quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

CAMPANHA DA FRATERNIDADE (NOTA II) - José Soares e A campanha da Fraternidade 2024. Fraternidade e Amizade Social. Artigo de Flávio Lazzarin

 José Soares

· O DESEJO mais preemente do ser humano é a defesa da vida, a defesa desse dom inequívoco que Deus nos cumulou. Fazemos tudo para defender também a vida de quem amamos. Creio que nessa direção é que caminha a CF - 2024 nesta quaresma. O caminho da defesa da vida. Observo assim em dois níveis: 

1. A beleza da AMIZADE Social como um tema transversal e isto aparece forte no Texto Base n. 58. Se falamos de juventude, terra, educação, ecologia, espiritualidade, aparece neles o dom da AMIZADE. Nossa relação com Deus é pautada nessa cara e forte defesa que Ele faz por nós e leiamos Gênesis 4,9n para vermos a beleza da busca de um Deus apaixonado por nossa humanidade. Sempre nos chama a relação profunda de amor dele por nós. 

Campanha da Fraternidade com um tema como esse, deve ser motivo de alegria e de esperança para todos e todas. O combate a INIMIZADE é papel e tarefa de cada um de nós nas Igrejas, na sociedade e além fronteiras. 

2. A base de tudo está na Fratelli Tutti. A distância física não confirma separação e desgaste na relação entre os seres humanos. Notamos que a indiferença e a maldade, estás sim, corroem nossas vidas e adoecem nossas relações, fazendo-nos adversários e inimigos cruéis. O Papa Francisco de modo teológico e com uma percepção muito aguçada, nos trouxe na Fratelli Tutti uma provocação do seu coração que merece destaque: "As questões relacionadas com a fraternidade e a amizade social sempre estiveram entre as minhas preocupações" (F.T., n. 5). E por que? Ora, vê-se uma morte acelerada do contato entre as pessoas e povos. A estima deu lugar a desconfiança e a esperança deu lugar ao medo e a radical violência no campo da política, da cultura, da religião e da sociedade polarizada e excludente. Regredimos e muito por questões ideológicas e ate de religião. Várias nações mostram fechamento e um nacionalismo perigoso que só fere as pessoas. O papa foi feliz com a F. Tutti e temos que na leitura dela, perceber que a CF - 2024 está no caminho certo: 

"Mas a história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos" (Fratelli Tutti, n. 11).

              Ajudemos o Papa a construir relações fraternas 

              e defendamos o amor e à Amizade Social, somos todos

              irmãos e irmãs!

Acima,  publicado no facebook em 28/02/2024


A campanha da Fraternidade 2024. Fraternidade e Amizade Social. Artigo de Flávio Lazzarin

Publicado no site do IHU

"A única arma com a qual é permitido marchar para a guerra é a Palavra e é a própria Palavra que traz a guerra onde reina a paz".

O artigo é de Flávio Lazzarin, padre Fidei Donum, italiano, atuando na diocese de Coroatá, Maranhão.

Eis o artigo. 

Uma primeira leitura do texto-base da Campanha da Fraternidade 2024 me deixou estranhamente confuso e preocupado. O documento, declaradamente inspirado pela encíclica Fratelli tutti de Papa Francisco, me pareceu, porém, distante da simplicidade e clareza pastoral do documento papal. A primeira surpresa foi a abordagem filosófico-teológica do termo “amizade social”, quando a encíclica não propõe uma reflexão sobre um conceito, mas, pelo contrário, apresenta a prática amorosa da amizade política na biografia de São Francisco de Assis. Na encíclica está em primeiro plano o testemunho do amor misericordioso de Jesus, que não precisa do aval de HomeroSócratesPlatãoAristóteles e Tomás de Aquino, em alternativa às filosofias de Hobbes e Schmitt.

A encíclica está emoldurada pela memória de São Francisco de Assis, "e também por outros irmãos que não são católicos: Martin Luther KingDesmond TutuMahatma Mohandas Gandhi e muitos outros. Mas quero terminar lembrando uma outra pessoa de profunda fé, que, a partir da sua intensa experiência de Deus, realizou um caminho de transformação até se sentir irmão de todos. Refiro-me ao Beato Carlos de Foucauld" (286)*. "O seu ideal duma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo o ser humano como um irmão, e pedia a um amigo: 'Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos'. Enfim queria ser 'o irmão universal'. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a cada um de nós. Amem” (287-288).

Não conceitos, mas testemunhas, mártires, inspiram a espiritualidade de papa Francisco. São todas figuras martiriais, em que a Cruz vitoriosa de Jesus se manifesta em pequenos gestos de alcance universal e em biografias marcadas pela derrota. Figuras em que a mais íntima e escondida interioridade se traduz imediatamente em universalidade, em que a amizade com os seres humanos coincide com amizade com Deus.

O que me interpelou inicialmente foi a impressão que os autores do texto-base privilegiam uma abordagem epistemológica, que se mostra um tanto irrelevante quando confrontada com a luz que a Palavra de Deus nos oferece para testemunhar a fraternidade nos caminhos concretos da história.

Com efeito, ao número 18 do texto-base, encontrei uma consideração que me deixou perplexo: Papa Francisco estaria “conjugando os conceitos de amizade e sociedade, retomando a amizade social aristotélico-tomista”. Fiz um esforço para encontrar explicitamente na encíclica esta herança filosófica, mas não encontrei, a não ser na mera menção da “amizade social”, cujo crédito tomista, porém, não é testemunhado por nota de rodapé e que não consigo lembrar citada no Compendio da Doutrina Social da Igreja. Parece ser mesmo uma vaga lembrança do papa, que os comentaristas se apressaram a caracterizar como citação tomista.

Outra reflexão me ocorreu diante duma omissão para mim inexplicável dos autores. Com efeito, no ‘Julgar” do texto-base Genesis, 4, 1-9, “onde está Abel, teu irmão”, que é citado também por papa Francisco, substitui a longa citação do texto e da exegese da parábola do bom samaritano, Lucas 10, 25-37. Esta Palavra é tão central para a compreensão da encíclica a ponto de ocupar todo o segundo capítulo, os parágrafos de 56 a 86.

Assim o primeiro impacto gerou uma pergunta polémica, que me assustou um pouco: será que  ignorar a importância do bom samaritano na encíclica e ignorar a sua centralidade na profecia deste pontificado é uma forma de se distanciar do estilo e da prática pastoral de papa Francisco?

Será que a invenção de uma tradição aristotélico-tomista, como os autores parecem sugerir, quer substituir a profecia de Francisco, que põe as vítimas da violência, da injustiça e da desigualdade como protagonistas, interlocutores prioritários, amigos privilegiados dos seguidores de Jesus?

Num segundo momento, descartei esta interpretação tendencialmente polemica. Após mais uma leitura, me dei conta que, talvez, mais simplesmente, a análise das conjunturas mundiais e nacionais dos autores do texto-base se omite em refletir sobre as teologias subjacentes e explícitas na “guerra mundial em pedaços” e, sobretudo na polarização entre nova direita e esquerda na sociedade brasileira, que não é somente nossa, mas está perigosamente presente e atuante em todas as sociedades ocidentais.

Guerra mundial e crescimento do “fascismo” não seriam para mim simplesmente dados da longa listagem dos males da história humana a serem salvos por caminhos de fraternidade, mais seriam, inseparavelmente, o elemento-chave, mais teológico e menos econômico, que motiva e mobiliza as subjetividades na gravíssima crise que estamos vivendo.

É algo que caracteriza as subjetividades num conflito que vê de um lado os saudosos dos tempos ordenados e harmoniosos (sic) das cristandades europeias, coloniais, pan-russas, aliados talvez inconscientes dos muçulmanos defensores das teocracias e da Jihad e os exércitos dos  que defendem os valores tradicionais – Deus, Pátria, Família – afirmando um Cristo guerreiro e armado contra o Anticristo da modernidade com as suas novidades corruptas e pervertidas, com a suas multiplicação dos gêneros e a decadência da família.

Do outro lado destas posturas regressivas, está a absoluta maioria dos humanos, que se sente constitutivamente ocidental e aceita acriticamente todos os mandamentos de uma civilização em crise ecológica e política. Deste lado também estão aqueles que criticam, denunciam e combatem as injustiças, as violências e a desigualdade do sistema. Outros atores são o que sobrou dos partidos e das organizações de esquerda, perdidos em ilusórios caminhos governamentais de contenção da extrema direita ou em estéreis e inconsistentes manobras de pseudo-oposição.  Esquerda que perdeu, há muitas décadas, as suas potencialidades anti-sistêmicas. Não podemos esquecer uma minoria importante, que diante da declaração de guerra ao Ocidente de Putin-Kiril, junto com ChinaCoreia do NorteIranHamas e Hezbollah e diante do neofascismo das sociedades ocidentais, não ignora a crise civilizacional que estamos atravessando, mas do Ocidente salva e protege, pelo menos, o frágil e amplamente incompleto sistema democrático, ameaçado pelas atitudes autoritárias e ditatoriais dos tradicionalistas externos e internos.

Faz parte deste lado também uma minoria de cristãos, junto com papa Francisco, que renunciaram ao seu papel de censores e justiceiros dos comportamentos humanos e, no impasse entre a fidelidade a moral magisterial e a fraternidade, silenciam a doutrina e acolhem as pessoas, sem julgar, apostando que a misericórdia, espoliada de qualquer presunção, pobre e desarmada, seja o único remédio.

Existe um conflito, existem inimigos e esquecer a centralidade deste conflito do nosso tempo, significa ignorar o único e verdadeiro perigo, o desafio que pode impedir, apesar do nosso desejo, qualquer caminho de fraternidade e decretar a nossa verdadeira derrota. É necessário reconhecer e lidar evangelicamente com o inimigo que não quer dialogar e está pronto somente para nos eliminar.

Em suma, vivemos em um mondo em guerra, em que não podemos ignorar que existem inimigos mortais, um tempo em que devemos aceitar e enfrentar o combate.

Encontro, com efeito, muitas palavras do Novo Testamento em que se fala da guerra e da ‘espada': “Na mão direita, tinha sete estrelas, de sua boca saía uma espada afiada, de dois gumes, e seu rosto era como o sol no seu brilho mais forte. Ao vê-lo, caí como morto a seus pés, mas ele pôs sobre mim sua mão direita e disse: “Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último” (Apocalipse, 1, 12-17).

“Os exércitos do céu o acompanham, montados em cavalos brancos, com roupas de linho branco e puro. Da sua boca sai uma espada afiada, para com ela ferir as nações. Ele as governará com cetro de ferro. Ele é quem pisa o lagar do vinho que é a furiosa cólera de Deus todo-poderoso” (Apocalipse 19:14-15).

“Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a Palavra de Deus” (Efésios, 6, 17).

A única arma com a qual é permitido marchar para a guerra é a Palavra e é a própria Palavra que traz a guerra onde reina a paz. Uma Palavra que tem a pretensão de desestabilizar o status quo: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa” (Mateus 19, 34-36).

E não é Palavra que simplesmente aceita a inevitabilidade do conflito, mas Palavra que o inaugura e o alimenta com radicalidade. Uma espada de dois gumes, porque enfrentamos um dúplice combate nos campos de batalha da história e da Igreja. Sem esquecer o combate travado na interioridade de cada discípulo.

Sou interpelado nestes dias por uma citação de Francisco na Laudate Deum. Surpreende a intenção dele, que, com Soloviev, nos fala de um mistério, que as pessoas racionais e de bom senso normalmente evitam, porque tema escolhido por fanáticos e desequilibrados. Mas fala-se, inequivocamente, do fim do mundo – ou da fim de um mundo – e do Anticristo:

“Todos nós devemos repensar a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites. Com efeito, o nosso poder aumentou freneticamente em poucos decênios. Realizamos progressos tecnológicos impressionantes e surpreendentes, sem nos darmos conta, ao mesmo tempo, que nos tornámos altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência. Pode-se repetir hoje, com a ironia de Soloviev: "Um século tão avançado que teve a sorte de ser o último". É preciso lucidez e honestidade para reconhecer a tempo que o nosso poder e o progresso que geramos estão a virar-se contra nós mesmos". [1]

O amigo Marcello Tarí, em seguida, me convidou a reparar que, na Vigília Ecumênica de Oração, em ocasião da abertura do Sínodo, no dia 30 de setembro de 2023 [2], Francisco falou duas vezes na sua homilia sobre a multidão do Apocalipse: “Como a grande multidão do Apocalipse, estamos aqui, irmãos e irmãs 'de todas as nações, tribos, povos e línguas' (Ap 7, 9), vindos de comunidades e países diferentes, filhas e filhos do mesmo Pai, animados pelo Espírito recebido no Batismo, chamados à mesma esperança (cf. Ef 4, 4-5)” e “Como a grande multidão do Apocalipse, rezamos em silêncio, ouvindo um grande 'silêncio' (Ap 8, I). E o silêncio é importante, é forte: pode expressar uma dor indescritível frente às desgraças, mas também, nos momentos de alegria, um júbilo que transcende as palavras. Por isso quero refletir brevemente convosco sobre a sua importância na vida do crente, na vida da Igreja e no caminho de unidade dos cristãos.” 

Me pergunto, assim, por que o papa se serviu daquela imagem, reforçando-a também com a citação do “grande silêncio” que se impõe após a abertura do sétimo selo (Ap 8,1). 

Alertados pelos recorrentes fanatismos, que marcam e remarcam as datas do fim do mundo, temos medo de sermos considerados loucos se acenamos o tema do fim do mundo, mas é inegável que estamos vivendo, entre consciência e remoções, tempos ameaçadores. Por isso, não é tão medieval e milenarista hipotisar o fim de um mundo quando estamos na iminência de uma guerra global e em tempos em que a própria vida da Terra é ameaçada de extinção.

Por isso, estou lendo “Os três diálogos e o conto do Anticristo” de Soloviev e um livrinho de Emanuel Mounier, “O medo no século XX - Para um tempo de Apocalipse”, em que, em 1948, o filosofo reflete sobre os terríveis eventos das bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki, após uma guerra mundial e os delírios sangrentos e genocidas do nazifascismo e medita sobre o testemunho do ser humano lidando com aquela Apocalipse. Marcelo Tarí comenta que “o discurso de Mounier revela que, desde o fim da primeira guerra mundial, ele lucidamente enxergava que o medo e a angústia, degradando-se, produzem, de um lado, um grande surto generalizado de medo e, do outro, a que ele define de paixão terrorista, encontrando-se o medo e terror num niilismo definitivo”.

“O perigo, a preocupação, são o nosso destino. Nada nos deixa prever que esta luta possa terminar em um prazo calculável e nada nos encoraja a supor que esta luta seja constitutiva da nossa condição. A perfeição do universo pessoal encarnado, portanto, não se identifica com a perfeição de uma ordem, como pretendem todos os filósofos (e todos os políticos), que pensam que o ser humano possa um dia totalizar o mundo. Esta é a perfeição de uma liberdade que combate e combate incansavelmente. E que fica firme também após a derrota. Entre o otimismo insuportável da ilusão liberal ou revolucionária e o pessimismo impaciente dos fascismos, o verdadeiro caminho do ser humano é um otimismo trágico, em que pode encontrar a justa medida em uma atmosfera de grandeza e de luta”. [3]

Referências

[1] V. Solov’ëv, I tre dialoghi e il racconto dell’Anticristo, Bologna 2021, p. 256.

[2] Disponível aqui.

[3] Mounier E., Il personalismo, Ave, ed. 2004, p. 56.

Nota 

Charles de Foucauld foi canonizado no dia 15 de maio de 2022 pelo Papa Francisco. (Nota do IHU)


Campanha da Fraternidade 2024: "Fraternidade e Amizade Social"  

Com apresentação dos Missionários Redentoristas, Padre Camilo Júnior e Irmão Alan Patrick Zuccherato, o programa vai entrevistar religiosos e teólogos para refletir o tema deste ano, apontar caminhos para a vivência prática da Campanha da Fraternidade nas comunidades e paróquias, em comunhão com a Igreja. Os convidados são Dom Ricardo Hoepers, Bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília e Secretário-geral da CNBB, que vai explicar o tema e refletir sobre a Campanha da Fraternidade 2024. E Padre Jean Poul Hansen, assessor de campanhas da CNBB, para falar dos desafios e caminhos da boa comunicação da Campanha da Fraternidade.   O programa ainda vai conversar com Cláudio Vieira - Coordenador da Campanha da Fraternidade, jornalista e especialista em Política Internacional.   E por fim, para falar sobre como o ecumenismo e o respeito a outros credos ajudam a viver a amizade social, o entrevistado será Pastor Eliel Batista - professor de Teologia Bíblica, escritor e parte da frente inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, também já foi membro convidado da Comissão Nacional da CF 2021.  Programa "Em Comunhão" exibido dia 14 de fevereiro de 2024.


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