segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Em carta ao secretário de Cultura da Bahia, entidades do audiovisual criticam edital da Lei Paulo Gustavo

 Entidades do audiovisual enviaram uma carta aberta ao secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, com críticas ao edital da Lei Paulo Gustavo, que foi lançado em setembro do ano passado pelo governo do estado.

No texto, os membros do setor disseram que o edital era “imensamente aguardado” porque era uma “rara oportunidade” para “estruturar e dinamizar a cadeia como um todo”. Mas eles afirmaram que ficaram “profundamente decepcionados”.

“Com as inscrições abertas, nos deparamos com um edital confuso, um sistema de inscrição precário (Prosas), que inibiu a participação de muitas pessoas com pouca experiência. Estima-se que dos cerca de nove mil projetos inscritos, cerca de 25% desses são duplicados, pois os proponentes se sentiram inseguros e inscreveram mais de uma vez o mesmo projeto”, escreveram.

A carta é assinada pela Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (SASB); Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN); Associação de Produtores e Cineastas da Bahia (APC); Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste (CONNE); Associação de Autores Roteiristas da Bahia (AUTORAIS); Associação da Games e Animação (GAMA); Associação de Cinemas Independentes de Salvador e o Coletivo de Mulheres do Cinema Baiano.

A reportagem pediu uma posição à Secult sobre a carta das entidades e aguarda retorno.

Leia a carta na íntegra:

Salvador, 15 de fevereiro de 2024

Ao Excelentíssimo Sr. Secretário de Cultura

Bruno Monteiro

Nós, das associações abaixo-assinados, vimos, respeitosa e democraticamente, através desta, manifestar nossa insatisfação com a gestão do Audiovisual e do fomento da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT).

É importante salientar que a classe vem se colocando de forma parceira e solidária, tendo estabelecido diálogo de altíssimo nível com o governo, em diversas instâncias e secretarias, durante o ano de 2023. Visamos sempre contribuir com o Governo e com a Cultura da Bahia.

É preciso dizer que não encontramos a mesma disponibilidade, o mesmo nível técnico, nem condições administrativas na equipe que está no comando da linguagem Audiovisual e no fomento da SECULT.

Especificamente sobre a Lei Paulo Gustavo, um edital imensamente aguardado por todos nós do setor, como rara oportunidade para que nós pudéssemos estruturar e dinamizar a cadeia como um todo, nos encontramos profundamente decepcionados com algo que já é visto como uma oportunidade perdida.

Há de se apontar erros grosseiros ocorridos no edital, a saber:

1. No início de 2023, a SECULT se colocou aberta a escutar as associações para que todos pudessem participar da elaboração do Edital Paulo Gustavo. Todas, sem exceção, buscaram qualificar o processo e mandaram estudos e propostas. No entanto, quando saiu o edital, percebemos que a SECULT não nos escutou e tratou a Lei Paulo Gustavo da forma como bem entendeu. Seja em relação à estrutura, à forma e mesmo às premiações desse edital;

2. Após o lançamento do edital, as associações reunidas se mostraram incomodadas em diversos momentos com relação a muitos pontos do edital. Muitos equívocos foram apontados. Propusemos reuniões e encontros com SECULT/ DIMAS. Poucos dos pontos colocados foram escutados;

3. Com as inscrições abertas, nos deparamos com um edital confuso, um sistema de inscrição precário (Prosas), que inibiu a participação de muitas pessoas com pouca experiência. Estima-se que dos cerca de nove mil projetos inscritos, cerca de 25% desses são duplicados, pois os proponentes se sentiram inseguros e inscreveram mais de uma vez o mesmo projeto;

4. Diante da enxurrada de projetos, ficou evidente para todos que seria impossível analisar criteriosamente os projetos enviados. Por exemplo, foram 297 projetos de longa-metragem inscritos nas linhas de produção de longa-metragem do edital de LPG 01 – Produção. É impossível imaginar tantos roteiros lidos e avaliados em cerca de vinte dias. O mesmo em outras linhas, com projetos tão complexos. Não há lisura em um processo em que os projetos não podem ser minimamente avaliados. Vale lembrar que a extensão da Lei Paulo Gustavo foi aprovada em 30/11/2023, momento em que a SECULT não havia anunciado qualquer resultado. Seria de extrema sabedoria e aceitável que essa secretaria ganhasse mais tempo em suas análises para que o resultado final fosse respaldado;

5. Na data de 02/12/2023, houve publicação do Resultado Preliminar do edital. Foram observados erros gritantes na lista: projetos duplicados, projetos que não apareciam ou estavam em linhas distintas, CNPJs trocados, pontuações erradas, pessoas que ganharam em outros estados premiadas também na Bahia e assim sucessivamente. Enxurrada de emails foram enviados à SECULT para que os erros fossem corrigidos. Pouco aconteceu;

6. Com o resultado preliminar publicado, os proponentes solicitaram o mínimo esperado em um edital: o parecer das comissões. De posse dos pareceres, cada proponente teria chance de defender seu projeto uma vez mais. Esse parecer, aparentemente, não existe. Os proponentes que receberam, não foram todos, um singular quadro de notas sem justificativa alguma quanto à avaliação realizada. Como escrever um recurso sem entender as motivações dos jurados?

7. Os proponentes, em massa, entraram com recursos junto à SECULT. Quantidade jamais vista em outros editais. Havia indignação quanto à falta de transparência;

8. A resposta aos recursos foi ainda mais desconcertante: um texto padrão, idêntico, para todos. Poucas linhas, nada a ser dito. Não houve resposta, não houve qualquer justificativa para os recursos interpostos;

9. No dia 19/01/2024, há uma publicação considerada definitiva pela manhã. Muitas notas haviam sido alteradas, empresas e pessoas classificadas que tinham ido para suplência e vice-versa, ou mesmo desclassificadas. A publicação foi apagada cerca de meia hora depois;

10. No mesmo dia, nova publicação à tarde com mais mudanças. Alguns projetos que haviam sido classificados pela manhã foram desclassificados sem nenhuma justificativa. Projetos que estavam na suplência não constavam mais como classificados…. Uma bagunça inovadora, uma brincadeira de mau gosto para milhares de artistas, técnicos, produtores…. trabalhadores da cultura!;

11. Pelas regras do edital, após a publicação definitiva, não existe mais possibilidade dos proponentes entrarem com recursos. Ou seja, quem havia sido classificado em 01/12/23 e desclassificado em 19/01/2024 não poderia nem ao menos entender o que aconteceu.

Infelizmente, a confusão não termina por aí. Existem muitas denúncias e uma insatisfação jamais vista.

Senhor Secretário, é importante dizer que a cultura e o audiovisual é estruturante e meio de vida para milhares de pessoas. Não é uma brincadeira, é um ofício, meio de vida. Via de regra, os artistas que lutam com muita dificuldade para sobreviver, apóiam o senhor e querem se sentir respeitados com suas escolhas.

A luta pela Cultura

A luta travada para se viver e estruturar um setor audiovisual ativo, na Bahia, é longa e árdua. O senhor há de saber e lembrar, que nos anos 90 os recursos eram mínimos e concentrados. Poucos acreditavam que era possível trabalhar no setor, que era visto como um hobby. Somente aos dos Estados Unidos era possível, aparentemente, trabalhar com cinema por exemplo.

Nos anos Lula-Dilma, demos um passo no sentido da descentralização. Não na Lei Rouanet, que permanece absolutamente concentrada no eixo Rio-São Paulo. Mas, a ANCINE criou mecanismos que renderam frutos ao Nordeste e, em particular, à Bahia resultado de muito esforço e capacidade individual de muitas produtoras baianas. Com os recursos federais, alguns dos nossos artistas e produtoras deram início à carreira em festivais internacionais e nacionais. O cinema baiano foi capa de jornais nacionais e passamos a atrair a atenção de muitos agentes financeiros. Algumas poucas empresas começaram a se estruturar nos mais diferentes setores do audiovisual.

Na Bahia, jamais tivemos política sólida de investimento por parte do estado e de prefeituras. Os editais jamais foram anuais. Sem regularidade por parte do Estado e sem o apoio das Prefeituras nesses anos, as empresas produtoras, profissionais e artistas locais sempre tiveram que se equilibrar em uma corda bamba e, aparentemente, sem futuro. Muitos, deixaram a Bahia.

Com o Governo Bolsonaro, tudo piorou: o dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual foi represado. Pois, esse dinheiro, desses quatro anos do cinema, se tornou a esperança de milhões de trabalhadores do Brasil, como um todo, através da Lei Paulo Gustavo.

Aqui, na Bahia, infelizmente, a equipe da linguagem audiovisual da SECULT, sem experiência e conhecimento do setor, desdenhou das empresas e pessoas que estão na luta há décadas, desde os anos 70. O mesmo se deu com a equipe que geriu os editais e é responsável pelo fomento à cultura no geral.

Nos países mais desenvolvidos, em termos de política cultural, leva-se em conta sempre a CONTINUIDADE de quem está fazendo, aliada à entrada de novos agentes culturais.

Na Bahia, na aplicação da Lei Paulo Gustavo, lima-se a experiência de quem, às duras penas, vem há décadas trabalhando e se estruturando.

Senhor Secretário, solicitamos mudanças imediatas do senhor nos rumos da política audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado. Acreditamos que é necessário que o senhor esteja mais próximo dos assuntos relevantes à área, que é estruturante para a economia do estado.

No Brasil, a indústria audiovisual gera mais de 300 mil empregos diretos e indiretos. Movimenta R$ 3,3 bilhões de reais em impostos. O Governo Federal, ciente da força do segmento, amadurece cada vez mais politicas públicas voltadas ao setor. Deveríamos, junto com a equipe da SECULT, estar dialogando sobre qual a fatia que queremos desse mercado para fortalecer ainda mais os agentes econômicos da área, sem preconceitos e sem pré-julgamentos. E assim, fortalecer ainda mais a imagem admirada por muitos da nossa bela Bahia.

Esse é o momento!

Assinam a carta:

Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (SASB)

Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN)

Associação de Produtores e Cineastas da Bahia (APC)

Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste (CONNE)

AUTORAIS – Associação de Autores Roteiristas da Bahia

Associação da Games e Animação (GAMA)

Associação de Cinemas Independentes de Salvador

Coletivo de Mulheres do Cinema Baiano

exta-feira, 9 de fevereiro de 2024


Nenhum comentário: