segunda-feira, 4 de março de 2013

Lei para punir a juventude pobre

Posição do Conselho da Comunidade na Execução Penal do estado de Sergipe(CCEP-SE) em relação ao projeto de lei  57/2011 de autoria do deputado federal André Moura:
O CCEP/SE é uma entidade sem fins lucrativos que atua no contexto do judiciário do estado de Sergipe de forma autônoma. É constituído de 30 (trinta) entidades da sociedade civil que colaboram com o sistema prisional, realizando visitas e inspeções às unidades prisionais sergipanas, entrevistando detentos e dirigentes. Nesse contexto, com base nas informações e depoimentos obtidos, elabora e apresenta relatórios para à 7ª Vara de Execuções Penais e à Corregedoria dos Presídios do Estado.
Essas iniciativas têm contribuído para o conhecimento da situação prisional e para a tomada de iniciativas concretas como a realização de cursos profissionalizantes para os egressos, acompanhamento jurídico de processos e outras ações que  melhorem  as condições de vida daqueles que estão privados da liberdade, na tentativa de ressocializá-los e reinseri-los na sociedade.
                     Portanto, o Conselho está diretamente interligado  com a realidade prisional, e tem a clara compreensão de que os jovens encarcerados pertencem às classes sociais mais desfavorecidas que lutam para tentar sobreviver em um contexto de desesperança e indignidade, em condições de inferioridade, indiferentes e descontentes. Jovens pobres que se sentem deslocados num mundo construído por adultos, e no qual não encontram perspectivas para galgar uma vida mais digna.
O CCEP/SE vem constatando também, que, nos presídios de Sergipe, a maioria dos encarcerados é de jovens com múltiplas carências econômicas, sociais, culturais e afetivas. Nas condições de extrema pobreza e desamparo em que sobrevivem, os jovens são particularmente vulneráveis e  atraídos para a marginalidade.
Portanto, o CCEP/SE entende que a realidade social é geradora de delinquência. O delito acontece a partir do que a sociedade oferece para os pobres: ideologia de consumismo, drogas, desemprego, dentre outras. Numa única palavra: injustiça social.
O CCEP/SE tem consciência de que a criminalidade é um grave problema de ordem social, econômica e de segurança pública. E, que não há solução definitiva para o problema, pois sempre haverá crimes e criminosos.
Além do mais, as cadeias já estão superlotadas, com déficit de agentes prisionais, precárias condições de carceragem e sem política estruturada de reinserção social.  Sabe-se que, a personalidade do detento, principalmente quando ele é jovem, no contexto do sistema prisional fica  traumatizada e marcada para sempre. A reclusão equivale à sub-humanização da pessoa e nela são tolhidos vários direitos humanos. O preso é convertido num escravo da pena, num ser humano diferenciado dos outros seres humanos. O problema é que na sociedade em que vivemos a desigualdade social é brutal e as oportunidades para a juventude da periferia ainda são incipientes e tímidas.
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Portanto, essa investida do deputado em comento preocupa o CCEP/SE, nos deixa sobremaneira perplexos haja vista que a população carcerária atual de Sergipe é de aproximadamente 4209 (quatro mil, duzentos e nove) detentos, dos quais cerca de 65% é constituída por jovens com menos de 30 anos, em sua maioria sem sentença condenatória. O que é comum entre eles:  baixa ou nenhuma escolaridade, sem qualificação profissional, enormes indicativos de desestruturação familiar, moradores de bairros e localidades periféricas com pouca infraestrutura básica e cobertura social.
                     Dessa forma, o CCEP/SE se posiciona contrário ao Projeto de Lei complementar em apreço, por entender que a adoção de uma Lei para punir jovens infratores com 16 anos de idade, ou seja, em período de formação biopsicológica, como se fossem adultos é sem dúvida uma atitude discriminatória e preconceituosa que gera mais violência, mias exclusão social e mais ações repressivas, contrapondo-se a cultura da paz  desejada pelo conjunto da sociedade.
E mais, esse Projeto de lei posiciona-se contra os segmentos da pobreza que a própria sociedade gerou ao pretender aprisioná-los prematuramente, pois para a  prisão só ingressam os pobres. Os ricos ali não pisam, ainda que pratiquem os mais graves e perniciosos crimes.
Trata-se de uma iniciativa equivocada posto que a prisão destrói valores fundamentais da pessoa humana e desencadeia os piores instintos imagináveis tais como:  agressividade, raiva, ódio, vingança,  traição, enganação, violência, desprezo, desesperança e impiedade.
Acentuando esse quadro, a justiça é demasiada lenta e, uma justiça assim, exaspera os ânimos. Uma justiça lenta é uma verdadeira injustiça. Portanto, essa coletividade se sente injustiçada, maltratada e, não podendo enfrentar os poderes que a reprimem, tende a rebelar-se contra si mesma e contra todos, expressando assim, de forma ilógica, a sua indignação incontida.
Para o CCEP/SE, o papel do Estado deve ser o indutor de políticas públicas com o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos, conforme identificação da situação de vulnerabilidade. Afirma que, cabe as esferas do Estado (municipal, estadual e federal) procurar investir na prevenção de crimes com políticas públicas direcionadas a educação, trabalho, profissionalização de crianças e jovens que possibilitem oportunidades para o desenvolvimento social da juventude.
Ademais, esse Conselho aproveita o ensejo para sugerir ao deputado a formulação de Projeto de Lei que permita a implementação de experiências inovadoras  para os jovens da periferia e familiares de apenados sob a forma de política pública de aprendizagem profissional e geração de renda individual e familiar, vez que o trabalho e a qualificação profissional nos dias atuais tem caráter ressocializador, além dos  comprovados  benefícios que representam para população carente  e para  à sociedade.
Enfim, sugere a propositura de outras iniciativas consistentes que proporcionem condições para a reintegração social e o despertar também da sociedade, que mantém uma mentalidade equivocada sobre o fato social das prisões, pois esta mesma sociedade cria delinquentes, inclusive jovens, para depois marginalizá-los e castigá-los e, está totalmente desinformada sobre o que de fato acontece nas prisões.
. Aracaju, 01 de março de 2013
Jose Raimundo de Souza
Presidente do Conselho da Comunidade de Execução Penal do Estado   de Sergipe-CCEP/SE

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