades pelo programa Diversitas, Universidade de São
Paulo (FFLCH-USP). Integrante do Instituto Casa Comum, São Paulo, Brasil. E-mail: celioturino65@gmail.com - https://orcid.org/0009-0000-5349-6474
[2] Deborah Rebello Lima. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora do Departamento de Artes da Universidade
Federal do Paraná, Brasil. E-mail: deborahrebello@ufpr.br - https://orcid.org/0000-0002-4598-5347
[3] Luiz Augusto Fernandes Rodrigues. Doutor em História pela Universidade Federal
Fluminense (UFF). Professor Titular do Departamento de Arte da UFF e
coordenador do Laboratório de Ações Culturais - LABAC-UFF. E-mail:
luizaugustorodrigues@id.uff.br - https://orcid.org/0000-0003-0583-9641
[4] Algumas referências serão complementadas entre colchetes ou
explicitadas em notas de rodapé, com a indicação NE: (nota do editor).
[5] NE: FMLN - Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional -
partido político socialista de El Salvador.
[6] NE: Daniel Noboa, atual Presidente do Equador desde 2023.
Foi membro da Assembleia Nacional entre 2021 e 2023; nascido em Miami em 1987.
[7] NE: Na gíria norte-americana, ser ou estar woke pode
indicar com quais posturas políticas você mais se identifica. O uso de woke
surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria dizer
"estar alerta para a injustiça racial".
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