quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Como aprendi a falar com adolescentes (e a ser ouvido por eles) #outrasmidias


 "Os conflitos são resolvidos quando ambos saem ganhando, e quando ambos saem perdendo", diz o professor de filosofia Jordi Nomen, autor de livro sobre como construir um bom relacionamento com adolescentes: https://bbc.in/49LkWSR

Author,Cecilia Barría
Role,Da BBC News Mundo
17 fevereiro 2024

Depois de trabalhar mais de 30 anos com adolescentes como professor de filosofia, Jordi Nomen decidiu compartilhar as lições que aprendeu durante esta jornada.

Autor do best-seller El niño filósofo, ele acaba de publicar Cómo hablar con un adolescente y que te escuche (“Como falar com um adolescente e ser ouvido por ele”, em tradução livre), um livro que oferece ferramentas para qualquer pessoa diante do desafio de desenvolver um bom relacionamento com um adolescente.

Não é fácil, claro, e muitas vezes os adultos se sentem vencidos pelas circunstâncias quando acreditam que já tentaram de tudo e nada funciona.

“Ele não me escuta” é uma das reclamações que costumam fazer quando as coisas desandam.

Para ajudar quem busca formas de lidar melhor com os adolescentes, Nomen compartilha uma série de dicas que aprendeu a partir de sua experiência cotidiana.

Esse é justamente o tom do livro e da conversa que ele teve com a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC: otimista e apaixonado.

Confira a entrevista a seguir:

BBC News Mundo - Por que você acha o mundo dos adolescentes tão fascinante?

Jordi Nomen - Dediquei praticamente toda a minha vida a isso porque sempre fui professor de adolescentes. O crescimento que eles vivenciam é um processo fascinante.

Um crescimento mental, por um lado, porque você vê o quanto eles ficam entusiasmados nas aulas de filosofia e história com seu próprio pensamento.

Mas também tem um crescimento emocional, aquela gestão emocional, que é muito mais difícil para eles, e que também acho fascinante porque estão evoluindo para a maturidade, e acho muito bonito acompanhá-los nesse processo.

Depois, com o passar dos anos, eles agradecem muito, e dizem isso a você. Você encontra com rapazes e moças que se lembram de uma conversa que tiveram com você e que os marcou. Isso dá uma satisfação enorme.

Lidar com adolescentes é preciso ou, pelo menos, eu tenho essa impressão.

BBC News Mundo - Em seu livro, você diz que existem mitos sobre os adolescentes, como a ideia de que eles são irresponsáveis, conflituosos, não se interessam por nada, etc. Você não acha que há alguma verdade nisso?

Nomen - Na realidade, os mitos são falsos, mas têm uma parte de verdade.

Os mitos gregos e romanos têm uma parte da realidade, mas não deixam de ser uma generalização que não devemos aceitar como tal.

Lidei com cerca de 2 mil adolescentes em todos esses anos, e há muitos adolescentes que são uma maravilha.

BBC News Mundo - Você já teve que lidar com casos extremos de adolescentes rebeldes?

Nomen - Sim, há alguns casos em que os adolescentes estão realmente passando por um mau bocado. Acredito que devemos sempre focar no fato de que quando uma pessoa não responde às preocupações dos outros é porque ela está passando por um momento difícil.

Ninguém deve ser deixado para trás.

Agora, é comum que os adolescentes tenham algum conflito ou sejam irresponsáveis, claro. Mas se eles estão crescendo, estão aprendendo a ser responsáveis, porque é claro que eles erram, cometem erros, e a gente aprende com os erros.

A adolescência é um terremoto de mudanças, é um tsunami, é uma montanha-russa de emoções, e isso é muito difícil de administrar.

BBC News Mundo - Vamos falar sobre os conselhos que você oferece aos leitores para se comunicar com os jovens. Um deles é a predisposição ao diálogo no sentido de estar aberto à negociação. Parece ótimo, mas como você faz isso?

Nomen - Acredito que em uma negociação devemos abandonar os máximos e ficar com os mínimos.

Muitas vezes o conflito é apresentado em termos de eu ganho e você perde, mas não é assim que os conflitos são resolvidos! Os conflitos são resolvidos quando ambos saem ganhando, e quando ambos saem perdendo. Você sempre tem que ceder em relação a algo.

Com os adolescentes isso sempre funcionou comigo. Eu digo a eles: “Vocês estão me pedindo isso, mas esse é o seu máximo, e está muito longe do meu”.

Proponho a eles então falar sobre os mínimos, e isso significa negociar.

Vamos imaginar que o adolescente te diga que quer chegar às 5h da manhã, e você quer que ele chegue às 10h da noite. Você diz a ele que vocês vão negociar, e propõe que ele volte à meia-noite. Ele provavelmente vai responder que não, que tudo começa à meia-noite. Então diga a ele: Tá bom, até 1h da manhã.

Se você agir de forma autoritária e disser a ele que não vai sair, ele também vai ficar na defensiva e com raiva.

BBC News Mundo - Outra coisa importante que você menciona é ouvir com atenção. Soa como algo muito simples, mas parece que não é…

Nomen - A escuta atenta envolve a linguagem não-verbal, ou seja, devemos falar com calma e devagar, não perder o controle, não gritar, olhar o adolescente nos olhos, adaptar nossa posição à do outro.

Então, não interrompa, não julgue o que o outro está dizendo. Costumamos interromper. Imagine que um adolescente diga a um adulto: “Olha, fui numa festa e tinha drogas”. “Drogas?” o adulto interrompe.

Uma única palavra gera uma tempestade. Você já interrompeu o que ele ia te contar. O que eles pensam é: “Bom, é isso, não posso falar”.

Tampouco funcionam os julgamentos de valor, do tipo: “Ah não, isso não, de jeito nenhum, não pode ser, e o que você fez na festa?”, e aí começa um interrogatório, não uma conversa.

Vamos nos colocar um pouco no lugar deles. Se te fizessem um interrogatório já na vida adulta, o que você sentiria? Você se fecha, perde a vontade de continuar falando.

BBC News Mundo - Tem uma coisa interessante que você levanta no livro, aquela técnica de parafrasear o que eles dizem...

Nomen - Sim, é importante repetir o que o adolescente está te contando, para que ele veja que você está prestando atenção.

Você pode fazer perguntas parafraseando o que o adolescente acabou de dizer. Por exemplo: "Então você está dizendo que isso aconteceu assim, né?"

Trata-se de reformular o que o adolescente está contando. Você pode falar: "Se entendi direito, me parece que você está me dizendo... é isso?"

Aí eles percebem que existe um canal aberto e que você está ouvindo com atenção.

A palavra atenção, além disso, é preciosa porque etimologicamente significa “estender o espírito ao outro”.

É exatamente isso: se concentrar no que a outra pessoa está te dizendo, e não no que você vai dizer. E isso não é tão fácil.

BBC News Mundo - A outra coisa que você menciona é a importância de escolher o momento certo…

Nomen - O momento é quando eles e elas decidem, temos que esperar. Agora, se não tiver outra opção porque o assunto é muito sério, eu aconselharia falar pouco, não fazer um grande discurso, dar um sermão, porque eles entram no modo “off” e já era. Eles ficam lá fisicamente, mas não estão lá.

Nesse caso, se for algo muito importante, é melhor dizer a eles algo como: “Isso não me parece certo por causa disso, por causa daquilo e por causa daquilo outro”, e pronto, acabou, não continue falando. Vamos parar por aqui, e é melhor conversarmos em outro momento com calma.

Mas quando eles vêm até você, você tem que escutá-los e ter consciência de que eles não vão te explicar tudo. Eles vão explicar o que podem e querem explicar. Mas se o canal de comunicação estiver aberto, é muito mais fácil para eles te explicarem.

O importante também são os assuntos. Quando você chega e fala: “Filho, tenho uma lista de assuntos que quero conversar com você. O primeiro é sexo, o segundo é álcool, o terceiro...”.

Dizer isso na lata é muito difícil, principalmente quando o adolescente não sabe muito bem expressar o que sente, não sabe gerenciar suas emoções.

Não vamos por aí. Vamos entrar em assuntos bem mais banais.

Nesta manhã, perguntaram a alguns rapazes: "Sobre o que você conversa com seus amigos?" A primeira resposta foi: “Não falamos de estudos, porque já passo o dia inteiro estudando. Falo de música, falo de videogame, falo de esportes, falo das últimas séries que estou assistindo”.

Então vamos começar por aí, vamos começar perguntando que videogame ele está jogando, ou como foi a partida, ou sobre o que é a série de TV, e talvez vocês possam assistir juntos.

BBC News Mundo - O título do seu livro é Cómo hablar con un adolescente y que te escuche. Alguns interpretam a parte do “que te escute” como sinônimo de que te obedeçam…

Nomen - Que te escutem significa que você planta a semente. Mas os adolescentes têm que escolher, ou seja, você não vai escolher por eles, e está equivocado se quiser fazer isso.

Você mostra a eles seu ponto de vista e diz: "Pense nisso, gostaria de saber o que você vai fazer".

Você pode dizer a eles: "A decisão é sua, te ensino responsabilidade, mas é você quem decide".

Nós, professores, sabemos disso. Um aluno começa a se sair bem quando decide que vai começar a estudar, quando diz: “Agora vou começar a estudar porque eu decidi, porque eu quero”.

É a mesma coisa. Qual é o nosso papel então? Favoreça essa reflexão, não decida por ele ou ela. Talvez você não goste muito da decisão que eles vão tomar, mas é assim que as coisas são.

E você tem que fazer esse duelo. Nós buscamos nossa identidade tomando muitas vezes decisões que vão contra os conselhos daqueles que mais nos amam.

Mas também é verdade que temos que cometer erros. Errar é a única maneira de aprender. Tentar garantir que os jovens não cometam erros, é impossível. Nem é bom, nem é saudável.

E se eles erram, é preciso dizer, mas dizer de uma determinada maneira. O que você não pode dizer a eles é: “Você é um infeliz, faz tudo errado”. Se você fizer isso, não vai dar a eles nenhuma chance de mudar. Acredito muito que as pessoas podem melhorar.

Você tem que dizer a eles: “Você errou, vamos ver como você pode melhorar porque acho que você tem que se dar outra chance”.

Você não tem que dizer a eles: "Não espero nada de você". Se você ouve isso de uma mãe, de um pai ou de um professor... não levanta mais a cabeça. Não há autoestima capaz de aguentar isso.

Entendo que, às vezes, os adultos são drásticos porque estão cansados, entendo isso, mas a maneira como dizemos as coisas é importante.

BBC News Mundo - Que outras coisas os adultos não deveriam fazer, mesmo que tenham as melhores intenções?

Nomen - Uma delas é não dar a eles responsabilidades. Quando você pensa que o adolescente vai fazer algo errado, e você prefere fazer isso por ele, não está certo. O fato é que se você fizer isso, o adolescente não vai aprender nunca!

Segunda coisa: não devemos remover obstáculos do caminho deles, porque os fragilizamos. Se você tirar (os obstáculos), como eles vão aprender a lidar com as dificuldades?

Depois: saber estar presente, mas de forma discreta. Na infância, o adulto tem que ser o olho que tudo vê, mas na adolescência tem que ser o radar que está atento às mudanças.

Você tem que conhecer seus amigos e amigas, e saber por onde eles andam. Se você não gosta de algo, ouça antes de tomar uma atitude.

É preciso ensiná-los a gerenciar impulsos e desejos porque isso é muito difícil para eles. Mas receio que tenha uma má notícia: é difícil para os adultos também.

Se não fizermos isso, vai ser muito difícil, mas muito difícil que possa funcionar.

É muito mais eficaz dizer: “Filho, eu sei que em algum momento você vai experimentar bebida alcoólica porque não me iludo. O que peço a você é cautela, principalmente se houver carros envolvidos”.

Você pode contar o caso de uma pessoa cujo filho sofreu um acidente, por exemplo.

Ou pode dizer: “Espero que, se no futuro você decidir experimentar bebida alcoólica, saiba quando parar e saiba como controlar isso”.

Você não precisa dizer: “Você não vai beber nada na festa, hein”. Para que serve essa frase? É mais sensato dizer a ele para ser cauteloso, para não se colocar em risco.

Assim como quando a filha vai ao posto de saúde, já com uma determinada idade, para procurar um método anticoncepcional. Há pais que acham uma barbaridade, mas não é!

Pelo contrário, seria muito melhor que o adulto fosse com ela ao ginecologista, assim a adolescente interpretaria que sua família se preocupa com sua saúde sexual e reprodutiva.

Isso tem que ser feito, vocês precisam acompanhá-las, porque senão vão receber conselhos das amigas e da pornografia.

Acontece que a superproteção e a falta de proteção são extremos que devem ser evitados. Se você os proteger demais, é mais fácil que eles se tornem fracos, e se você não os proteger, os deixará ao relento, sem qualquer bússola. Você tem que deixá-los cometer erros e permanecer ao lado deles.

BBC News Mundo - E no caso da tecnologia, o que fazer para que larguem as telas?

Nomen - Se você disser: “Não sei por que você perde tanto tempo no celular ou fica grudado o tempo todo no celular, é um vício!”, não vai funcionar.

Para eles, a identidade real e a identidade digital são exatamente a mesma coisa. São vasos comunicantes. Na vida digital, eles existem, se relacionam, resolvem problemas, se reconhecem, reconhecem os demais, buscam toda a informação que necessitam.

Para o adulto, o primeiro passo é aceitar que é assim. E aí você tem que estabelecer alguns espaços de segurança, negociar normas.

Por exemplo, “na hora do jantar, não vale usar celular, e não vale usar celular porque é uma regra na nossa família. Somos um grupo, e todos nós devemos nos sentir confortáveis, não só você. "

Também é importante dizer a eles que a tecnologia tem muitas coisas positivas, mas fazê-los ver que também tem um lado negativo. Eles geralmente veem, o reconhecem.

Então você pode dizer que vai estabelecer momentos de desconexão. Pode ser, por exemplo, que se todo mundo vai praticar esporte ou passear em algum lugar, todo mundo vai esquecer o celular, e isso significa que o adulto também vai fazer isso.

A princípio, eles rejeitam esses espaços de desconexão, mas se forem estabelecidos como rotina, chega um momento em que passam a agradecer.

Na nossa escola, achávamos que fazê-los deixar o celular na entrada da sala de aula seria uma tarefa impossível. Mas não foi assim. Estamos fazendo isso desde setembro e tem funcionado. Não houve nenhum problema, nada.

E quando você pergunta a eles agora: O que você acha de não levar o celular? Eles dizem que isso dá a eles uma certa liberdade, porque não precisam estar alertas o tempo todo.

Mas eles precisam vivenciar isso para se dar conta de que não é tão ruim quanto parece.

BBC News Mundo - Qual é a coisa mais difícil que os adolescentes enfrentam?

Nomen - Vou te contar uma história. Costumo pedir aos adolescentes que tirem fotos filosóficas. Na semana passada, vi um trabalho extraordinário de uma menina, um trabalho magnífico.

Ela se perguntava: o que os adolescentes escondem por trás da sua personalidade forte?

E a resposta é dada em três fotografias. A primeira é intitulada: medo do fracasso. A segunda é intitulada: insegurança por não ser aceita. E a terceira: prisioneira de uma falsa ideia de normalidade.

O que pode contrabalançar emoções deste tipo? O vínculo forte com a família, ao ser amado incondicionalmente. Essa é a única coisa capaz de contrabalançar o medo do fracasso, a insegurança e a tirania da normalidade.

BBC News Mundo - Tem um poema que você gosta muito de compartilhar com os adolescentes…

Nomen - É um poema muito bonito do poeta inglês William Henley, que termina com um trecho que tomei para mim para acompanhar os adolescentes:

Não importa quão estreito o caminho,

Quão cheia de punições a minha sina,

Eu sou o mestre do meu destino,

Eu sou o comandante da minha alma.

(Em tradução livre)


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