domingo, 21 de julho de 2024

RECOLHER-SE, PARA MELHOR ACOLHER. Chico Alencar, Irmão Marcelo Barros, Pe. Júlio Lancellotti, Pe. José Soares e Valmir Assis (MTC).

 (breve reflexão para crentes ou não)

Chico Alencar

O Evangelho desse domingo (Marcos, 6, 30-34) mostra um Jesus que, talvez inspirado na sabedoria oriental, recomenda a calma da alma, a reflexão, a saída da agitação, do barulho, da estridência. Que fala da importância do silêncio (fecundante da boa palavra), do suave descanso que dá energia para o trabalho. "O deserto é fértil!", ensinou o místico e militante D. Helder Câmara (1909-1999).

A busca do oriente interno de cada um de nós é fundamental para não cairmos num ativismo estéril, num "produtivismo" histérico, na suposta obrigação que nem "dá tempo para comer"...

O que o Mestre da Luz pede é o que, 19 séculos depois, Fernando Pessoa (1888-1935) versejará: "nada teu exagera ou exclui/ sê inteiro em cada coisa/ põe o quanto és no mínimo que fazes".

Porém, demandado pela multidão carente, alimentado pela oração, Jesus não se fecha no isolamento, não nutre uma espiritualidade desencarnada, quase egoísta, autocentrada, de um  "guru" que se lixa pro mundo.

Sente na carne a dor e a aflição dos outros: "quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão, e teve compaixão, pois estavam como ovelhas sem pastor".

Gil e Dominguinhos cantaram a "rês desgarrada/multidão boiada caminhando a esmo". Retrato contemporâneo da sociedade da indiferença, das necessidades artificiais, da dispersão, do uns poucos com muito e muitos sem quase nada. E a maioria alheia à questão social.

Sociedade, de ontem e de hoje, dos "pastores" das armas, da mentira, da exploração da boa fé da gente humilde. "Antipastores" predadores como lobos vorazes!

O que Ele predica e pratica é outra postura. Nem gado que caminha, sem perceber, para o matadouro, nem "militonto" que foge do encontro consigo mesmo, que se entrega a um "engajamento"  desvairado.

Jesus propõe silêncio e solidão para iluminar e dar sentido à ação. Quer que contemplemos o mistério e a imensidão do mar para que pisemos mais firmes no chão dos homens. Só assim poderemos praticar a autêntica com-paixão.

Lendo e ouvindo a passagem de hoje, ouso fazer uma prece-pedido: "Dá-nos, Senhor da Amorosidade, a capacidade de cultivar nossa vida interior, para que possamos, com serena firmeza, ajudar a transformar o mundo exterior. Dá-nos a certeza de que nos faz bem também cuidar da envenenada Mãe Natureza. Amém".

Mar de Paraty (podia ser de Tiberíades)

Jesus e a multidão em busca de pão e de sentido


Os riscos e desafios da missão -                        XVI Domingo comum: Mc 6, 30 – 34. 

No deserto e na inserção: a profecia

Marcelo Barros

           Diante da realidade terrível do povo empobrecido e dos desafios sociais que enfrentamos, quem se coloca a serviço das comunidades e dos movimentos sociais sente cada vez mais a tentação do ativismo. Vive na correria para dar conta de tantos desafios e atender a tantos pedidos de socorro. 


O evangelho deste XVIII domingo do tempo comum (Mc 6, 30- 34) nos fala de uma situação semelhante nas primeiras comunidades cristãs que escreveram os evangelhos e possivelmente na própria época de Jesus. O texto conta que os discípulos e discípulas que Jesus tinha enviado em missão, dois a dois, pelos lugares onde ele mesmo deveria ir, esses irmãos e irmãs voltaram e se reuniram com Jesus. Contaram a ele o que tinham feito na viagem e o que tinham ensinado. 


Em todo o texto do evangelho, é a única vez em que Marcos fala que os discípulos ensinavam. De fato, a missão de Jesus e dos discípulos é sempre “fazer”, isso é a prática da vida, aquilo que sociologicamente se chama de práxis, uma ação libertadora e o ensino, ou seja a teoria que vem da prática. 


Como seria bom que, nesse domingo, cada um/ uma de nós pudesse se sentir chamado a se reunir com Jesus e, em postura de oração e partilha, poder contar a ele o que, concretamente, temos feito para testemunhar o reinado divino no mundo e como temos falado da realidade. 



 Aos discípulos e discípulas, Jesus disse: “Venham para um lugar deserto (um retiro) e descansem um pouco”. E o comentário da comunidade de Marcos é que “de fato, era tanta gente que chegava e saía que eles (e elas) não tinham tempo nem de comer”. Quantas vezes, nós mesmos/as, em nossas casas, nossas atividades e na comunidade, vivemos, de alguma forma, essa realidade. Precisamos escutar como sendo para nós esse chamado de Jesus: Venham para um retiro. Venham para o deserto. 


Sabemos que, no plano geográfico, desertos são regiões áridas, de areia e céu, nas quais podemos passar, mas, onde,  dificilmente podemos viver, sem intervenções da técnica e das invenções modernas. Já no plano da fé, várias das grandes religiões como o Judaísmo, o Islã e mesmo o Budismo nasceram ligadas ao deserto. O deserto não é só lugar geográfico. É também espaço e dimensão espiritual e teológica. 


Muitos de nós nos habituamos a identificar o deserto com lugares lindos e aprazíveis, nos quais se construíram mosteiros, ermidas e conventos, que, às vezes, são verdadeiros castelos, nos quais os/as religiosos têm tudo o que desejam e vivem livres do tumulto da vida ordinária do comum dos mortais. Não é esse o deserto de Jesus.  


De fato, na Bíblia, o deserto tem sempre a dimensão do afastamento dos lugares habitados (aldeias e cidades). É lugar e tempo de solidão, mas também é espaço e ocasião de aprofundamento da comunhão da comunidade, fora da agitação das massas. É no deserto onde é mais necessário ter tudo em comum. No tempo do Êxodo, o deserto foi o tempo do namoro da comunidade bíblica com Deus em um contexto de aliança. De acordo com o texto, Deus chama à comunidade ao deserto para firmar com ela a aliança no Sinai. Depois, no decorrer da história bíblica, os profetas mostram que, para retomar o projeto divino e renovar a aliança de casamento com Deus, a comunidade precisa sempre ser reconduzida ao deserto (Oseias 2, 16 ss). 


No tempo de Jesus, o deserto era o espaço da clandestinidade e da segurança no qual se organizavam os líderes de movimentos sociais e políticos contra o domínio romano. A tradição judaica ensinava: O Messias (Libertador) virá do deserto. Hoje ainda, também nós precisamos de assumir nosso deserto interior, isso é, nosso espaço de solidão interior que não é isolamento, nem pode ser individualista. É quando podemos escutar a nós mesmos e dialogar com os anseios mais profundos do coração. É quando podemos verificar se realmente vivemos a espiritualidade como qualidade humana profunda, como propõem as pessoas que desenvolvem espiritualidades não religiosas. 



Não conseguiremos libertação sem espiritualidade, mesmo que essa não seja religiosa. Pode ser mística humana e laical que supõe  disponibilidade de cada pessoa para mudar de vida, aceitar ser transformada e viver de modo coerente com aquilo que se propõe. Ninguém acreditaria em políticos que propõem um mundo de justiça e de partilha, mas na forma de ser, se mantêm autoritários, egoístas e que dão prioridade a suas ambições pessoais e não ao bem-comum. 


No evangelho de hoje, o retiro que Jesus propõe aos discípulos e discípulas parece ter fracassado porque, quando eles (Jesus e o seu grupo) chegam do outro lado do lago ao local do retiro, já a multidão os esperava e Jesus não as exclui. Ao contrário, Jesus constata que o povo está disperso, como ovelhas sem pastor. E começa também a ensinar à multidão. 


Em todos os relatos evangélicos, é no deserto e dentro de uma perspectiva de caminhada libertadora que se fala na preocupação de Jesus com a segurança alimentar do povo e é no deserto que os evangelhos situam o episódio chamado comumente “multiplicação dos pães” que consiste na partilha. Jesus manda repartir os poucos pães e peixes que alguém revela ter e isso possibilita que todos e todas possam se alimentar.


É importante perceber que, no evangelho, todo o relato da missão e a reunião dos missionários e missionárias vindas da missão com Jesus convergem para essa questão da preocupação com a fome do povo e com a palavra de Jesus à sua comunidade primeira: Deem vocês mesmos de comer ao povo. Que essa palavra, hoje, ainda nos mobilize e faça da luta contra a fome e a insegurança alimentar uma questão de fé e de espiritualidade. 

Homilia do Pe. Julio Lancellotti no 16º Domingo do Tempo Comum - 21/07/2024

ROTEIRO DOMINICAL - 16o DOMINTO DO TEMPO COMUM (ANO B - SÃO MARCOS).

QUEM CUIDARÁ DO REBANHO?

Pe. José Soares de Jesus (*)

NESTE DOMINGO nosso olhar deve passar de Jeremias até São Marcos e recordar dois elementos fundamentais: os DESAFIOS do capítulo 6 que passam pela morte de João Batista – assassinado dentro de um banquete de injustiça e maldade – e a COMPAIXÃO de Deus Pai em Jesus Cristo. Como podemos compreender os textos? Vamos analisá-los!

1. Jeremias. O profeta inicia fazendo um alerta e que se torna uma grave denúncia: “Ai dos pastores que deixam perder-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor” (Jr 23,1). O abandono do rebanho não podia ser tolerado pelo profeta, pois, Israel é o rebanho e a casa do Senhor. Pastores estavam negligentes e impondo o terror nas ovelhas, modificando a prática que Iahweh tinha ensinado e até distorcendo o caminho seguro para as ovelhas terem sossego e vida plena. Jeremias diz que o Senhor vai eliminar os maus pastores e suscitar “O Pastor” que arrancará “o medo e a angústia” (Jr 23,4) que assola a vida do rebanho. Uma providência urgente diante do quadro de desolação e que mostra quantas feridas podem assolar a vida das pessoas quando são assediadas e maltratadas pela insanidade dos seus cuidadores. Ontem e hoje não está diferente o quadro. 

2. Jesus e o rebanho. É BOM RECEONHECER a preocupação de Paulo para entrarmos no aconchego de Jesus. É linda toda a segunda leitura e ele fala duas vezes em vencer a inimizade. Destacamos isso: “vós que outrora estáveis longe, vos tornastes próximos” (Efésios 2,13). Foi por Cristo e em Cristo que retornamos ao rebanho de seu pai. É Ele mesmo que cuida do rebanho e tem COMPAIXÃO por ele. Forte expressão que denota: preocupação, cuidado, acolhida, cura, bondade e escancarar o coração para sanar as dores das ovelhas doentes e sem rumo. Compaixão é a medida de como Jesus, O Pastor cuida de seu rebanho e luta para que ele viva com dignidade e justiça. Compaixão é a senha do seguimento desse Jesus que se antecipa a dor do povo sofrido e com fome. Na continuidade em Marcos 6,35ss veremos com o deserto, a fome e a dor assolará a multidão faminta e Jesus esquece o cansaço para dar a vida para todos e todas. De fato, Compaixão e misericórdia, são os nomes de um Deus queixoso e atento a quem sofre e que não está presente em grupos e igrejas que vivem tirando o couro do rebanho e roubando seu dinheiro e sua dignidade. BASTA OLHAR AO NOSSO REDOR.

N.B. Cremos que sérios pastores/as – são poucos, mas existem – devem ler e reler Marcos 6,31 e recordar que não são onipotentes e precisam se cuidar, para não morrerem de tédio e sacrificar ainda mais o rebanho. Pensem NISSO.

(*) Vigário na S. Pedro Pescador, Aracaju.

Assessor das CEBs.

21/07/2024 - Reflexão da Classe Trabalhadora: XVI DOMINGO DO DISCIPULADO E DA MISSÃO





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