A abertura do Fórum Social Mundial na Tunísia
Enviado por luisnassif, qui, 28/03/2013 - 11:31 Por MiriamLDa Carta Maior
Uma constelação de movimentos
sociais, organizações, sindicatos e grupos compuseram a marcha de
abertura e comporão todo o Fórum Social Mundial da Tunísia. Em termos
temáticos, questões como a das mulheres e palestina estiveram fortemente
presentes.
Maurício Hashizume
Túnis –
Em meio à conhecida diversidade e engajamento que sempre marcaram as
marchas de abertura dos Fóruns Sociais Mundiais, a que reuniu mais uma
vez dezenas de milhares de pessoas nesta terça-feira (26) contou
particularmente com a presença maciça dos jovens do país. Com gritos,
faixas, canções e muita empolgação, seguidos grupos formados pela
juventude – que, não por acaso, tem sido uma dos principais
protagonistas da chamada Primavera Árabe – que percorreu as ruas da
capital da Tunísia.
Um
deles era o residente médico Handi Gzara, de 25 anos. “Estamos muito
orgulhosos com a realização deste Fórum no nosso país. É um grande
encontro que certamente nos ajudará muito nas nossas lutas internas”,
afirmou. “Estamos recebendo a solidariedade dos demais movimentos que
aqui estão. Trata-se de um sinal de união para o mundo”.
Outra
participante da marcha que não escondia o entusiasmo com a realização
do FSM na Tunísia era a jornalista Chadwa Chadha, que escreve matérias
para uma agência de notícias online do país. Ela denuncia a ocorrência
de casos de violência contra colegas de imprensa e perseguição política
de artistas, em vários países do Norte da África, que contestam o status
quo. E define-se como defensora dos direitos humanos, das mulheres e
das crianças. “Há muito desemprego. O ditador Ben Ali foi destituído,
mas muitos que estavam antes continuam em seus postos dentro do
governo”.
Formado
em psiquiatria e amigo de Handi, o jovem Walid Bel Haj Salah também
esteve presente na marcha e frisou que a realização do FSM em Tunis se
tornou possível a partir das rebeliões das quais participaram. Para ele,
a forte presença da juventude no encontro internacional pode ser
explicada pela esperança que os move para a construção de um futuro
diferente, que não esteja confinado “em uma forma única e dogmática de
se pensar”. Diante de um clima de frustração que se seguiu à euforia da
emergência da Primavera Árabe, o Fórum, prossegue ele, pode ajudar a
militância tunisiana a “recobrar o ânimo”.
Nos
discursos que se ouviram no Estádio Menzah, ponto de chegada da marcha
que partiu da Praça 14 de Janeiro de 2011, representantes do comitê
local de organização do FSM destacaram que um intenso trabalho vem sendo
desenvolvido por organizações da sociedade civil junto a jovens e
desempregados desde 2002, quando a indústria têxtil nacional relegou ao
desemprego um enorme número de trabalhadoras e trabalhadores.
Por
diversas vezes foi citado o nome de Chokri Belaid, líder tunisiano da
oposição de esquerda que mantinha uma forte ligação com a juventude e
foi assassinado no inicio do mês passado. Também não foi olvidado o
ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também falecido recentemente.
“Quando o Fórum Social Mundial surgiu, em 2001”, observou um deles,
“ninguém poderia imaginar que a sua 12ª edição pudesse ser realizada na
Tunísia”.
Durante
o percurso da marcha, também se viram algumas pichações de crítica
(“Fórum Social do Capital”) ao FSM, assinadas por grupos anarquistas que
estão organizando, assim como já havia ocorrido em Mumbai (2004),
atividades paralelas de contestação ao processo que propugna “outro
mundo possível”.
Aberturas e uniões
Uma constelação de movimentos sociais, organizações, sindicatos e
grupos compuseram a marcha. Em termos temáticos, questões como a das
mulheres (veja reportagem sobre a Assembleia das Mulheres)
e palestina estiveram fortemente presentes. ”Simbolicamente, é muito
importante que o Fórum esteja sendo realizado aqui em Tunis. Encontramos
aqui as portas abertas quando deixamos o Líbano, em 1982”, coloca
Faisal Malak, do Movimento Fateh. “Queremos reforçar durante as
discussões que a causa palestina é uma questão social, e não
exclusivamente política”.
Além da participação intensa de variados coletivos da África e do
Oriente Médio, associações e participantes vindos da Europa também
compareceram em peso. O intérprete Jesus de Manoel, que vive em Granada,
na Espanha, demonstrava satisfação em “poder participar da construção
de um mundo mais justo”. Presente em duas edições do FSM (2003 e 2005)
em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ele vê a Primavera Árabe como um
processo em curso que - assim como nos casos de outras mobilizações
sociais como os Indignados (15M) e o movimento Occupy – deve priorizar a
aproximação entre forças progressistas. “A unidade política permitiu
que experiências concretas de caminhos que não seguem o receituário
neoliberal fossem possíveis na América Latina”.
Professor da Universidade Central de Venezuela e experimentado
conhecedor do processo do FSM, o sociólogo venezuelano Edgardo Lander
adverte exatamente sobre os possíveis estragos que podem ser causados
por sectarismos na esquerda latino-americana. “É preciso que reflitamos
sobre isso. O custo de que organizações se fechem em si mesmas é
altíssimo”.
Edgardo considera muito importante que o Fórum esteja sendo realizado
na Tunísia, pois experiências passadas têm mostrado que o encontro
internacional pode deixar “um sopro de agitação e ânimo por onde passa” –
como é o caso do Syryza, partido grego de esquerda que ganhou espaço na
disputa político-partidária que tem a sua formação associada à abertura
advinda de desdobramentos do Fórum Social Europeu.
Para o indiano Vijay Pratap, da organização Diálogos Sul-Asiáticos
sobre Democracia Ecológica (SADED), o FSM na Tunísia tem tudo para
aportar uma nova carga de energia ao processo. O espaço para a discussão
do aspecto multidimensional das lutas sociais é, no entendimento do
ativista, uma das maiores contribuições do encontro. “O Fórum Social
Mundial de 2004 em Mumbai, na Índia, foi muito importante. Para 2014,
existe a disposição de propormos a realização de um Fórum Social
Temático novamente em nosso país, quem sabe sobre o próprio tema da
democracia”.
Abertura do Fórum Social Mundial tem show de Gilberto Gil
Publicado em 27/03/2013, 15:21
Última atualização às 15:21
Flávio Aguiar, correspondente internacional, acompanha o
Fórum Mundial Social, que ocorre este ano entre os dias 26 e 30 de março
na capital da Tunísia. A abertura contou com show de Gilberto Gil.
Segundo Flávio, a participação das mulheres é intensa. "Elas fazem
discurso político e somaram na marcha de abertura. Um dos principais
temas do Fórum é justamente a luta das mulheres", aponta.
Reportagem em Áudio AQUI
Mulheres dão a nota e as tintas no Fórum Social Mundial, na Tunísia
Movimentos feministas estão tecendo uma rede pan-africana e,
com ela, estão ponto o continente em contato com o mundo
Por: Flávio Aguiar, especial para a RBA
Publicado em 27/03/2013, 16:36
Última atualização às 16:36
Túnis – Ela mostra apenas os olhos – aliás, lindos – com o restante
do corpo completamente coberto pela Niqab – ou burka, como a chamamos
nós genericamente. Defende com bravura seu uso, dizendo que é sua
escolha, e que tem o direito de usá-la na universidade. Estuda
Engenharia, deve andar na casa dos vinte e poucos, no máximo. Diz que é
constrangida por professores que se recusam a recebê-la, alegando “um
problema de comunicação”. Afirma ainda que não é constrangida por
ninguém, nem quer constranger outras pessoas. É apoiada por um estudante
a seu lado, numa das tantas mesas de que dispõem os participantes do
Fórum Social Mundial, décima segunda edição, em Túnis, capital da
Tunísia.
O assunto, é claro, provoca controvérsia. É livre ou não é livre? Seu uso (da Niqab) penaliza ou não as mulheres? Afinal, penso eu, em minha vida de professor nunca pedi que freira nenhuma deixasse minha aula, nem faria isso. E agora, José? Mas, lembra minha esposa Zinka, o que pensará ela daqui a vinte anos? E se tiver uma filha, o que acontecerá?
Este foi um dos tantos momentos deste primeiro dia efetivo do Fórum Social Mundial, realizado no campus da Universidade El Manar, no subúrbio da capital tunisiana. No dia anterior houve a marcha de abertura, que atravessou a cidade da praça 14 de Janeiro, assim batizada em lembrança do movimento que, dois anos atrás, derrubou o ditador Zine Ben Ali, até o longínquo estádio Menzah. Muita música, festa, palavras de ordem sobre meio-ambiente, Palestina, emprego, fim do imperalismo e do capitalismo e... mulheres.
Elas são, de fato, tema e presença dominante neste fórum. Previamente, uma conferência de seus movimentos antecedeu o próprio evento e a marcha de abertura. Ao fim da marcha, no estádio, houve uma sessão de discursos, antes do esperado show de Gilberto Gil. Falaram só mulheres, de todos os quadrantes da África. A representante do Mali atacou o desemprego em seu país e a guerra dividida entre a presença de partidários da Al Qaeda e/ou dela emanados e a das tropas francesas como uma guerra pelos recursos minerais do deserto, não por liberdade deste ou daquele lado. Foi o discurso decididamente mais vigoroso dentre todos os vigorosos ali pronunciados.
Vê-se que os movimentos de mulheres estão tecendo uma rede pan-africana (bons dias em que as Penélopes teciam em casa, dirão os Ulisses) e que, com ela, estão pondo o continente em contato com o resto do mundo. Afinal, esta é uma das finalidades precípuas dos fóruns sociais mundiais e seus desdobramentos temáticos ou regionais, desde sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001.
Também é importante que essa rede se teça entre as nações do mundo árabe, sacudidas por suas primaveras, conquistas, impasses, dramas e tragédias. Os contatos entre os povos destas nações, em que pesem tradições, línguas e religião comuns, são na verdade muito tênue, bloqueados pelos muros das ditaduras, monarquias retrógradas e regimes presidenciais ou parlamentares de fancaria que governaram a região durante as últimas décadas. E as redes entre movimentos de trabalhadores, desempregados, jovens estudantes, ONGs (muito dependentes, muitas vezes, das europeias) são também ainda muito incipientes e tênues. Neste sentido, os movimentos de mulheres, animados por ideais e uma linguagem comum diante das sociedades tradicionalmente machistas de diferentes matizes que enfrentam, estão na vanguarda.
O assunto, é claro, provoca controvérsia. É livre ou não é livre? Seu uso (da Niqab) penaliza ou não as mulheres? Afinal, penso eu, em minha vida de professor nunca pedi que freira nenhuma deixasse minha aula, nem faria isso. E agora, José? Mas, lembra minha esposa Zinka, o que pensará ela daqui a vinte anos? E se tiver uma filha, o que acontecerá?
Este foi um dos tantos momentos deste primeiro dia efetivo do Fórum Social Mundial, realizado no campus da Universidade El Manar, no subúrbio da capital tunisiana. No dia anterior houve a marcha de abertura, que atravessou a cidade da praça 14 de Janeiro, assim batizada em lembrança do movimento que, dois anos atrás, derrubou o ditador Zine Ben Ali, até o longínquo estádio Menzah. Muita música, festa, palavras de ordem sobre meio-ambiente, Palestina, emprego, fim do imperalismo e do capitalismo e... mulheres.
Elas são, de fato, tema e presença dominante neste fórum. Previamente, uma conferência de seus movimentos antecedeu o próprio evento e a marcha de abertura. Ao fim da marcha, no estádio, houve uma sessão de discursos, antes do esperado show de Gilberto Gil. Falaram só mulheres, de todos os quadrantes da África. A representante do Mali atacou o desemprego em seu país e a guerra dividida entre a presença de partidários da Al Qaeda e/ou dela emanados e a das tropas francesas como uma guerra pelos recursos minerais do deserto, não por liberdade deste ou daquele lado. Foi o discurso decididamente mais vigoroso dentre todos os vigorosos ali pronunciados.
Vê-se que os movimentos de mulheres estão tecendo uma rede pan-africana (bons dias em que as Penélopes teciam em casa, dirão os Ulisses) e que, com ela, estão pondo o continente em contato com o resto do mundo. Afinal, esta é uma das finalidades precípuas dos fóruns sociais mundiais e seus desdobramentos temáticos ou regionais, desde sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001.
Também é importante que essa rede se teça entre as nações do mundo árabe, sacudidas por suas primaveras, conquistas, impasses, dramas e tragédias. Os contatos entre os povos destas nações, em que pesem tradições, línguas e religião comuns, são na verdade muito tênue, bloqueados pelos muros das ditaduras, monarquias retrógradas e regimes presidenciais ou parlamentares de fancaria que governaram a região durante as últimas décadas. E as redes entre movimentos de trabalhadores, desempregados, jovens estudantes, ONGs (muito dependentes, muitas vezes, das europeias) são também ainda muito incipientes e tênues. Neste sentido, os movimentos de mulheres, animados por ideais e uma linguagem comum diante das sociedades tradicionalmente machistas de diferentes matizes que enfrentam, estão na vanguarda.
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