Por Carlos Henrique Machado Freitas
O artigo de Vladimir Safatle "A luta de classes na cultura" para
tentar fazer a emenda do soneto de Mino Carta "O vazio da Cultura" dá
dimensão de como é difícil falar em cultura no Brasil sem beijar as mãos das
oligarquias.
O debate estético de Vladimir Safatle é tão estático quanto o de Hermano Viana
"O Abacaxi da Cultura", mesmo que a conclusão de seus conceitos
apontem caminhos aparentemente antagônicos. Se Safatle defende a "alta
cultura" contra o que ele classifica de "caráter profundamente
reacionário e conservador de várias produções da dita espontaneidade da
"cultura popular", Vianna tenta fazer o caminho de volta guardando o
lugar quentinho para as novas formas de exploração das corporações midiáticas a
um filão de mercado com a lógica do modernismo da indústria cultural.
Na cultura do Abadá e na cultura do fraque, os cartolas são os mesmos. Fundação
Roberto Marinho que o diga! o Império fareja negócios e não deixa que ninguém
construa caminhos sem pagar os devidos beija-mãos a seus interesses, que são
muitos, mas sobretudo políticos, pois é no Estado Mínimo neoliberal que se
afortunaram.
Entre os mitos e os ritos da cultura controlada pelas grandes corporações,
vamos encontrar espremido e cada vez mais espremido o MinC. Agora mesmo já não
bastasse a Lei Rouanet, o MinC lança sua plataforma da Economia Criativa com a "Rede
Brasileira dos Criativas Birôs" e na mesma linha, em parceria com o
Instituto Itaú Cultural, o "Programa de Capacitação em Gestão de Projetos
e Empreendimentos Criativos" para seguir o que eles classificam como
estratégia de inovação dos negócios da cultura. Daí o MinC seguirá o mesmo
padrão das conferências do Itaú Insights para caminhar no projeto de lojas de
departamentos moldadas à economia criativa.
O pensamento de superar desafios e inovar atitudes de artistas/empresas, de
produtores de negócios culturais é o exemplo de como as bordas desse cristal
chamado cultura brasileira estão no campo institucional inspiradas no radar
transnacional do player global.
O que talvez não seja perceptível ao "pensamento inovador" e suas
lógicas de consultoria é que, como fundadores desse "empreendedorismo
inovador", abdicam da condição de seres humanos em nome do
intra-empreendedorismo do mundo corporativo para propor um sentimento de
validade eletrônica que talvez demore uma vida dentro da comissão de valores, mas
que, diante da realidade cotidiana do povo brasileiro é apenas mais um satélite
que será colocado em órbita pelas velhas botas das oligarquias brasileiras.
É irônico um projeto do Ministério da Cultura do Brasil financiar um coletivo
catarse em que se movimentará grandes dutos de recursos públicos instalados
dentro dos túneis de quem já controla as leis de incentivo à cultura no Brasil.
Teremos então um MinC insight que provavelmente vislumbra a atração de
investimentos mundiais ou simplesmente pretende ressaltar os eventos tão
intrigantes quanto as lógicas da FIFA. Seja como for, estamos diante de uma
experiência viva em que a abordagem oficial vai ganhando significados e
símbolos cada vez mais parecidos com os bonecos animatronics do natal Itaú Personalité.
A ideia de proporcionar encantamento a partir do marketing de negócios, criar
agências de eficiência criativa, numa "performance de ideias sustentáveis
e suas grandes novidades" não é outra coisa que não o que apontou Milton
Santos… "A tirania da informação e do dinheiro é apresentada como os
pilares de uma situação em que o progresso técnico é aproveitado por um pequeno
número de atores globais em seu benefício exclusivo. O resultado é o
aprofundamento da competitividade, a produção de novos totalitarismos, a
confusão dos espíritos e o empobrecimento crescente das massas, enquanto o
Estado se torna incapaz de regular a vida coletiva".
No entanto, não precisamos vislumbrar o futuro para enxergar o efeito
multiplicador desse desastre. A história profissional da Lei Rouanet contribui,
e muito para, naquelas entrelinhas, lermos o que está sendo inaugurado pelo
MinC, tentando usar as novas tecnologias e as redes sociais como conexões entre
nossos neurônios e o cérebro que funciona na cabeça das grandes corporações.
Daí, quem sabe, tanto a cultura de excelência de Safatle quanto a cultura de
auditório do "Esquenta" de Hermano Vianna, se encontrem no espaço
Itaú, no auditório Ibirapuera com a aprovação de um público
"diferenciado" que reflete o desenvolvimento das oligarquias no país.
As fortalezas corporativas, institutos e fundações, provavelmente se inspirarão
nesses exemplos, mesmo que tudo isso esteja completamente fora do foco social,
político e cultural de nossas realidades. O que parece mesmo importar hoje ao
MinC é a manutenção de um contrato organizado com a agenda conservadora para
satisfazer o grande capital.
Aqui fora a história social de nossa cultura, não tenho dúvidas, seguirá com
suas artes criativas sendo eco da sociedade com a superioridade inspiradora que
sempre criou padrões intelectuais de altíssima relevância para a vida nacional
que, constantemente, impôs o sentimento do povo sobre a ortodoxia patrimonial
que hoje está disponível nas páginas da nova ortografia do MinC (Ministério da Indústria
e Comércio) para quem queira ser um trainee do Itaú/Unibanco para vender o
exotismo artístico de sensações fortes como, o vatapá, o jacaré e a
vitória-régia, como dizia Mário de Andrade… Essa coisa que coincide com a
falsificação da entidade brasileira para agradar a diletante opinião do
europeu. Certamente, Safatle e Vianna aprovarão.
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