domingo, 7 de julho de 2024

UM DE NÓS, (IN)COMUM - Sobre o Evangelho deste domingo (Marcos 6, 1-6) - Dep. Fed. Chico Alencar (PSOL-RJ), Pe. Júlio Lancellotti (SP) e Irmão Marcelo Barros (PE). Com participação especial de Antônio Cardoso interpretando Pe. Zezinho.

 (Breve reflexão para cristãos ou não)

O evangelho desse domingo (Marcos 6, 1-6) revela Jesus como um de nós: filho da jovem dona Maria (e do mestre carpina José), nascido na pequena e desconsiderada Nazaré. 

Jesus da doce palavra, desafinando o coro dos preconceituosos: "onde arranjou tanta sabedoria?".

Jesus profético, desconcertando os bem pensantes: "mas não é o carpinteiro, um dos nossos? De onde lhe vem tudo isso?".

Um Jesus manso e humilde de coração, que não se deixa humilhar.

Jesus cuja autoestima nunca extrapola em soberba. Ciente da sua dignidade, que quer para tod@s.

Desprezado, reconheceu, insubmisso, a realidade: "ninguém é profeta em sua própria terra". Como tanto/as seres iluminados, na caminhada sinuosa da humanidade... Luzes que as trevas não acolheram!

Jesus pedra angular, rejeitada. Pedra de escândalo para os donos do mundo.

Jesus na contramão da ideologia do sucesso, da "vitória", do tão neuroticamente procurado reconhecimento. Limpo da obsessão do ego, do aguilhão da vaidade...

Jesus longe da "teologia da prosperidade" (só para uns poucos "escolhidos"?), do prepotente "domínio" (de quem sobre quem?). Jesus Cristo liberto e libertador.

Jesus que já conhecia o que José Marti (1853-1885), 19 séculos depois, resumiu: "toda a glória do mundo cabe num grão de milho".

Assim, um amado Jesus da gente sem preocupação com o êxito: o que importa é o testemunho, a coerência. Ser o que se é, viver o que se crê. Generosamente.

Jesus além mesmo da "religião" de preceitos e ritos formais: inspirando um jeito de existir. Do jeito que seu seguidor - nosso contemporâneo e irmão padre Júlio Lancellotti - testemunha: "eu não luto para vencer - sei que vou perder. Luto para ser fiel, até o fim".

O dom gratuito de si, por uma sociedade de iguais na diversidade, é meta a ser buscada. E já traz, em si, a recompensa. Experimenta!

(C.A.)

Testemunho da Libertação - Kenyan Church/reprodução


A profecia que incomoda
XIV Domingo comum: Mc 6, 1- 6.  

                                                                       A profecia que incomoda e parece fracassar. 

Irmão Marcelo Barros
             
Atualmente, vivemos em um mundo no qual notícias falsas (fake-news) parecem fazer mais sucesso do que a verdade. A publicidade que se repete exaustivamente convence mais do que qualquer argumento racional. 

No campo da fé, o Mistério Divino só é perceptível pelo amor e não dá provas de si mesmo. Dá apenas sinais que podem ser acolhidos ou ser rejeitados. Muitas vezes, a profecia aparece  como a palavra ou atitude de alguém ou de uma comunidade que age na contramão da expectativa geral ou do senso comum. Nessa perspectiva, a profecia é frágil. Carlos Mesters a comparava com uma flor sem defesa. 

O evangelho de Marcos já tinha mostrado no capítulo 3 que os religiosos da sinagoga tinham rejeitado a profecia de Jesus (3, 6) e depois ele foi rejeitado pelos próprios parentes (3, 20...). Agora, no texto lido neste XIV domingo comum,  (Marcos 6, 1- 6), o evangelho mostra que não é só a família mais próxima. São os próprios conterrâneos de Jesus em sua cidade de origem que o rejeitam. Mateus e Lucas dizem claramente que se tratava de Nazaré. Marcos não dá o nome da cidade. Mostra Jesus de volta à sua terra e sendo objeto de rejeição e descrença por parte de parentes e conterrâneos. Conforme o relato de Marcos, é a última vez que Jesus vai à sinagoga. E sua missão é um fracasso. Lucas conta a mesma coisa, quando diz que Jesus se apresentou na sinagoga de Nazaré (Capítulo 4, 16 ss). Em seu início, o quarto Evangelho diz: "Ele veio para o que era seu e os seus não o receberam" (Jo 1, 11). 

Marcos não diz a razão pela qual Jesus foi rejeitado. Lucas afirma que na sinagoga de Nazaré, Jesus anunciou que a savação de Deus é para todas as pessoas e não apenas para as religiosas. Afirmou que, apesar de que, na época,  havia muitas viúvas em Israel, Deus tinha enviado o profeta Elias para socorrer uma viúva de Sarepta no estrangeiro. Havia em Israel muitos leprosos e Deus mandou Elias curar Naaman, o sírio. Foi essa insistência de Jesus sobre a relação com as pessoas de fora que tinha provocado a ira e a rejeição da sinagoga (Cf Lc 4, 26- 28). 

Em Marcos, o argumento ou pretexto usado para não acreditar nele foi o fato de que ele era uma pessoa comum. Diziam: “nós sabemos tudo sobre ele - Não é o carpinteiro, filho de Maria? Por acaso, não conhecemos seus irmãos e irmãs? ". 

Na cultura daquele tempo, denominar alguém como filho de uma mulher e não mencionar seu pai significava que essa pessoa não era filho legítimo. Era, como se diz no meio do povo, um “filho da mãe”. Talvez até, ao mencionar apenas a sua mãe, o pessoal o estivesse abandonando a própria mãe-viúva, já que, como filho mais velho, ele deveria se responsabilizar por ela. O fato é que, visto de perto e assim a partir da sua realidade de parentesco, a profecia de Jesus é rejeitada.  As pessoas se perguntam: De onde vem essa sabedoria? Para o tipo de fé que aquelas pessoas tinham, a imagem de Deus e do profeta não poderia ser assim tão simples e tão da vida comum. Eles imaginavam Deus presente nas coisas extraordinárias, mas não no dia a dia.

Aquela reação dos conterrâneos de Nazaré na Galileia a Jesus continua ocorrendo até hoje em questões. Há pessoas que rejeitam um político por ele não ter diploma de curso superior e criticam negativamente um pastor por esse não usar linguagem de doutor. Até hoje, há pessoas que distinguem religiões de primeira classe e religiões populares ou primitivas que não teriam a mesma dignidade de outras. 

No meio da caminhada das comunidades, muitas vezes, pais e mães de santo, Xamãs e profetas de tradições espirituais vivem uma situação econômica que os obriga a viver do seu ministério. Isso gera desconfianças e problemas. Nada tem a ver com uma religião de resultados ou a teologia da prosperidade que faz de Deus instrumento de negócios a serviço do pastor. É simplesmente a realidade humana que toma fisionomia concreta no plano econômico e social. 

Conforme os evangelhos, ao se sentir em crise e sem credibilidade assegurada, Jesus se compara ao profeta Jonas. Assim como Deus falou e conduziu Jonas, mesmo se este era um profeta contraditório e frágil, também Jesus nos diz que se não aceitarmos os profetas e profetizas do povo, por causa de suas fragilidades, não teremos palavra de Deus. 

O fracasso da profecia na instituição religiosa oficial não fez Jesus desistir da sua profecia. Em um mundo que parece se inclinar cada vez mais para a direita e para uma organização desumana da sociedade, a profecia da justiça ecossocial, da inclusão de todas as pessoas e culturas e da transformação do mundo parece irrelevante. Nas Igrejas, muitos setores do clero e da hierarquia parecem também apegados ao modelo eclesial da Cristandade. Não pode haver profecia se a perspectiva é manter uma Cristandade colonizadora, exclusivista e no fundo baseada no poder como sagrado e não no amor. Não adianta substituir as formas ainda vigentes de Cristandade de direita por uma nova Cristandade de esquerda. Ao substituir um autoritarismo clerical fechado e “de direita” por um autoritarismo igualmente clerical só que de esquerda, estaríamos de todo modo rejeitando a profecia de Jesus que pede transformação de modelo e não apenas trocar os móveis de lugar na mesma sala. 

Assim como Jonas, são frágeis as comunidades que nos trazem a profecia de Deus. São movimentos populares, são comunidades de base e são os seus e suas representantes. Os Jonas de hoje somos nós mesmos, eu e vocês. Isso não pode ser dito para justificar nossas incoerências e defeitos, mas reafirma que Deus se serve do que é humano e mesmo do que é ambíguo para nos dar a sua palavra e nos alimentar com a sua profecia. A profecia tem a força do Espírito, mas em um corpo de barro,  fácil de quebrar. Seja como for, para nós, não há outro caminho de busca da intimidade divina, a não ser na profecia. Vamos acolhê-la e vivê-la, mesmo em sua fragilidade. 

Antonio Cardoso na Canção e a Prece: "O Profeta"

O cantor, compositor e catequista está presente no Programa Brasileiro da Rádio Vaticano todos os domingos com o espaço especial intitulado "A Canção e a Prece". No programa de hoje: “Todos ficavam escandalizados com ele”…

Vatican News

Eu deveria saber tudo isso, como ele conseguiu tanta sabedoria. E esses milagres que são realizados por suas mãos? Por acaso esse não é o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco? Todos ficavam escandalizados com ele. Mas Jesus. Como vocês podem perceber na leitura desse Evangelho, é bem familiar. Eu lembro com saudade da minha infância quando alguém dizia: ‘o Antonio, mas que Antonio? O filho de Antonio Silva, o filho da Pequena? Isso nos tornava ainda mais familiar. Por isso que no mundo de hoje, tantos e tantos profetas não são estimados na sua pátria. Porque na medida que o tempo vem se atualizando, a gente vai perdendo um pouco das nossas raízes, das nossas origens, do beber a água da fonte…

A CANÇÃO "O PROFETA", Autor: Padre Zezinho, SCJ - AQUI


 

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